Por R.T. Watson com a colaboração de Jasmine Ng.
O plano da China para reduzir a poluição em suas maiores metrópoles e cidades industriais está aumentando o interesse na exploração de riquezas minerais do outro lado do planeta, na Amazônia — uma das áreas mais ecologicamente sensíveis da Terra.
O céu afetado pela poluição atmosférica no país mais populoso do mundo levou o governo chinês a impor restrições à indústria siderúrgica doméstica, que usa altos fornos alimentados por carvão para derreter minério de ferro. A decisão aumentou a demanda para importação de minério de maior qualidade, capaz de produzir mais aço com menos emissões, e ampliou as margens de lucro sobre esses carregamentos.
As exportações do Brasil, um dos maiores fornecedores, caminham para um quarto recorde seguido em 2017. A maior produtora, a Vale, está transferindo a produção das reservas de baixa qualidade do sudeste do Brasil, exploradas durante um século, para o desenvolvimento de mais depósitos de alta qualidade nas isoladas regiões do norte da Amazônia, onde os ambientalistas temem mais danos à maior floresta tropical do mundo.
“É uma contradição”, disse Frederico Martins, representante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, mantido pelo governo brasileiro, que monitorou as operações da Vale na Amazônia na década em que atuou como chefe da Flona de Carajás. “A China quer limpar 20 anos de poluição por lá gerando mais impacto aqui.”
O incentivo para que o Brasil produza mais está crescendo, especialmente para a Vale, que busca reduzir US$ 22 bilhões em dívidas acumuladas durante o período de três anos de queda dos preços encerrado em 2016. A diferença entre os minérios de baixo e de alto teor ferroso está aumentando para cerca de US$ 50 por tonelada, contra menos de US$ 10 há cerca de 18 meses.
A tonelada de minério com 65 por cento de teor ferroso era vendida a US$ 86,50 na terça-feira, contra US$ 36,96 no caso do minério de menor qualidade, com 58 por cento de teor ferroso, segundo a Metal Bulletin. O minério de referência do setor, que tem 62 por cento de teor ferroso e é entregue em Qingdao, na China, estava em US$ 61,01.
A Vale está acelerando seu projeto de US$ 14 bilhões na Amazônia, conhecido como S11D, que iniciou a produção no começo do ano. A empresa com sede no Rio de Janeiro afirma que com reservas de melhor qualidade e máquinas mais automatizadas a mina finalmente poderá produzir minério a cerca de US$ 7 por tonelada. O valor representa menos da metade de seus custos atuais totais. A produção na área pode atingir 90 milhões de toneladas por ano até 2020.
O projeto marca o início do distanciamento da Vale de suas origens em Minas Gerais, onde a empresa tem mais de 10 bilhões de toneladas de reservas conhecidas. Mas a maior parte desses depósitos não excede 50 por cento de teor ferroso. Nas reservas da Vale na Amazônia, onde fica o S11D, há quase 7 bilhões de toneladas com mais de 65 por cento de teor ferroso.
Aumento da exportação
“As exportações brasileiras de minério de ferro crescerão significativamente nos próximos quatro anos” porque aumentará a demanda pela oferta de maior qualidade, disse Paul Robinson, diretor de metais não ferrosos da CRU Group, uma consultoria da indústria da mineração com sede em Londres. As exportações, que caminham para um recorde de 370 milhões de toneladas neste ano, poderão crescer para 460 milhões ou 470 milhões em 2021 com a manutenção do ágio, disse ele.
A demanda maior já está ajudando a Vale. A nota de crédito da empresa foi atualizada para estável pela Fitch Ratings, que projeta “rentabilidade razoável durante períodos de preços mais baixos” porque a produção maior do S11D amplia a vantagem da Vale em relação a exportadoras rivais da Austrália. O Brasil atualmente responde por cerca de 22 por cento do comércio internacional de minério de ferro, e a maior parte das exportações do País vem da Vale, segundo a Fitch.
A Vale afirma que reduziu a produção de minério com baixo teor ferroso em cerca de 19 milhões de toneladas por ano e que ampliou a oferta do minério de qualidade superior que a China vem comprando.
Em reunião com analistas, no mês passado, o presidente da Vale, Fábio Schvartsman, disse que os custos reduzidos e a ampliação das margens de lucro devem ajudar a elevar o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização em até US$ 600 milhões no segundo semestre de 2017. A empresa ganhou cerca de US$ 30 por tonelada no ano passado, mas Schvartsman disse que o lucro poderia aumentar em até US$ 6 por tonelada até 2020.
Retenção de talentos
A perspectiva está melhorando devido à mudança nas compras realizadas pela China, a maior consumidora de metais do mundo e de longe a maior importadora de minério de ferro. Os geradores de eletricidade movidos a carvão da China poluem mais do que as siderúrgicas, segundo o Greenpeace. O governo chinês está desativando as usinas que mais poluem e ampliando compromissos para expandir o uso de energia solar e de veículos elétricos.
Além de reduzir os custos associados à poluição, a China também quer cidades mais limpas para reter talentos de sua crescente classe média, mais qualificada e com maior mobilidade, segundo Matthew Kahn, professor de Economia da Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles. Ele liderou um estudo que examinou as carreiras de prefeitos e outros políticos de 100 cidades chinesas ao longo de oito anos.
“O modelo original de crescimento da China consistia em ter suas próprias usinas pesadas de aço e de outros setores, e isso criou produção e poluição”, disse Kahn. “Mas agora que a China está fazendo uma transição para uma economia de capital humano, as pessoas inteligentes e talentosas querem morar em cidades com céu azul e parecidas com São Francisco.”
O risco para o Brasil está em encolher ainda mais sua floresta tropical, que segundo estimativa do Greenpeace perdeu cerca de um quinto de sua área nas últimas quatro décadas, quando os fazendeiros iniciaram o plantio de soja e cana-de-açúcar e as mineradoras começaram a exploração mineral.
Na Floresta Nacional de Carajás, onde o S11D está sendo desenvolvido, a Vale afirma proteger cerca de 8.200 quilômetros quadrados de habitat natural, ou cerca de cinco vezes a área total onde opera. A empresa desenvolveu tecnologias e sistemas de gerenciamento para minimizar o impacto ambiental, afirmou seu departamento de imprensa por e-mail.
Ainda assim, imagens de satélite da região mostram um grande desmatamento nos arredores das áreas onde a mineração foi iniciada na década de 1980. Mais de 40.000 pessoas trabalharam no desenvolvimento do S11D desde 2010 e a empresa atualmente emprega cerca de 2.700 trabalhadores em tempo integral e gera pelo menos mais 10.000 empregos indiretos.
“A mineração atrai um fluxo migratório”, disse Martins, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, acrescentando que o impacto nas áreas rurais é significativo.“Quando esse fluxo se instala na região, se instala de forma irregular, e isso gera impacto na floresta porque a terra é convertida em áreas rurais e urbanas.”
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