Soja ainda lota armazéns brasileiros em plena colheita de milho

Por Tatiana Freitas.

Os agricultores brasileiros estão descobrindo uma desvantagem de se tornar um dos maiores produtores mundiais de soja: eles estão ficando sem espaço para armazenar a produção que ainda não foi vendida.

A maior colheita da história do País deve levar os estoques domésticos a bater um recorde, mostram dados do grupo de processadores Abiove. Os preços aos produtores locais caíram mais de 20 por cento no último ano, levando os agricultores a estocar soja onde podem, em vez de vendê-la, o que pode provocar uma crise de armazenamento exatamente no momento em que uma safra recorde de milho sai do campo.

“Os armazéns ainda estão cheios de soja no início da colheita do milho safrinha”, disse Nelson Antonini, um produtor de grãos que faz parte do conselho da Copasul, uma cooperativa agrícola com cerca de 800 membros no município de Naviraí, no Mato Grosso do Sul. “Já estamos enfrentando problemas de armazenagem.”

Até a semana passada, os agricultores da Copasul haviam vendido cerca de 50 por cento da produção de soja, muito menos que os 80 por cento que normalmente já teriam vendido nessa época do ano, disse Antonini. Só há capacidade de armazenamento para estocar cerca de 40 por cento da produção. Para abrir espaço para o novo milho que está chegando, os produtores retiraram 42.000 toneladas de soja dos armazéns e colocaram em silo bags.

Problemas semelhantes estão surgindo em todo o Brasil à medida que as colheitas no hemisfério sul chegam ao fim. A maior parte da safra de soja é colhida de fevereiro a maio. Embora fique atrás dos EUA como produtor, o Brasil exporta mais da oleaginosa do que qualquer outro país. A soja é processada para produzir óleo vegetal e ração para animais.

Um agravante para o problema de armazenagem é que o País também colherá uma safra recorde de milho, que pode ultrapassar 100 milhões de toneladas pela primeira vez, de acordo com analistas locais. A primeira das duas safras chega em março, seguida de uma segunda colheita praticamente concluída no final de setembro. O Brasil é o terceiro maior produtor do mundo e o segundo maior exportador desse grão, atrás dos EUA.

Os agricultores brasileiros colheram cerca de 114 milhões de toneladas de soja nesta temporada, um aumento de 18 por cento em relação ao ano anterior, estimou o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês) no mês passado. A produção e os estoques dos EUA também têm aumentado. Embora a produção global provavelmente seja mais baixa ao longo do próximo ano, as reservas globais em 1º de outubro serão 21 por cento maiores do que no ano anterior, em um recorde de 93,2 milhões de toneladas, segundo o USDA.

O Brasil tem capacidade estática para armazenar cerca de 65 por cento de sua produção total de grãos e oleaginosas, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a agência do Ministério da Agricultura responsável pelas projeções de oferta e demanda.

“Vemos um grande número de agricultores encomendando silo bags para armazenar milho em Mato Grosso”, disse Frederico Azevedo, gerente da Aprosoja, grupo de produtores do estado.

Os silo bags, sacolas gigantes de plástico branco, podem armazenar cerca de 180 toneladas de grão por cerca de um ano, mantendo o conteúdo seco e protegido de danos causados por condições climáticas ou pragas. Eles são amplamente utilizados na Argentina, país vizinho, mas não eram comuns no Brasil até agora.

Isso ocorre em parte porque os preços baixos estão desencorajando as vendas, forçando os agricultores a conservar a produção por mais tempo. Em Mato Grosso, maior Estado produtor de soja do Brasil, os agricultores recebiam R$ 52,61 por saca de 60 quilos no município de Sorriso em 4 de julho ante R$ 73,33 um ano antes, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), uma unidade de pesquisa da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo.

O cenário para o milho não é melhor. Os preços em Sorriso caíram 52 por cento no último ano, para R$ 11,08 por saca de 60 quilos. Isso está abaixo do piso estabelecido pelo governo, R$ 16,50, o que levou o Ministério da Agricultura a subsidiar as vendas.

“Se tiverem que escolher entre a soja ou o milho, a tendência é que os produtores deem preferência às vendas de milho e mantenham a soja estocada”, disse Luiz Fernando Roque, analista da consultoria agrícola Safras & Mercado. “Os agricultores não querem vender a safra no patamar de preço atual.”

Aposta no clima

Os agricultores apostam que os preços da soja podem melhorar em meio aos riscos climáticos da safra norte-americana, disse Roque. Os preços da oleaginosa costumam oscilar bastante durante sua temporada de crescimento nos Estados Unidos, que culmina em agosto, quando as plantas precisam de chuva para preencher as vagens com os grãos. Uma recuperação é menos provável para o milho, porque há um superávit muito grande do grão, disse ele.

Os contratos futuros de soja para entrega em novembro subiram cerca de 9 porcento desde 23 de junho em meio a preocupações com o clima no maior produtor mundial, estimulando vendas de produtores brasileiros nos últimos dias, Mario Sperotto, corretor de soja na corretora Agrisoy, disse em entrevista por telefone de Porto Alegre.

Mesmo assim, os agricultores provavelmente terão vendido cerca de 62 por cento de sua safra no começo de julho, bem abaixo da média de cinco anos de 80 por cento, disse Roque em 29 de junho.

Além disso, como o Brasil exporta muito mais soja do que milho, é mais fácil negociar no mercado da oleaginosa, de acordo com André Debastiani, sócio da Agroconsult. Nesta safra, o País representará cerca de 43 por cento das exportações mundiais de soja, em comparação com cerca de 21 por cento das exportações mundiais de milho, mostram dados do USDA.

Os preços do milho provavelmente cairão ainda mais à medida que a colheita avança já que os agricultores preferem vendê-lo e conservar a soja, disse Debastiani durante o Rally da Safra, uma turnê agrícola promovida por sua consultoria, no mês passado.

Menos exportações

Isso também pode significar menos vendas de soja no exterior do que o previsto inicialmente, de acordo com Lucas Brunetti, analista da Pine Research. As remessas provavelmente totalizarão 59 milhões de toneladas nesta temporada, frente à previsão anterior de 61 milhões, enquanto as vendas de milho serão de 30 milhões de toneladas, ante a estimativa anterior de 27 milhões, disse ele.

“Eu já fui mais otimista com as exportações brasileiras de soja”, disse Brunetti.

A safra de milho de inverno do Brasil é conhecida como “safrinha”, a segunda e maior das duas colheitas de milho que os agricultores fazem por ano. A “safrinha” é semeada na mesma área em que a soja foi colhida recentemente, e os agricultores se tornaram mais dependentes dela pela receita extra a cada ano.

“Os brasileiros provavelmente continuarão entesourando a soja”, disse Brunetti. “Ela é o principal ganha-pão dos agricultores.”

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