A repressão à corrupção no Brasil está fora de perigo

Por Mac Margolis.

Em um continente de pavões, o juiz federal brasileiro Sérgio Moro é uma celebridade improvável. Lacônico e impassível, ele tem pouco tempo para os holofotes, mas mesmo assim seu nome está estampado em camisetas e cartazes de protesto e ocupa um lugar de destaque nas redes sociais.

Por que o alvoroço? Confira a 13ª Vara Federal da Seção Judiciária, onde Moro presidiu a maior investigação de corrupção da história do país, prendeu figurões e ajudou a recuperar o orgulho cívico em uma terra onde muitas vezes a justiça é bem mais digna de infração que de observância.

Então, depois que o Supremo Tribunal Federal brasileiro decidiu no mês passado afastar da 13ª Vara um réu de alto perfil nomeado por uma testemunha no contexto do caso da Petrobras, cidadãos preocupados foram às ruas. Será que a chamada Operação Lava Jato, investigação sobre pilhagem na companhia petrolífera controlada pelo Estado, corre o risco de ser desvirtuada, como alegam alguns?

É extremamente improvável que os vigaristas de colarinho branco do Brasil tenham essa sorte.

É verdade que o escopo da fraude na maior corporação da América Latina talvez nunca tivesse sido desvelado se não fosse pelo juiz de 43 anos, especialista em casos de lavagem de dinheiro, e por um quadro de promotores públicos dedicados. Da base deles em Curitiba, cidade do sul do Brasil, os investigadores expuseram o que o procurador-geral Rodrigo Janot chamou de “uma complexa organização criminosa” determinada a sonegar dinheiro de contratos de fornecimento inflados com a Petrobras nos cofres públicos.

Mas para chegar a Curitiba foi necessária a colaboração das melhores cabeças do serviço público, da polícia federal à unidade de inteligência financeira do Ministério da Fazenda. Essa rede de investigadores e caxias é a melhor garantia de que os esforços para acabar com a quadrilha política mais descarada do Brasil vão continuar, independentemente de quem é que vai bater o martelo no tribunal.

A investigação começou quando a polícia federal, vigiando um posto de gasolina e um antigo lava jato de carros (daí o nome) na capital do país, desvendou um esquema de troca de dinheiro para levar os lucros misteriosamente para o exterior. A Procuradoria assumiu a perseguição e, usando dados do Ministério da Fazenda, seguiu o rastro do dinheiro até a Petrobras.

Janot levou as investigações para o outro lado do Atlântico, onde promotores públicos suíços encontraram provas que apontam para o presidente da Câmara de Deputados do Brasil, assim como a líderes corporativos. Alguns dos maiores executivos do setor petroleiro e de construção do Brasil estão atrás das grades, e dezenas de políticos estão sendo investigados, inclusive o presidente do Senado.

E, apesar de ter decidido recentemente desmembrar partes da investigação, o Tribunal Supremo sustentou a autoridade de Moro diversas vezes no passado. “Essa investigação de corrupção é o resultado de um conjunto de instituições, trabalhando em sincronia”, disse Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

Isso é notável em uma região onde o Estado de Direito tem sido frágil e as instituições públicas têm muitas vezes sido argila nas mãos dos ricos e poderosos. Não é de se admirar que a América Latina costume se sair mal no índice de corrupção da Transparência Internacional.

A Operação Lava Jato poderia estar abrindo um novo precedente. Os juízes apoiaram Moro, e os meios de comunicação estão disputando os furos sobre as transgressões. A prisão de um diretor de uma grande prestadora de serviço para a Petrobras – que tem contratos internacionais – inspirou investigações além das fronteiras brasileiras.

O despertar institucional também se espalhou. No dia 7 de outubro, o Tribunal de Contas da União decidiu por unanimidade que o governo recorreu a truques fiscais para disfarçar uma parte de déficit orçamentário de vários bilhões de dólares em 2014, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal do País. Foi a primeira vez em 78 anos que esse Tribunal recomendou que o Congresso rejeite as contas de um governo; se os legisladores concordarem, a presidente Dilma Rousseff poderia enfrentar o impeachment.

No dia anterior, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil também demonstrou sua independência ao autorizar a investigação de acusações de que Dilma aceitou doações ilegais para a campanha durante a eleição de 2014. Se essas alegações procederem, o Tribunal poderia demover Dilma do Planalto.

Talvez isso não aconteça. Dilma não foi acusada de roubar dinheiro público, e a palavra final sobre a suposta bagunça fiscal será dada pelo Congresso, onde influências e clientelismo podem abalar convicções. Mas o fato de que até as mais altas autoridades estejam sendo chamadas a prestar contas é um sinal de que as engrenagens democráticas do Brasil estão funcionando, e não apenas em Curitiba.

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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