Bitcoin não é mais tão anônimo

Por Elaine Ou.

O anonimato proporcionado pelo Bitcoin conquistou uma grande variedade de adeptos pelo mundo, passando por anarquistas e traficantes de drogas. Agora, a impressão é que a moeda digital não é anônima o bastante.

Chama atenção a súbita popularidade de duas novas criptomoedas que oferecem transações confidenciais: Zcash e Monero. Quando o Zcash estreou na semana passada, a demanda foi tão grande que seus fundadores viraram temporariamente bilionários no papel. O Monero ganhou fama após um mercado popular da dark web — o segmento obscuro da internet, no qual se vende desde armas até ferramentas para hackers — ter colocado a moeda digital como opção de pagamento. A seguir, o gráfico da coinmarketcap.com mostra o valor monetário de uma unidade de Zcash:

Os novatos farejam oportunidade em um dos defeitos do Bitcoin: empresas de análises — bancadas por fundos de pesquisa oficiais — ficaram craques em expor a identidade de seus usuários que, teoricamente, deveria ser escondida por códigos que transformam tudo em sequências de números e letras. Isso é possível porque todas as transações são contabilizadas em um registro público permanente. Assim, qualquer um pode ver todo o histórico de cada Bitcoin e toda a atividade de qualquer conta. Um único pagamento a um varejista online pode ser suficiente para revelar a identidade de um usuário, o que, por sua vez, revela tudo o que aquela pessoa fez com aquela conta.

Ou seja, a mesma transparência que garante a validade das transações com Bitcoins também permite que se descubra se as Bitcoins de um usuário já passaram por mãos criminosas. Tal informação tem vantagens e desvantagens. É útil para ajudar prestadores de serviços a tomar decisões sobre aceitar ou não determinados clientes, mas isso vem com a responsabilidade de filtrar clientes que atuam dentro da lei. Esta ferramenta mostra o tráfego de pagamentos em Bitcoin entre diversas contrapartes, como o mercado Silk Road, que existe na dark web:

O governo dos EUA terceirizou parte dos esforços de combate ao crime ao exigir que instituições financeiras — incluindo bolsas de moedas digitais — apliquem regulamentos contra lavagem de dinheiro. Pode ser difícil cortar o tráfico de drogas e a sonegação de impostos pela raiz, mas os criminosos geralmente precisam movimentar dinheiro, então bancos e bolsas estão em posição privilegiada para identificar e relatar atividades ilícitas.

À primeira vista, criptomoedas que oferecem privacidade parecem ter sido elaboradas exatamente para escapar desses controles. O Monero mistura várias transações de modo que uma fonte não pode ser diretamente ligada a um destino. O Zcash cria transações protegidas, nas quais tudo está escondido a não ser uma sequência de dados que comprova que a transação é válida. O Bitcoin também planeja acrescentar alguns desses recursos em breve.

A primeira impressão pode ser ruim, mas os desenvolvedores não estão criando sistemas anônimos de pagamento porque querem ajudar criminosos a burlar a lei. Eles trabalham assim porque é a única maneira de fazer funcionar uma moeda decentralizada. Por exemplo, se os usuários precisarem avaliar a aceitação de cada Bitcoin com base em seu histórico de transações, então uma moeda pode valer mais do que outra e perde sua razão de existir.

O dólar é bem sucedido porque sempre vale um dólar, lastreado no crédito e na confiança no governo dos EUA — não importa se a nota acabou de ser impressa ou está velha e rasgada e tenha passado pelo bolso de Al Capone. Uma moeda digital controlada pelo público não tem este status legal e dificilmente terá, então precisa encontrar outra maneira de conquistar a mesma fungibilidade.

O anonimato proporciona isso ao impedir que vendedores e prestadores de serviços enxerguem defeitos que os convençam a não honrar uma unidade da moeda. De modo geral, o objetivo da proteção à privacidade é diminuir o espaço para julgamento externo. Idealmente, revela-se tão pouca informação que todos e todas as transações válidas são tratados igualmente.

As moedas decentralizadas surgiram porque as pessoas queriam fazer negócio no mundo digital sem pedir permissão. O quanto isso facilita atividades criminosas depende somente da prevalência das atividades criminosas no mundo real. Talvez este problema deva ser tratado fora do sistema monetário.

1. O Zcash foi criado por uma empresa bancada por venture capital. Cerca de 21 milhões de unidades de Zcash serão extraídas ao longo do tempo. Os investidores iniciais receberão juntos 1,65 por cento da base monetária final do Zcash. Os fundadores, funcionários e assessores receberão juntos 5,72 por cento — fatia que, pela cotação de sexta-feira de mais de US$ 5.000 por unidade, valeria mais de US$ 6 bilhões. Desde então, a cotação caiu para cerca de US$ 500.

2. Os usuários têm chaves de visualização privadas para saberem o valor de suas próprias transações.

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do comitê editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.

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