Por Aline Oyamada e Julia Leite com a colaboração de David Biller.
Dava para ouvir os aplausos e risadas de longe, no hall onde os repórteres foram instruídos a ficar. Foram sucessivos rompantes espontâneos ao longo de uma hora e meia.
O palestrante: o pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro. O local: a conferência anual do BTG Pactual, no coração financeiro de São Paulo.
Compareceram ao almoço alguns dos nomes mais importantes do mercado, incluindo profissionais de bancos de investimento, analistas de ações e operadores de câmbio.
Longe das câmeras e microfones, os participantes davam risada ao lembrar que as palmas para Bolsonaro foram motivadas principalmente por insultos à ex-presidente Dilma Rousseff e por promessas de combate ao crime nas favelas. Oficialmente, ninguém disse nada. Ninguém reconheceria publicamente que gostou do ex-capitão do Exército e de seu discurso agressivo.
É compreensível. Desde que ganhou projeção nacional, no ano passado, Bolsonaro é uma máquina de polêmicas. Entre seus comentários mais controversos: que teve quatro filhos homens e no quinto deu “uma fraquejada e veio uma mulher”; que ele bateria se visse dois homens se beijando; que os quilombolas “não fazem nada” e “nem para procriador eles servem mais”; e que o regime militar não foi uma ditadura.
Nada tão ousado foi dito naquele almoço no BTG em fevereiro. E, se esses comentários se repetissem, provavelmente não teriam sido bem recebidos pelo público presente. Mas é inegável que Bolsonaro esteja agradando cidadãos de todas as classes socioeconômicas, ao passar uma imagem de homem comum, independente e politicamente incorreto.
As reações a ele lembram o que muitos americanos falavam sobre Donald Trump na disputa pela Casa Branca em 2016. “Ele diz o que eu penso, mas não posso dizer” é uma frase ouvida frequentemente sobre Bolsonaro, vinda de motoristas de táxi ou operadores de câmbio. Isso ajuda a explicar porque Bolsonaro tem alguma vantagem nas pesquisas de intenção de voto, cinco meses antes da eleição.
“Podem ter, sim, pessoas que têm a intenção de votar e escondem isso por algum motivo”, disse Lucas de Aragão, sócio da consultoria política Arko Advice, em Brasília. “Não só no mercado financeiro, mas isso pode existir em qualquer setor.”
O curioso sobre a recepção calorosa a Bolsonaro por investidores é que não se sabe o que a eleição dele significaria para os mercados. Bolsonaro costuma fazer piada sobre sua falta de conhecimento de economia e insiste que deixará as decisões na área fiscal e financeira para seus assessores.
Um deles é Paulo Guedes, economista formado pela Universidade de Chicago que defende a privatização de estatais e a reforma da previdência – duas medidas consideradas essenciais para conter o déficit público e para o País recuperar o grau de investimento após a recessão. Os investidores adorariam que essas propostas se concretizassem. Mas o próprio Bolsonaro já lançou ideias muito menos ortodoxas, como proibir que empresas chinesas invistam no Brasil e cortar os juros para 2 por cento (um terço da taxa Selic atual).
As mensagens inconsistentes geram certa confusão entre investidores. Ainda assim, eles parecem inclinados a apoiar a candidatura, em parte por acreditarem que ele é capaz de impedir a volta do Partido dos Trabalhadores ao poder, menos de três anos depois do impeachment de Dilma. Com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia e fora do páreo, há temores de que o PT possa apoiar outro candidato de esquerda — como Fernando Haddad ou Ciro Gomes – e derrotar Bolsonaro no segundo turno em outubro. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é bem visto pelos investidores, mas tem poucas intenções de voto.
“O nível de incerteza quanto à trajetória e ao resultado dessa eleição é bem maior do que no passado”, escreveram a estrategista Emy Shayo Cherman e a economista Cassiana Fernandez, do JPMorgan Chase, em relatório a clientes. “Desta vez, parece que há mais em jogo no que diz respeito às perspectivas para o País do que em ciclos políticos anteriores.”
Bolsonaro não quis comentar sobre as percepções dos investidores sobre ele e suas ideias.
Os ativos brasileiros têm sido prejudicados por temores de que o eventual vencedor da eleição não encare as reformas impopulares, porém necessárias para sanar o déficit público. O quadro fiscal fez com que a dívida brasileira fosse considerada de alto risco pelas agências internacionais de classificação de crédito. O real é uma das moedas de pior desempenho nos mercados emergentes desde o fim do primeiro trimestre, com desvalorização de 8,8 por cento. A parcela da dívida pública em moeda local nas mãos de investidores estrangeiros em março estava no menor nível em seis anos de 11,8 por cento, comparado a uma fatia recorde de 21 por cento, em maio de 2015.
Bolsonaro entrou na política pelas Forças Armadas. Nascido e criado em Campinas, no interior paulista, ele entrou no Exército e foi promovido a capitão ao longo de 17 anos de carreira militar. Ele concorreu a cargo público pela primeira vez em 1988, quando foi eleito vereador do Rio de Janeiro. Dois anos depois, foi eleito deputado federal e nunca mais deixou o cargo.
E apesar de tanto tempo ali, ele só se tornou figura de projeção nacional quando anunciou que concorreria à presidência. O uso agressivo das redes sociais pela equipe dele atraiu muita atenção do público, assim como seus comentários polêmicos.
Alguns comentários também chamaram a atenção do Ministério Público, que acusou Bolsonaro por crimes de racismo e manifestação discriminatória. A assessoria de imprensa dele afirmou em comunicado que as acusações são “ataques infundados” com o objetivo de “gerar notícias sensacionalistas”, acrescentando que o candidato tem direito e dever de “debater temas polêmicos que afligem o povo brasileiro e seu eleitorado”.
Naquela tarde de fevereiro no BTG, poucos pareciam incomodados. Eles estavam se divertindo demais para isso. Quase sem exceção, os presentes disseram que Bolsonaro foi surpreendentemente razoável e engraçado – um verdadeiro showman.
“Ele foi bom”, disse um participante, “em entreter o público”.
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