Como gerenciar a liquidez em tempos de incerteza

Artigo escrito por Fergus Trenholme, especialista em risco de liquidez, e Christian Benson, especialista em assuntos regulatórios.

Diante de um cenário de turbulências geopolíticas e econômicas e da necessidade de gerenciar cuidadosamente a liquidez, os gestores de fundos que operam na União Europeia (UE) estão cada vez mais conscientes de que estratégias de dados bem definidas não podem mais ficar em segundo plano. No entanto, dados escassos e um conjunto discrepante de exigências legislativas dificultam a realização dos principais objetivos políticos, e a eficiência do setor.

Conforme a UE busca atualizar a estrutura legislativa para o setor de fundos por meio da revisão da Diretriz relativa aos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo (AIFMD, na sigla em inglês) e os supervisores de mercado voltam a sua atenção para a resiliência da liquidez dos fundos, o setor de fundos da Europa precisará considerar a melhor forma de gerenciar as exigências de dados em constante evolução que este novo cenário exigirá.

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A liquidez, uma preocupação regulatória

Na última década, a propriedade total de fundos de investimento na Europa cresceu de 6 trilhões de euros em 2010 para 15 trilhões de euros, o que contribuiu para um aumento no enfoque regulatório para o setor de fundos. Durante este período, eventos como a dissolução da Woodford Investment Management (junho de 2019) ilustraram a importância da gestão do risco de liquidez no nível de empresas, enquanto acontecimentos importantes, como o início da pandemia de Covid-19 (março de 2020) e o início da guerra na Ucrânia (fevereiro de 2022), forçaram o setor a avaliar e gerenciar ativamente a liquidez durante cenários de estresse extremo. Em resposta, projetos de supervisão internacional estão em andamento para explorar possíveis reformas na gestão de liquidez, com iniciativas recentes na União Europeia e no Reino Unido, como a seguir:

  • Março de 2021: a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) publica os resultados da ação de supervisão comum de 2020 relativos à gestão do risco de liquidez da UCITS (Undertakings for Collective Investment in Transferable Securities).
  • Junho de 2021: o Banco da Inglaterra e a Autoridade de Conduta Financeira (FCA, na sigla em inglês) concluem a pesquisa conjunta sobre gestão de liquidez em fundos abertos do Reino Unido.
  • Novembro de 2021: a Comissão Europeia publicou propostas para revisar a Diretriz relativa aos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo (AIFMD, na sigla em inglês).
  • Fevereiro de 2022: a ESMA propõe reformas para melhorar a resiliência dos fundos de money market (MMFs).
  • Março de 2022: a ESMA e as autoridades nacionais competentes (NCAs, na sigla em inglês) da Europa concluem que há espaço para melhorias nos testes de estresse de liquidez dos fundos.
  • Abril de 2022: a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (IOSCO, na sigla em inglês) busca feedback sobre questões de liquidez do mercado que afetam os mercados de títulos privados.
  • Maio de 2022: as autoridades do Reino Unido divulgam um documento de discussão sobre a reforma de MMFs, e a FCA publica diretrizes sobre a Regulamentação de MMFs no Reino Unido.

Definição do cenário de liquidez

Historicamente, os requisitos de relatórios de liquidez de fundos têm sido tratados como um exercício de compliance sem impacto real no desempenho do fundo. No entanto, com o desenvolvimento da estrutura de mercado, ficou claro que algumas empresas obtêm ganhos competitivos por meio de suas métricas de liquidez que devem ser divulgadas. Isto levou a duas abordagens diferentes: algumas empresas adotaram uma conduta mais orientada para compliance relativa aos requisitos da UE, enquanto outras adotaram uma abordagem mais holística e voltada para o desempenho.

Inadequação de liquidez e ferramentas de gestão de liquidez (LMTs)

A inadequação de liquidez continua sendo um desafio para o mercado e para os reguladores, pois pode levar a situações em que a demanda do investidor pelo retorno do seu dinheiro não é satisfeita pela capacidade do fundo de vender suas participações. Este descompasso entre os prazos de resgate e a liquidez dos ativos do fundo pode se tornar um risco sistêmico. Garantir que as empresas tenham acesso a uma gama completa de medidas para gerenciar a liquidez dos fundos, conhecidas como ferramentas de gestão de liquidez (LMTs), é um princípio fundamental para a revisão da AIFMD – em andamento no processo legislativo da UE. Em geral, as LMTs incluem os itens a seguir:

  • Mecanismos de oscilação de preço para garantir que o investidor que entra ou sai do fundo subsidie o custo de liquidez para limitar a vantagem dos que agem primeiro;
  • Avisos de resgate para fornecer aos gestores de fundos tempo adicional para reunir o dinheiro necessário para pagar os resgates;
  • Side pockets que permite aos gerentes criar fundos dedicados para determinados ativos que se tornam especialmente ilíquidos ou difíceis de avaliar quando um determinado segmento de mercado se deteriora.

Os legisladores europeus estão no processo de revisão da AIFMD para apresentar regras com o objetivo de harmonizar o uso de LMTs em toda a Europa e reforçar sua supervisão.

Avaliação de liquidez na negociação de títulos

O mercado de títulos é um exemplo interessante de um mercado de balcão no qual uma medida precisa da liquidez é difícil, pois a maioria das negociações de títulos ocorre em uma proporção relativamente pequena do mercado total de emissões ativas. Esta consolidação de negociações em um pequeno universo de instrumentos dificulta obter avaliações precisas das medidas de liquidez para a maior parte do mercado, pois grandes segmentos do mercado podem negociar com pouca frequência.

Como analogia, considere o caso de um carro antigo comprado há muitos anos. Você provavelmente não encontrará uma lista de preços oferecida por potenciais compradores, mas se o carro fosse leiloado, provavelmente seria vendido de acordo com as estimativas. A solução de liquidez de mercado, LQA, da Bloomberg busca responder ao mesmo desafio com ativos que raramente são negociados nos mercados secundários. Esta solução permite que os participantes do mercado avaliem a facilidade e o custo prováveis de atender aos resgates dos clientes sob condições normais e difíceis do mercado.

Padronização de relatórios e dados

Ao preencher os documentos regulamentares, os fundos geralmente encontram uma ampla gama de complexidade e subjetividade de dados que variam entre dados descritivos simples, calculados, e aqueles mais complicados que exigem o uso de ferramentas analíticas. O alto grau de interpretabilidade e de tendenciosidade específico da empresa envolvido nos relatórios de fundos impediram o surgimento de uma visão mais padronizada do mercado.  As medidas divulgadas podem abranger quatro grandes categorias de dados com vários graus de complexidade, como a seguir:

  1. Contábeis
  2. Calculados
  3. Derivados/implícitos
  4. Modelados

Por exemplo, na categoria “modelados”, há pouca consistência entre os gestores, já que dois fundos com o mesmo fundo poderiam divulgar perfis de liquidez diferentes devido à tendenciosidade herdada do modelo. Esta falta de padronização e consistência nos dados divulgados levou a alguns dos problemas na gestão de liquidez que prevalecem hoje em dia. Enquanto traders experientes e profissionais de compliance buscam ferramentas para determinar o verdadeiro risco de liquidez de uma negociação, os reguladores almejam formas de melhorar a consistência dos relatórios de liquidez de fundos semelhantes para permitir uma visão mais abrangente e precisa do mercado

Conclusão

À medida que os reguladores europeus trabalham em uma versão revisada da AIFMD e os supervisores de mercado e os bancos centrais intensificam seu trabalho direcionado a questões de liquidez de mercado, o ambiente regulatório para o setor de fundos deve amadurecer nos próximos anos. Para garantir o sucesso neste ambiente em transformação, as empresas devem se preparar para adaptar e fortalecer suas estratégias de dados.

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