Por Andrew Hammond.
Ninguém duvida que um voto pela saída da União Europeia em 23 de junho traria enormes mudanças nas relações do Reino Unido com a Europa e na política doméstica. Isso não significa que, com um voto pela permanência no bloco, as coisas voltarão a ser como antes. Longe disso.
Mesmo se a vitória da permanência for ampla, o primeiro-ministro David Cameron terá novos motivos de preocupação. Mais de 40 por cento dos parlamentares do Partido Conservador que declararam sua posição sobre o tema são a favor de deixar a UE e o partido ficaria ainda mais difícil de controlar. Existe até a possibilidade de novas defecções de parlamentares para o Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) após o referendo. No entanto, uma vitória modesta da permanência – digamos, entre 50,1 por cento e 53 por cento dos votos – significaria problemas ainda maiores.
Imagine que a Inglaterra (fora Londres) vota pela saída, enquanto eleitores da Escócia, da Irlanda do Norte e do País de Gales ajudam a vitória da permanência. Tais divisões dentro do Reino Unido podem revigorar os nacionalistas ingleses e alimentar o sucesso do UKIP, que conquistou 13 por cento do voto popular na eleição geral de 2015 (embora tenha garantido apenas um assento no parlamento). Uma margem apertada para a permanência pode ser considerada uma vitória moderada da campanha pela saída, energizando a direita descontente do Partido Conservador, já cético em relação ao euro. Essa situação deixaria a questão europeia basicamente sem solução, como ocorreu no referendo sobre a independência da Escócia em setembro de 2014, que deu vitória aos defensores da união, mas não acabou com a discussão e até levou ao ressurgimento do Partido Nacionalista Escocês.
Alguns parlamentares conservadores já indicaram ser “muito provável” que Cameron seja submetido a um voto de não confiança, que seria desencadeado por uma exigência por escrito de 50 parlamentares conservadores ao Comitê 1922. Mesmo se Cameron sobreviver a um desafio imediato de seus pares, ele pode não se recuperar, como o que ocorreu quando Margaret Thatcher foi desafiada por Anthony Meyer em 1989. Embora Thatcher tenha vencido de maneira convincente, ela perdeu poder no ano seguinte em outro desafio a sua liderança.
Uma vitória apertada da permanência (as pesquisas de opinião mostram os dois campos praticamente igualados) também mudaria os termos do debate sobre o sucessor de Cameron. As chances do secretário do Tesouro, George Osborne, desabariam e aumentaria o apoio a defensores da saída do bloco, incluindo o ex-prefeito de Londres Boris Johnson e o ministro da Justiça, Michael Gove. Atualmente, nas casas de apostas, a ministra do Interior, Theresa May — que apoia a permanência no bloco, mas se manteve longe da discussão — se mostra popular, mas não teria ajuda dos eurocéticos do partido.
É difícil conceber um cenário no qual a pequena maioria conservadora no parlamento não seria afetada pelo referendo sobre a UE. Uma vitória pode permitir que Cameron avance o pacote de renegociação a partir de fevereiro, mas seria complicado um governo fragilizado mostrar liderança forte da UE nos próximos anos. Internamente, seria ainda mais difícil esse governo tocar planos fundamentais, como o corte de gastos públicos de aproximadamente £30 bilhões (US$ 42,56 bilhões), que levou à renúncia do ministro de Seguridade Social Ian Duncan Smith.
Se os votos pela permanência se mostrarem maioria em 24 de junho, talvez não haja vitória alguma. O Reino Unido pode amanhecer menos governável e menos engajado na UE que prometeu reformar.
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