Por Bloomberg News.
Veja a íntegra da entrevista concedida pelo presidente Jair Bolsonaro, em Davos, ao editor-chefe da Bloomberg, John Micklethwait.
John Micklethwait: Presidente Bolsonaro, obrigado por conversar com a Bloomberg. O Sr. está aqui em Davos para dizer que o Brasil está aberto para negócios. O Sr. falou sobre os seus primeiros cem dias de governo com uma série de planos, sem dar muitos detalhes ainda. O Sr. poderia dar mais detalhes sobre o que vai fazer?
Jair Bolsonaro: O Brasil é a oitava economia do mundo, tem 200 milhões de habitantes, tem uma agricultura e uma pecuária que alimentam 1 bilhão de pessoas no mundo, temos recursos minerais em abundância, uma biodiversidade maravilhosa, o Brasil é realmente um país maravilhoso. O que nós precisamos é fazer o dever de casa para que economistas do mundo todo, para que outros países, realmente acreditem em nós. Nós precisamos em primeiro lugar gerar confiança. Estas foram as primeiras medidas que adotamos ao escolher uma equipe de ministros bastante técnica. Então a bolsa de valores realmente ganhou pontos, o dólar caiu e as propostas, que você quer que sejam particularizadas agora, infelizmente ainda não estão no ponto final, no ponto de serem apresentadas, mas passam pela reforma da Previdência, aumentando a idade para se aposentar, como sendo o ponto mais importante da mesma. É também uma simplificação tributária. E fazer com que o Brasil deixe de ser um dos países mais difíceis e complexos para se fazer negócios. Essa desburocratização, essa desregulamentação passam pelas propostas da equipe econômica, que estão na iminência de serem apresentadas a todos vocês.
JM: O Sr. falou bem precisamente sobre a ideia de fazer uma reforma da Previdência e nós sabemos como isso é difícil. Todos os seus antecessores tentaram reformar a Previdência e não deu certo. O que será diferente com o Sr.?
JB: Nossa dívida interna está na casa de US$ 1 trilhão. Grande parte dos estados e municípios está deficitária. Essa reforma interessa a todos eles. Existe uma consciência no Brasil de que essa reforma é vital para que os entes federados possam realmente continuar operando no Brasil. Então, esse sentimento é que nos dá praticamente a certeza de que a reforma da Previdência será aprovada. Obviamente com pequenos ajustes entre a nossa proposta e aquela que o Parlamento vai aprovar. Mas será uma reforma bastante substancial.
JM: O Sr. vai incluir militares na reforma da Previdência?
JB: Na segunda parte da reforma, sim. Existe uma particularidade: os militares não têm previdência. É um outro nome que se dá no Brasil a isso aí. Os militares têm uma vida profissional muito diferente dos servidores civis. Nós, na verdade, trabalhamos pelo menos 50 por cento a mais por semana que os demais servidores. Os militares têm uma remuneração muito abaixo dos servidores públicos que chamamos de carreira típica de estado. Não estamos lutando por reajuste salarial. Mas queremos ser tratados de maneira diferente, tendo em vista o nosso salário e as nossas obrigações serem completamente diferentes.
JM: Em sua campanha, o Sr. também prometeu vender ativos do estado, privatizar. O Sr. pode nos dar detalhes sobre com quais pretende começar?
JB: O estudo está praticamente concluído. Vamos começar com aqueles que são deficitários. Estatais improdutivas estarão na linha de frente dessa privatização. E tenho que falar também que, na questão estratégica, deveremos ter muito cuidado nas privatização. Mas grande parte das nossas estatais passará à iniciativa privada.
JM: Os aeroportos serão um desses exemplos? O Sr. pensa em vender aeroportos?
JB: Sim. Aeroportos e portos também. As rodovias continuam nessa situação bastante acelerada para as privatizações. Então a malha rodoviária já está praticamente concluída a sua privatização no Brasil.
JM: É interessante que, quando se olha de fora para o Brasil, vimos um estado gigante. E entendo sua necessidade de impor limites. Sabemos que o país tem um déficit no orçamento de 70 por cento, mas também muitos trabalhadores que dependem do estado para tudo. O Sr. não se preocupa com protestos, com pessoas saindo à ruas para se opor a suas reformas?
JB: Um dos objetivos da redução do estado é combater a corrupção. Tem muita gente que se acostumou, ao longo de décadas, a ser cliente do estado. Até mesmo os programas sociais não visaram combater a miséria. A preocupação era ter em mãos um número muito grande de eleitores. Sabemos que teremos dificuldade nessa área. Mas temos que enfrentar isso agora, não temos outra alternativa. O Brasil tem que dar certo conosco. Senão a esquerda volta ao poder e aí não sabemos ao certo qual será o destino do Brasil. Talvez se transformar no regime que se encontra na Venezuela. E parte da população, não aceitando isso, resolveu votar num candidato que tinha a verdade acima de tudo e que queria se afastar dessa ideologia de esquerda que se agravava no Brasil.
JM: Vocês têm o Mercosul como bloco comercial. A maioria das pessoas diria que esse é um dos acordos comerciais mais inúteis. O que pode ser feito para melhorá-lo? Vocês já conversaram por dez anos com a União Europeia, e nada aconteceu. A sua estratégia é expandir o Mercosul ou recomeçar?
JB: O Mercosul começou muito bem. Depois, quando o PT chegou ao governo, o comércio passou a vigorar levando-se em conta a questão ideológica. E isso atrasou muito o Brasil. Nós iniciamos uma conversa agora com a Argentina, que vai gerir o Mercosul neste primeiro semestre, e superficialmente com o Paraguai e o Uruguai. Queremos modernizar o Mercosul. Queremos nos libertar das amarras do Mercosul. Não pode um país do tamanho do Brasil depender, ficar amarrado no Mercosul para fazer comércio com todo o mundo. Nós queremos em parte, nessa modernização, termos a liberdade para praticar o bilateralismo. No tocante à União Europeia: quem segura a concretização desse acordo são as imposições sugeridas pela França, que prejudicariam muito as nossas commodities. Então creio que o impasse está criado e não será solucionado tão brevemente, tendo em vista a França não resolver ceder um pouco aos nossos interesses. Mas acredito que, em se podendo partir para o bilateralismo, nós modernizaremos também o Mercosul e o Brasil poderá deslanchar no comércio com o mundo.
JM: E quanto aos EUA? O Sr. fala sobre ter relações mais próximas com os EUA. O Sr. tem como meta um acordo comercial com os EUA? O Sr. também consideraria ter uma base militar americana no Brasil?
JB: Era tradição no Brasil elegermos presidentes inimigos dos Estados Unidos. Por várias vezes tive encontros com autoridades norte-americanas, dizendo pra eles que agora somos amigos dos EUA. Nós queremos comércio com o mundo todo. A questão da base, eu não sei de onde saiu isso. Obviamente, na minha reunião com ministros, eu discuto todas as possibilidades, não apenas no Brasil. Discutimos a questão da Venezuela, com a Rússia lá dentro, a China também se aproxima de alguns países. Os EUA têm bases aqui na América do Sul e a discussão sobre isso ficou internamente e nada de concreto avançou. Não pretendemos por hora tocar nesse assunto, sobre possíveis bases dos EUA no Brasil.
JM: Eu conversei com vários empresários aqui. E é interessante que há um grande entusiasmo com seu governo, porque é pró-negócios. Mas o Sr. também causa dificuldades para empresários aqui. Por vários motivos: em relação ao meio ambiente, em relação ao que o Sr. disse, muito também por causa da continuidade da corrupção. Quanto ao meio ambiente, a maioria dos empresários aqui não quer ser associada ao desmatamento. O Sr. falou sobre tirar o Brasil do Acordo de Paris. O Sr. vai seguir com esse plano?
JB: Primeiro, há uma ideia distorcida sobre a questão ambiental no Brasil. O Brasil é o país que mais preserva suas florestas e que mais preserva o meio ambiente. A nossa agricultura, por lei e de acordo com a região do Brasil, o proprietário rural é obrigado a preservar de 20 a 80 por cento de sua propriedade, sem qualquer ônus para o governo federal. Em grande parte, isso vem sendo respeitado. Pretendemos manter isso aí. Qualquer mudança seria na lei. A questão do Acordo de Paris: há muito tempo o Brasil vem honrando a sua parte, quando se fala em crédito de carbono. Agora, a parte financeira, para que cheguem ao Brasil os recursos arrecadados para esse fim, está longe de uma realidade. Então, eu diria que, por hora, nós continuaremos no Acordo de Paris. Agora, o Brasil é um país em desenvolvimento, que nos cabem deveres, sim, mas também queremos direitos por parte do Acordo de Paris, que não vêm sendo cumpridos para conosco.
JM: O Sr. pretende ficar no Acordo de Paris, mas quer ter a opção de sair se não forem tratados bem?
JB: Qualquer país reserve-se esse direito. O Brasil não é diferente. Nós viemos aqui para, entre outras questões, conversar de igual para igual e mostrar a verdade sobre o que acontece no Brasil. Alguns reclamaram que meu pronunciamento foi curto, por ocasião da abertura dos trabalhos, sete minutos apenas, quando teria 30. Mas é melhor falar sete, ser objetivo e conciso, do que falar 30 e ficar no vazio. Então os jornalistas sérios entenderam meu pronunciamento e apoiaram essa maneira de nós agirmos. Nós queremos um acordo realmente, um tratamento também respeitoso por parte de todos. Esse é o novo Brasil, que está aí se mostrando ao mundo, tendo como primeiro objetivo, como eu disse há pouco, resgatar a nossa credibilidade.
JM: O Sr. fala sobre respeito. Em conversas com empresários, outra preocupação em relação a seu governo tem a ver com o Sr. e algumas das coisas que o Sr disse. O Sr. disse que não conseguiria amar um filho gay, que não contrataria mulheres porque elas engravidam, sobre mulheres serem muito feias para serem estupradas… o Sr. conhece a lista tão bem quanto eu. Então, empresários mencionam isso como razão de preocupação. Em primeiro lugar, o Sr. se arrepende de ter dito essas coisas? E em Segundo lugar: o Sr. vai ser um presidente diferente? Vai se comportar diferente como presidente do que como candidato?
JB: Eu sou cristão, acredito em Deus, no que depender de mim, nenhuma iniciativa favorável ao aborto será apresentada no parlamento. Se o parlamento resolver por maioria aprovar um projeto deles, eu veto e, se o parlamento derrubar o veto, nós vamos respeitar a lei na questão do aborto. Na questão de gays: em 2010 nós tomamos conhecimento de uma agenda que visava levar para as escolas, para crianças a partir de seis anos de idade, através de filmes, livros e cartazes, cenas de crianças se erotizando com outras crianças. Então nós trabalhamos duramente contra o que se chama no Brasil de ideologia de gênero, para fazer com que na escola então a criança não tivesse, repito, criança com seis anos de idade, não tivesse esse tipo de informação. Nada tenho contra gays, tenho muitos amigos gays, sem problema nenhum. E os próprios gays do Brasil, ao tomarem conhecimento do que estava acontecendo, ficaram do nosso lado. Então a criança tem que ser respeitada e não erotizada.
JM: Sr. Presidente, o Sr. vai falar de modo diferente?
JB: Não, não tem diferença. Obviamente nós medimos um pouco mais as palavras. Eu tenho uma equipe de ministros onde algum deles me aconselham muitas vezes. E obviamente nós sabemos que a minha opinião, como presidente, tem uma repercussão enorme no Brasil e fora do Brasil. Então nós queremos o bem da nossa pátria e eu entendo que nem sempre eu posso estar certo. Por isso me aconselho com essas pessoas que estão ao meu lado para poder bem me manifestar e não criar problemas para o nosso Brasil.
JM: Sobre a questão da corrupção: o Sr. foi visto bastante como o presidente anti-corrupção. E já surgiram questões sobre seu filho e contas bancárias. O que o Sr. pode dizer a pessoas aqui em Davos para mostrar que o Brasil mudou, que é mais transparente agora?
JB: O caso do meu filho só está tendo essa repercussão no Brasil porque é o meu filho. As questões mais importantes a respeito dele, sobre a compra de um milhão de títulos na Caixa Econômica, foi comprovado que não foi ele quem comprou, foi a Caixa que comprou numa transação de apartamento. E outra comprovação, 28 empréstimos de dois mil reais, quinhentos dólares. É que o banco aceita até esse limite. E foi comprovado de um recurso que ele pegou da venda de um imóvel também. Repito: em grande parte é por ele ser o meu filho. Agora se por ventura ele vier a errar, se for comprovado, lamento como pai, mas vai pagar aí o preço dessa tua ação que nós não podemos coadunar. Temos uma boa equipe para combater a corrupção no Brasil na pessoa do juiz Sérgio Moro, que esteve à frente da Lava Jato nos últimos quatro anos, onde botou na cadeia muita gente que jamais nos esperávamos chegar a essa situação. Então estamos muito felizes com o trabalho dele, tanto é que o convidamos a vir trabalhar conosco e ele está à frente do Ministério da Justiça.
Entre em contato conosco e assine nosso serviço Bloomberg Professional.