Sete lições da saída do Reino Unido

Por Mohamed El-Erian.

Enquanto os mercados financeiros estão convulsionados em resposta ao voto dos britânicos de sair da União Europeia, o impressionante resultado do referendo do Reino Unido oferece mais perguntas do que respostas. Como foi discutido, o aumento da incerteza, alimentado pela repentina instabilidade institucional agora agravada por uma fragilidade econômica e uma fluidez financeira de longa data, provavelmente irá provocar uma mistura sem precedentes de turbulência política, volatilidade financeira e prejuízos econômicos nas próximas semanas. E também nos deixa sete lições cujas consequências vão muito além da Grã-Bretanha.

As desconexões sócio-políticas ocorrem em todos os lugares: a decisão de “sair” vai muito além de uma pequena maioria de cidadãos que se recusam a seguir seus dirigentes políticos. Ela deve ser vista como uma rejeição notável às elites políticas e empresariais, bem como à “opinião dos especialistas”. E também ilustra as divisões regionais que predominam após um período de baixo crescimento, especialmente de um crescimento que beneficiou alguns grupos mais do que outros.

Campanhas ácidas e geradoras de divisões são o novo normal nas políticas nacionais: essa campanha dolorosa alimentou e foi alimentada por divisões mais amplas no país. Por essa razão, para muita gente a decisão do referendo sobre a Brexit acabou se resumindo a uma simplificação grosseira – opor o bem-estar econômico à reconquista da soberania por causa da imigração.

As premissas da história já não se aplicam aos partidos estabelecidos: assim como o Partido Republicano dos EUA, que se distanciou do livre comércio, os conservadores do Reino Unido, entre os grandes partidos políticos do país, eram os que estavam mais profundamente divididos a respeito dos benefícios da maior zona de comércio superlivre do mundo.

Os partidos marginais e anti-establishment podem mudar a política mesmo não tendo chances de chegar ao poder: frente ao risco de que uma parte da base de seu partido passasse para o Partido da Independência do Reino Unido antes da última eleição geral, o primeiro-ministro David Cameron se sentiu compelido a prometer um referendo para garantir a reeleição do Partido Conservador. Ele mal percebeu o tamanho da aposta que estava assumindo, que dividiu seu partido. Em resposta à votação desta quinta-feira, ele anunciou que vai renunciar ao cargo.

A política marginal pode se retroalimentar, inclusive cruzando fronteiras: assim como a política de raiva do Reino Unido ganhou força com a ascensão de Donald Trump do outro lado do Atlântico, o voto a favor de “sair” provavelmente irá incentivar os movimentos contrários ao establishment que já vêm ganhando força em grande parte da Europa. E, dentro do Reino Unido, isso também está gerando insatisfação na Escócia e na Irlanda do Norte.

Os mercados financeiros, assim como a “sabedoria das multidões”, que supostamente os respalda, não são melhores do que a maioria das pessoas para prever esses resultados políticos: às vésperas da votação de quinta-feira, os traders estavam confortáveis com a ideia de que o grupo que defendia “permanecer” iria se impor. A alta de vários dias da libra e das ações resultante disso foi posteriormente mais do que dizimada, e de modo brutal.

Brexit entra na lista dos acontecimentos impensáveis que se tornaram realidade: acontecem coisas estranhas quando as economias avançadas persistem em um novo normal de baixo crescimento prolongado e uma desigualdade cada vez maior – coisas como as taxas de juros nominais negativas e o surgimento de Donald Trump como presumível candidato republicano. E se a decisão do Reino Unido de sair da UE não acordar os políticos do resto do mundo, essa lista só vai aumentar nos próximos meses.

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