Anatomia da crise financeira do Brasil

Por Mohamed El-Erian.

O Brasil está passando por uma reprise do tipo de deslocamento financeiro de mercado emergente que muitos esperavam que o País já tivesse deixado para trás na década de 80 e no início dos anos 2000. Caso não seja acionado um circuit breaker, este ciclo auto-sustentável pode ganhar mais força, expondo o País a choques econômicos que seriam particularmente duros para os pobres e que piorariam a desarticulação política.

Em resposta à saída de fundos de investimentos e à fuga de capitais cada vez maior, os três principais mercados financeiros do Brasil estão presos em um processo de destruição de valor, processo este que se reforça mutuamente. O resultado é uma horrenda mistura de desvalorização cambial aguda, custos crescentes de financiamento externo e juros domésticos cada vez mais altos.

Essas tendências prejudiciais exacerbam a ameaça de dois ciclos viciosos, que também se retroalimentam:

O primeiro vincula os setores soberano e corporativo. Quanto mais os títulos de dívida do governo e a moeda forem pressionados, maior será a ameaça de contágio para o mercado corporativo.

O fato de que a Standard & Poor’s tenha rebaixado a nota de crédito do Brasil para o grau especulativo neste mês já puxou para baixo as notas de crédito das empresas do País, aumentando os custos do crédito e do refinanciamento de modo geral. Ao mesmo tempo, o escândalo na Petrobras, a maior empresa do País, gerou preocupações de que o Estado talvez seja forçado a intervir com um resgate, o que aumenta o desconforto em relação ao balanço soberano.

O segundo vincula o setor financeiro às perspectivas econômicas. Quanto mais os mercados financeiros estiverem transtornados, maior será o risco para a economia como um todo, que já está lutando contra uma recessão e a inflação alta. Este ciclo poderia provocar uma disparada dos custos de produção, queda na atividade, aumento do desemprego, salários reais mais baixos, redução do consumo e aceleração da fuga de capitais.

Se não forem controlados, esses tipos de vínculos se retroalimentam e expõem o País ao que os economistas chamam de “equilíbrio múltiplo”: o risco de que, em vez de estar voltando para a média (voltando à estabilidade), a economia do Brasil se deteriore cada vez mais, o que aumenta o risco de um resultado ainda pior.

O Brasil precisa desesperadamente de um circuit breaker para eliminar a ameaça cada vez maior de resultados negativos em cascata. O melhor modo de conseguir isso seria uma série de decisões oficiais, criadas pelo governo e aprovadas pelo legislativo, que restaure a dinâmica de crescimento do País, contenha a deterioração fiscal e reverta as crescentes pressões inflacionárias.

Essas medidas fariam com que os mercados financeiros se normalizassem rapidamente, o que resultaria na valorização da moeda e na redução significativa dos custos de crédito, tanto dentro quanto fora do País.

Com isso em mente, o governo apresentou um conjunto de propostas fiscais ao Congresso Nacional. Infelizmente, a disfunção política do País reduz as perspectivas de aprovação integral das medidas.

A história nos mostra que quando um país demora a implementar um circuit breaker interno, esse papel potencial acaba passando – pelo menos parcialmente – a atores externos, como organizações multilaterais encabeçadas pelo FMI. E quanto mais demorar para que essa mescla de medidas externas e internas seja aplicada, mais difícil será a aceitação de reformas necessárias, tanto para os líderes políticos quanto para a população do País.

Sem uma implementação rápida dos circuit breakers, a estabilização das condições financeiras do Brasil dependeria de um reengajamento em grande escala do capital estrangeiro e do retorno dos capitais que fugiram. É improvável que isso aconteça antes que os preços dos ativos brasileiros e o valor da moeda despenquem para patamares ainda mais baixos e que ofereçam a investidores estrangeiros e domésticos retornos atraentes ajustados ao risco. Essa era a situação no quarto trimestre de 2002, quando tais circunstâncias quase empurraram o País para um dispendioso calote, uma recessão de vários anos e um aumento da pobreza.

Para aqueles que acompanham o Brasil de perto e desejam que ele possa estar à altura de seu considerável potencial econômico, este momento evoca tanto esperança quanto ansiedade. A esperança se baseia no conhecimento de que, com uma governança melhor, não seria preciso muito para virar o jogo nesta economia promissora. A ansiedade é que talvez a classe política do País, mais uma vez, não consiga servir adequadamente aos cidadãos, arriscando deixar na miséria os segmentos mais vulneráveis da população.

(Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial nem da Bloomberg LP e de seus proprietários.)

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