América Latina está ‘drenando o pântano’ da política

Por Raymond Colitt, Charlie Devereux e John Quigley.

Os americanos que desejam “drenar o pântano” da política em Washington devem olhar para América Latina com certa inveja.

O ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, foi condenado na semana passada a quase 10 anos de prisão por corrupção passiva. Um dia depois, um ex-chefe de Estado peruano foi preso em meio a uma investigação de lavagem de dinheiro. Na Argentina, o congresso discute medidas mais duras contra subornos.

O presidente dos EUA, Donald Trump, chegou ao poder prometendo acabar com a negociação em benefício próprio e “drenar o pântano” em uma capital que, reza a lenda, foi construída em um terreno alagadiço infestado de malária. Ele não demorou a ser acusado de usar a presidência para inchar os cofres dos negócios de sua família e instalou a filha e o genro na Casa Branca.

No outro extremo do continente, um movimento anticorrupção latino-americano está lidando com evidências mais claras de subornos que envolvem os mais altos escalões da sociedade.

Investigadores mais bem capacitados usando ferramentas jurídicas mais afiadas encorajaram as instituições em democracias mais frágeis. Populações mais esclarecidas e conectadas ao mundo estão exigindo mudanças.

“Há esperança na justiça”, disse César Rodrigues, um administrador de empresas de 31 anos de Brasília, depois que Lula foi condenado. “Os políticos achavam que estavam acima da lei”.

Durante o boom das commodities, muitas economias latino-americanas dispararam e alguns membros das classes dominantes abocanharam os despojos. Com o fim dessa era, os padrões de vida despencaram e, com eles, os índices de aprovação dos líderes, que de repente pareciam vulneráveis. Pulamos para 2017: no Brasil, na Argentina, no Peru, no Panamá e na Guatemala, antigos ou atuais chefes de Estado foram investigados, processados ou presos.

“Quando as coisas estavam indo bem, havia pouca preocupação com a corrupção”, disse Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, um think tank com sede em Washington. “Uma classe média crescente, mudanças de comportamento, novas leis e as redes sociais com certeza ajudaram a pressionar por mais justiça.”

A disseminação da tecnologia da internet contribuiu para o aumento das acusações e para a crescente onda de protestos, disse Luis Moreno-Ocampo, advogado argentino em Nova York que foi presidente do escritório da América Latina e do Caribe na Transparência Internacional.

“Há mais demanda e há mais capacidade de obter informações”, disse Moreno-Ocampo. “A América do Sul está mostrando que a democracia está funcionando.”

A lista dos antigos e atuais chefes de Estado que estão nas mãos da justiça é longa:

Lula é o principal personagem implicado na investigação da Operação Lava Jato, que já dura três anos e se centrou em propinas envolvendo contratos da Petrobras. Antigamente o político mais popular do País, ele também era o favorito nas pesquisas de opinião para as eleições de 2018.

No Peru, Ollanta Humala, cujo mandato terminou em julho de 2016, se entregou a um tribunal de Lima na semana passada para 18 meses de prisão preventiva depois que um juiz concluiu que era provável que ele e a esposa tenham lavado dinheiro. Em outro caso, um mandado de prisão foi emitido em fevereiro para seu antecessor, Alejandro Toledo, acusado de suborno.

Na Argentina, a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner enfrenta julgamento sobre acusações de fraude e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, está em uma prisão dos EUA esperando extradição, acusado de grampear telefonemas e outras conversas com um sistema de vigilância financiado com fundos públicos.

Isso sem levar em consideração os enxames de políticos em níveis inferiores, de empresários e de bilionários que estão sendo investigados em toda a região. Os casos, embora incompletos e idiossincráticos, revelam uma preocupação comum com o Estado de Direito, disse José Ugaz, presidente da Transparência Internacional.

“A corrupção atingiu o nível mais alto do setor privado e da classe política em cada país, e o sistema de justiça não está se refreando nem garantindo a impunidade”, disse Ugaz, de Lima. “Teremos que ver os resultados finais, mas, nesta etapa, o fato de estarem investigando e tomando medidas é um sinal muito animador.”

As iniciativas anticorrupção não se limitam aos tribunais. O Senado da Argentina está debatendo uma lei que responsabilizaria empresas inteiras, e não apenas indivíduos, em casos de corrupção. A lei permitiria que os promotores lancem uma rede mais ampla e poderia tornar mais fácil que altos executivos enfrentem acusações.

Ainda assim, a América Latina tem uma história tortuosa de colonialismo, repressão e suborno que enfraqueceu as instituições democráticas de muitos países. As prisões por si só não estabelecem políticas limpas, se não houver uma nova geração de políticos honestos e transparentes, disse Shifter, do Inter-American Dialogue.

“Mandar pessoas para o tribunal é bom, mas é preciso preencher esse vazio, é preciso que pessoas com credibilidade entrem para a política, e isso é algo que realmente não vimos”, disse ele.

Muitos cidadãos continuam céticos.

“Os ricos continuam se beneficiando”, disse Eber de Azevedo, um porteiro de 32 anos que trabalha em um complexo de escritórios em Brasília. “Parece que os crimes deles compensam.”

De qualquer modo, a pressão popular para realmente arrumar a casa pode levar anos para ganhar um impulso crítico. No Brasil, ficou impossível ignorar a questão depois da divulgação de gravações de áudio de reuniões que pareciam revelar que o presidente Michel Temer discutia a compra de silêncio com um empresário. Um dos assessores mais próximos de Temer foi filmado saindo de um restaurante com uma mala de dinheiro, e as imagens foram transmitidas na TV. Agora, os parlamentares podem permitir uma iniciativa sem precedentes para processar um presidente em exercício.

Temer foi acusado de corrupção no mês passado depois de alegações de que ele recebeu de um frigorífico os R$ 500.000 da mala. A decisão de levá-lo a julgamento depende do Congresso, onde ele ainda possui uma influência significativa — e muitos parlamentares também enfrentam acusações de corrupção. A Câmara de Deputados decidirá se ele será julgado pelo STJ.

Esse processo seria um divisor de águas não apenas para o Brasil, mas para uma região onde o Estado de Direito não teve um controle forte. Seja qual for o resultado, o continente está firme no caminho de uma governança melhor, disse Ugaz.

“Esta é a ponta do iceberg”, disse ele. “Isso está só começando.”

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