A selva política do Brasil engole Joaquim Levy

Por Mac Margolis.

Para quem está procurando uma imagem das vicissitudes econômicas do Brasil, nada melhor do que a entrevista coletiva de imprensa do dia 31 de agosto, que desvendou o orçamento do governo para 2016, devidamente equipado com o enorme déficit de R$ 30,5 bilhões (US$ 8,1 bilhões).

Em qualquer outro dia, todos os olhos teriam se voltado para o homem mais alto do recinto, Joaquim Levy, o ministro da Fazenda de 1,95 m de altura, cujo diploma da Universidade de Chicago e a baixa tolerância à loucura fiscal o transformaram no queridinho dos investidores estrangeiros e no fiador da presidente Dilma Rousseff para uma economia sólida.

Agora, no entanto, o principal economista do Brasil parecia lacônico e, de repente, diminuído. Em vez dele, foi o ministro do Planejamento Nelson Barbosa quem pegou o microfone para explicar por que, pela primeira vez desde que o maior país da América Latina venceu a hiperinflação e restaurou uma contabilidade responsável, um governo encaminhou ao Congresso uma proposta de orçamento que prontamente admitiu não ser suficiente.

Os homens da guinada de Dilma foram direto ao ponto – vejam, não há mais truques contábeis para disfarçar o déficit, vangloriou-se o vice-presidente Michel Temer –, mas só conseguiram manchar a reputação da transparência.

Há muito em jogo. Uma recessão grave e uma inflação teimosa têm destripado os cofres do governo ao mesmo tempo em que o Brasil precisa cortar o desperdício e gerar um superávit para convencer os credores a não rebaixarem a dívida do país ao grau especulativo, o que faria com que a taxa básica disparasse.

O controle de danos sobrou para Levy, que passou 18 horas diárias procurando onde economizar, bajulando investidores, coagindo ministros e pregando parcimônia aos legisladores. Mas o fiador do Brasil não tinha um fiador.

Como a taxa de aprovação da própria Dilma despencou para mínimos recorde, Levy viu suas iniciativas se diluírem quando não foram sabotadas por legisladores perdulários e pela ala populista do partido governante, o PT. Sua meta de um modesto superávit primário foi reduzida praticamente a zero. Um corte planejado de R$ 80 bilhões caiu para menos de R$ 70 bilhões.

Se o ajuste fiscal tem sido difícil, o que dizer das reformas estruturais enérgicas que Levy defendeu para dimensionar corretamente o tamanho do governo, regular o descontrole das pensões e aumentar a produtividade?

O caminho do Brasil rumo à insolvência começou muito antes do mandato de Dilma e foi pavimentado com intenções democráticas. O problema remonta a 1988, quando uma nova geração de legisladores tentou se livrar de duas décadas de decretos autoritários e cravou liberdades e direitos em uma nova Constituição.

O resultado foi um tomo de mais de 400 páginas que obriga os líderes eleitos a gastarem porcentagens fixas das receitas em educação, saúde e previdência. O arranjo parecia ótimo no papel, mas deixou os governos com pouca margem para emergências e gastos discricionários.

Mas os caciques políticos do Brasil são mestres em encontrar caminhos para a perdição e depois repassar a conta: a carga tributária nacional aumentou de 25 por cento do PIB em 1991 para pouco mais de 35 por cento em 2014, concluíram em uma pesquisa recente os economistas Mansueto de Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa.

No entanto, as receitas governamentais cresceram notáveis 7 por cento ao ano acima da inflação de 2000 a 2011, deixando muito extra para distribuir para os pensionistas e para os salários do setor público.

Depois a economia do Brasil perdeu o fôlego, mas o apetite do governo não: após 2011, as receitas aumentaram 1,5 por cento ao ano, ao passo que os gastos federais continuaram crescendo 5,4 por cento acima da inflação.

Veja o generoso sistema de pensões, em que a idade média de aposentadoria é de vivazes 54 anos para os homens e de apenas 52 anos para as mulheres. “As pensões são apenas o símbolo mais visível de um país que dá mais do que o que tem. Um país que envelheceu antes de se desenvolver”, concluiu o trio de economistas.

O ministro Levy disse isso de forma mais sutil: “Temos um plano além do ajuste [fiscal], mas precisamos de uma ponte para a estabilidade”, reiterou ele recentemente. Resta saber se alguém ainda lhe dá ouvidos.

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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