Por Mohamed El-Erian.
Não é fácil manter em ordem uma casa em um bairro tumultuado. Este é o maior obstáculo enfrentado pelas economias asiáticas enquanto o mundo avançado lida com uma atípica fluidez econômica, financeira, institucional e política. A julgar pelos dados do PIB da China, divulgados nesta semana, a Ásia está em uma posição relativamente favorável para atravessar as dificuldades. Mas ainda falta muito para que esta batalha seja vencida.
Em épocas mais normais, a Ásia só precisaria fazer duas perguntas importantes sobre a economia dos países avançados: Qual a força da locomotiva desses países no comércio? E até que ponto eles fornecem fluxos de capital relativamente estáveis, uma estrutura de juros coerente e uma volatilidade limitada para o dólar, o euro e o iene, as três principais moedas de reserva do mundo?
Nos últimos 12 meses, uma terceira preocupação — mais estrutural, porque se refere à estabilidade dos regimes comerciais do mundo — surgiu. Considerando a decisão do Reino Unido, em referendo, de sair da União Europeia, o discurso de oposição ao comércio na campanha presidencial dos EUA e as forças contrárias à Parceria Transpacífica, a Ásia não pode mais presumir antigos princípios do comércio e da globalização financeira.
Este fato se baseia em uma nova realidade: muitos anos de crescimento lento e não inclusivo no mundo avançado provocaram condições monetárias extremamente incomuns, como juro nominal negativo, mercados de ações e títulos com preços artificiais e menor potencial de crescimento futuro. A intensificação de movimentos políticos contrários ao establishment que veio com isso também abalou a confiança na capacidade do mundo avançado de levar adiante políticas domésticas necessárias e, menos ainda, de cumprir responsabilidades globais.
Os países avançados estão no centro do atual sistema mundial e, por isso, têm grandes privilégios e responsabilidades.
Como emitem as moedas de reserva do mundo, eles podem trocar pedaços de papel (moeda) por bens e serviços produzidos por outros. Seus títulos dão a principal forma de economia externa aos países emergentes, que em muitos casos terceirizam um importante elemento de intermediação financeira. E os países avançados têm um poder de veto de facto nas duas organizações econômicas multilaterais mais influentes do planeta, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, e a palavra final sobre a escolha de quem conduzirá essas instituições.
Esses privilégios significativos vêm com expectativas de que o mundo avançado realize uma gestão econômica sólida e responsável. Seu papel ilustre implica que suas ações têm efeitos colaterais notáveis. Mas a confiança em que essas expectativas sejam sistematicamente cumpridas foi abalada, porque uma bagunça política impediu reações adequadas de política econômica, colocando inclusive uma carga excessiva sobre os bancos centrais. Além disso, a política também contaminou a gestão econômica ao diminuir a flexibilidade do mundo avançado para lidar com possíveis ciclos de retração e, mais ainda, para se livrar de um período prolongado de crescimento baixo e insuficientemente inclusivo.
Isso aumenta a vulnerabilidade dos países emergentes a mudanças repentinas no comércio e nos fluxos financeiros. Para a Ásia, isso significa ter de operar com motores internacionais mais fracos para a prosperidade local, e com condições financeiras mundiais que poderiam estar sujeitas a surtos desestabilizadores de volatilidade. Felizmente, muitos países asiáticos desenvolveram uma resistência financeira substancial — incluindo níveis confortáveis de reservas internacionais, a capacidade de evitar grandes discrepâncias entre o dinheiro e o vencimento de dívidas, além de uma tradição de administração profissional da riqueza soberana. Esses países também estão ancorados por uma taxa de crescimento regional da China que é maior que a dos EUA e a da Europa.
Mesmo assim, há problemas à vista. Seria prudente que esses países desenvolvam uma resiliência econômica e financeira ainda maior, aprofundando seus próprios mercados financeiros e dependendo mais dos motores domésticos de crescimento econômico. Além disso, eles precisam enfrentar um ambiente que inclina o relativo potencial regional a favor das economias maiores (como China, Índia e Indonésia). A impressionante agilidade em termos históricos das economias abertas menores (como Cingapura) será ainda mais testada porque os princípios básicos de um modelo de crescimento que funcionou bem durante décadas agora estão sujeitos a uma incerteza maior, já que a Europa e os EUA estão indicando muito menos entusiasmo com a globalização.
A Ásia está em uma posição relativa melhor que outras regiões para atravessar a economia mundial inusitadamente incerta dos dias de hoje e se sair melhor. Considerando-se o padrão absoluto de oferecer uma prosperidade crescente aos cidadãos, esses países agora precisam se concentrar muito mais em desenvolver motores locais mais fortes de crescimento econômico e uma intermediação financeira interna mais eficiente.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.
Entre em contato conosco e assine nosso serviço Bloomberg Professional.