Brasil alivia evasão fiscal para reduzir déficit do orçamento

Por Francisco Marcelino, com a colaboração de Chiara Vasarri, Peter Millard, Blake Schmidt e Carla Simões.

Um advogado da área de direito empresarial, com cerca de 70 anos, está pronto para revelar um segredo que o incomoda há décadas: ele tem US$ 200.000 em uma conta não declarada no exterior.

E ele não é o único. Brasileiros bem de vida esconderam do fisco até US$ 400 bilhões no exterior –-e nem sempre por motivos espúrios. Não é raro que um brasileiro de certa idade e categoria profissional, e que normalmente respeita as leis, tenha recursos escondidos no exterior por causa das crises econômicas pelas quais o país passou. Da década de 70 para cá, os contribuintes tiveram seis moedas, enfrentaram a hiperinflação a partir dos anos 80 e sofreram o confisco da poupança durante o governo de Fernando Collor de Mello.

Agora, para tentar encher os cofres públicos em meio ao déficit fiscal recorde, o governo está propondo para aqueles que evadiram impostos uma oferta que é pegar ou largar: declare, pague um imposto e uma multa, e não se fala mais nisso. Com a crise política que levou a Câmara a aprovar a abertura de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a repressão à corrupção e os acordos de trocas automáticas de informações financeiras entre os países, muitos brasileiros chegaram à conclusão de que a lei de anistia fiscal –também conhecida como de repatriação– não é tão ruim.

“A capacidade de reconhecer que as instituições são sólidas hoje em dia acaba trazendo esse sentimento de que as pessoas podem ser responsabilizadas, podem ser presas”, disse Alessandro Fonseca, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. & Quiroga Advogados. “Existe esse sentimento de que eu tenho algo aqui sério, que eu deveria dar atenção.”

A janela de seis meses para a anistia foi aberta no dia 4 de abril. Cerca de dez advogados e executivos de private banking disseram em entrevistas que a demanda tem sido tão forte que está fomentando um crescente mercado entre bancos e escritórios de advocacia. Como resultado, eles acham que o programa poderia trazer um alívio muito maior que o esperado pelo governo.

“As pessoas por um motivo ou outro têm esses recursos lá fora. Isso é um fato – e esse fato é um crime”, disse Ana Cecília Manente, que ajudou a revisar a lei como sócia do Levy & Salomão, em São Paulo. “Com base no número de pessoas que eu escutei, por cabeça, mais de 90 por cento de adesão”.

O Ministério da Fazenda espera que a legislação, aprovada como lei em janeiro com pouco alarde, arrecade cerca de US$ 10 bilhões para os cofres do governo – uma pequena parcela do gigantesco déficit nominal público de US$ 175 bilhões. Mesmo que os brasileiros declarem apenas metade do dinheiro ilegal que se estima que esteja no exterior, isso geraria uma riqueza suficiente para cobrir quase um quarto do décifit, cerca de US$ 45 bilhões, de acordo com os cálculos da Bloomberg.

Troca de dados

O fantasma dos sistemas financeiros cada vez mais vinculados entre si aumenta a pressão para o reconhecimento de irregularidades. No ano passado, o Brasil aderiu às iniciativas lideradas por governos ocidentais para iluminar centros financeiros internacionais que podem ser usados para fugir de impostos e ocultar fundos ilícitos. Em outubro passado, o Brasil começou a fazer trocas automáticas de informações financeiras com os EUA. E no fim de 2018, o país deve fazer a mesma coisa com membros e outros países não-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos.

A Global Financial Integrity, um grupo com sede em Washington que estuda os fluxos financeiros internacionais, estima que os brasileiros acumularam ilicitamente pouco mais de US$ 400 bilhões em contas no exterior entre 1960 e 2012. Em outro relatório, o grupo classificou o Brasil em sexto lugar no ranking de fluxo ilícito de recursos entre os mercados emergentes.

Os promotores federais que investigam o esquema de corrupção na Petrobras e nas principais construtoras dizem que pelo menos R$ 21,8 bilhões (US$ 6,3 bilhões) foram desviados ilegalmente de projetos públicos e que grande parte desse dinheiro foi enviado para o exterior.

Para poder participar da anistia, os contribuintes têm até outubro para comprovar a origem lícita dos recursos no exterior, e que esses não têm relação com corrupção, tráfico de drogas ou outra atividade ilegal. Políticos e servidores públicos não podem participar –-um detalhe especialmente relevante em um país repleto de acusações de que os principais parlamentares estão envolvidos no escândalo da Petrobras.

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