Uma abordagem orientada a dados para riscos e oportunidades relacionados à natureza

Investidores enfrentam uma possível enxurrada de dados relacionados à natureza à medida que os esforços aumentam para conter a perda de biodiversidade. Nadia Humphreys, chefe de soluções de dados em finanças sustentáveis na Bloomberg, explica como entender melhor a situação.

Finanças ambientais: À medida que os investidores se interessam cada vez mais pelos impactos e dependências da natureza, que conselho você daria a esses investidores que começaram a lidar com a questão?

Nadia Humphreys: O primeiro passo é entender que os riscos relacionados à natureza são financeiramente relevantes: 55% do PIB global é moderada ou fortemente dependente da natureza. Isso pode se manifestar por meio de impactos diretos, como a criação de aves ou gado, em que doenças altamente transmissíveis podem ter um impacto sério sobre os produtores, ou impactos menos óbvios, como os problemas que a Tesla teve com o esgotamento das águas subterrâneas na Alemanha.

Então, como investidor, você precisa começar com o básico: quais commodities estão adquirindo? Como elas governam a natureza? Onde estão operando? Com quem eles estão negociando? O próximo estágio é considerar elementos mais técnicos: eles fizeram alguma declaração sobre a obtenção sustentável de matérias-primas? Eles implementaram alguma política relacionada à natureza? Eles divulgam métricas básicas relacionadas à natureza e como tais métricas estão evoluindo ao longo do tempo?

Obter respostas para estes tipos de perguntas ajudará a obter as informações necessárias para desenvolver suas estratégias de investimento e engajamento baseadas em biodiversidade.

EF: Qual a disponibilidade destes dados? E qual é a dificuldade para os investidores encontrarem sinais claros nessas informações?

NH: Estes conjuntos de dados existem. Para entender o que uma empresa está fazendo, um investidor poderia analisar como e onde ela gera receita ou onde tem despesas de capital. A Bloomberg possui dados de segmentação de receita de 50.000 empresas, que mapeamos para mais de 2.000 categorias de classificação, e agora vemos despesas de capital segmentadas. Apenas cerca de 4.000 dessas empresas possuem algum tipo de política de biodiversidade. Temos dados sobre 1,1 milhão de ativos físicos que mostram onde estão operando, com base em instalações que são relevantes para o valor empresarial delas, como os setores de fabricação e P&D. Também temos um conjunto de dados da cadeia de fornecimentos, que mostra com quem estão fazendo negócios.

O que a Bloomberg quer oferecer aos investidores é ajudá-los a começar a unir pontos de dados individuais para fornecer uma narrativa mais clara de seus impactos e dependências da natureza. Os investidores devem ter cuidado com os conjuntos de dados que se baseiam, em grande parte, em aproximações ou estimativas e que, portanto, são difíceis de corroborar. Os investidores desejam ter confiança nos conjuntos de dados que impulsionam seus investimentos ou suas estratégias de engajamento. Portanto, se um conjunto de dados utilizar estimativas, é importante compreender quais informações estão sendo consideradas nesses números e quão transparente esse conjunto de dados é.

EF: A que ponto estrutura da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD) ajuda os investidores a identificar e coletar os dados das empresas que desejam?

NH: É imperativo que as organizações compreendam e avaliem seus impactos e dependências em relação à natureza; isso lhes permite gerenciar melhor tais aspectos. A TNFD ainda é uma estrutura relativamente nova, mas podemos ver que pouco mais de 750 empresas já declararam em seus relatórios de sustentabilidade corporativa que planejam adotá-lo.

Isso é ligeiramente menor do que a comunidade de quase 1.500 da TNFD, mas vemos um universo maior quando olhamos para os componentes principais da estrutura. Por exemplo, cerca de 1.300 empresas afirmam ter supervisão da diretoria ou da alta administração sobre questões relacionadas à biodiversidade. No entanto, leva tempo para algumas dessas estruturas de governança afetarem o modo como as empresas operam: atualmente, de acordo com nossos dados, apenas cerca de 200 empresas divulgam discussões sobre riscos e oportunidades relacionadas à biodiversidade de maneira significativa.

EF: As commodities com risco de desmatamento são um foco específico para algumas empresas e investidores. Quais ferramentas e técnicas estão disponíveis para ajudá-los a identificar e mitigar os impactos do desmatamento nas cadeias de fornecimento de commodities?

NH: As commodities com risco de desmatamento estão sob intenso escrutínio, especificamente devido à legislação recente na União Europeia e no Reino Unido, mas também por causa do resultado alcançado no acordo final da COP28. Esse acordo incluiu uma meta para interromper o desmatamento até 2030, ecoando o acordo alcançado em 2022 na reunião da COP15 da Convenção sobre Diversidade Biológica. Isso significa que os países agora são obrigados a considerar reservas de carbono, como terras florestais, no desenvolvimento de suas próximas rodadas de contribuições determinadas nacionalmente, que serão apresentadas na COP30 no Brasil.

Como investidor, você quer entender quem está lucrando com commodities de alto risco de desmatamento. Onde estão operando? Quem está em sua cadeia de fornecimento? Para quem eles fornecem? Quando as empresas afirmam que suas matérias-primas são obtidas de forma sustentável, é do interesse dos investidores desvendar ou comprovar estas alegações. Para isso, os investidores devem verificar se os habitats em torno do local de negócios da empresa ou de seus fornecedores estão em boas condições ou se estão se deteriorando em termos de integridade ambiental.

Até muito recentemente, os investidores tinham que confiar nas alegações das empresas e nas políticas que elas têm em vigor. Os investidores querem poder questionar se as alegações feitas pelas empresas são, de fato, verdadeiras, utilizando um conjunto de dados respaldado pela ciência e que possa informar discussões no momento de desafiar as empresas sobre seu desempenho. É aí que entra nossa colaboração com o Museu de História Natural.

EF: Essa colaboração envolve a Bloomberg licenciando o índice Biodiversity Intactness (BII) do museu. Como vocês vão usá-lo?

NH: O BII examina a resposta à pressão humana sobre os ecossistemas e fornece uma estimativa da porcentagem restante do número original de espécies presentes em um local. Ele representa a composição da biodiversidade de certas áreas terrestres em comparação com uma área intocada com mínima interferência humana.

O que estaremos fornecendo aos investidores será o valor do índice BII em relação ao perfil operacional de uma empresa e em relação ao perfil operacional de seus fornecedores. Os investidores podem usar o índice para identificar empresas do portfólio com operações em áreas de alta integridade do ecossistema, ou onde a integridade do ecossistema esté em rápido declínio. Ambos os fatores são exigidos na estrutura da TNFD.

O que se tornará realmente interessante para os investidores à medida que o conjunto de dados evoluir será a capacidade de ver as mudanças ano a ano. Se uma empresa tiver assumido o compromisso de reduzir seu impacto, o índice nos permitirá verificar se essa melhoria foi realmente alcançada.

EF: Em termos de desenvolvimentos regulatórios, o que está sendo acompanhado mais de perto?

NH: Estamos observando um momentum considerável na divulgação e prestação de contas. Por exemplo, sob o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis da UE, um indicador analisa especificamente as operações em áreas de alta integridade ambiental ou próximas a elas. O que os investidores realmente querem saber é se impactos negativos também estão sendo causados nessas áreas.

A biodiversidade também está começando a tomar forma dentro da Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa. As empresas devem apresentar planos de transição para 2030 e 2050 relacionados à natureza. A meta de biodiversidade da União Europeia também foi adicionada à Taxonomia da União Europeia: as empresas deverão começar a preparar relatórios de elegibilidade este ano e relatórios de alinhamento a partir de 2025. Inicialmente, as atividades em questão estão focadas em conservação, restauração e ecoturismo.

EF: Qual foi o impacto regulatório até o momento da Estrutura Mundial de Biodiversidade de 2022?

NH: Não temos conhecimento de políticas implementadas até o momento para cumprir os compromissos estabelecidos na Estrutura Mundial de Biodiversidade de 2022. É improvável que isso aconteça antes de os países enviarem seus planos de ação, que deverão ser apresentados na COP16, prevista para o fim do ano.

Mas esta ação precisará ser acelerada. Segundo o relatório Estado das Finanças para a Natureza do PNUMA, os fluxos financeiros em favor de soluções baseadas na natureza, que chegam a 154 bilhões de dólares por ano, são inferiores aos 500 bilhões a 1.000 bilhões de dólares em subsídios prejudiciais ao meio ambiente.

Mas, por outro lado, uma economia em favor da natureza oferece enormes oportunidades: um estudo do Fórum Econômico Mundial estima que as soluções em favor da natureza poderiam criar mais de US$ 10.000 bilhões em oportunidades de negócios e 395 milhões de empregos até 2030. Se seguirmos corretamente, haverá um multiplicador econômico do qual todos podemos nos beneficiar.

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