Por Mac Margolis.
Houve louvores à bandeira, ao país, a uma rodovia interestadual e “ao aniversário da minha neta”. Um deputado exaltado leu a Bíblia e outro elogiou um antigo torturador militar. Meu favorito foi um representante do Pará que disparou um lança-confete em pleno Congresso, em Brasília, antes de votar favoravelmente pelo impeachment.
A julgar pelo teatro político na capital do país, no domingo, e pelas enormes festas nas ruas que vieram a seguir em todo o país, o Brasil pode ter renascido quando esmagadores 71 por cento da Câmara votaram a favor do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O que vem a seguir promete ser muito mais confuso. De fato, a euforia pela queda em desgraça de Dilma me lembrou 2003, o ano em que o antecessor dela começava no cargo. Era janeiro e milhares de simpatizantes extasiados chegavam a Brasília, dezenas deles mergulhando nos espelhos d’água da Esplanada dos Ministérios, para saudar a posse da lenda do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva.
Treze anos depois, Lula está agora na defensiva, lutando contra suspeitas de que se beneficiou com o enorme esquema de corrupção e subornos na Petrobras, maior escândalo de corrupção da história do Brasil, que começou sob seu mandato. E Dilma, sucessora e pupila política de Lula, é acusada de esconder enormes déficits no orçamento com manobras contábeis ilegais. Pela segunda vez em pouco mais de uma geração, e apenas 31 anos após o Brasil voltar à democracia, um presidente eleito livremente está prestes a ser afastado do cargo.
Então, espere advertências e agitações quando a pressão para derrubar Dilma passar para o Senado, que poderia decidir removê-la, para aguardar julgamento, em meados de maio. Mas o fim do governo Dilma não tem por que ser outro desastre brasileiro. Poderia muito bem significar uma renovação. Existe um lado positivo na maior crise do Brasil em décadas: “É como quando o computador paralisa”, disse Alberto Ramos, analista para a América Latina do Goldman Sachs. “Às vezes é melhor reinicializar”.
Em primeiro lugar, as instituições democráticas do Brasil estão em boa forma. Apesar de toda a argumentação fervorosa dos defensores de Dilma de que está ocorrendo um golpe de Estado, algo que a presidente reiterou em uma entrevista coletiva na segunda-feira, não existe nenhuma base para sugerir que o voto parlamentar de não confiança foi obra de uma conspiração antidemocrática. A não ser que entre os conspiradores estejam o Tribunal de Contas da União, que sinalizou a manobra fiscal pela qual Dilma agora está respondendo no Congresso; o Supremo Tribunal Federal, que confirmou o processo de impeachment contra diversas apelações dos advogados do governo; e agora 71 por cento da Câmara dos Deputados, na qual, até recentemente, a base aliada de Dilma ostentava uma maioria funcional.
Se Dilma for removida, seu vice-presidente, Michel Temer, assumirá o cargo com um tremendo apoio. É verdade que nem todos os que votaram pelo impeachment no Congresso se inclinam a alinhar-se a Temer, a quem testemunhas-chave acusaram de se beneficiar de compras ilegais de etanol. E ele ainda pode entrar em conflito com o Tribunal Superior Eleitoral, que está analisando acusações de que a campanha dele e de Dilma em 2014 foi financiada com dinheiro sujo do escândalo da Petrobras, algo que, se provado, poderia removê-lo do cargo também.
Por enquanto, contudo, Temer é a melhor chance de um novo começo nesse país politicamente paralisado. Membro desde sempre do PMDB, um partido maleável que de maneira oportunista fez parte de todos os governos desde a volta do país à democracia, em 1985, o político de 75 anos é um negociador experiente. Ele passou décadas manuseando votos legislativos e conciliando as exigências e os apetites da base por clientelismo e por nomeações de funcionários.
“O sistema político do Brasil se resume à construção de consenso”, me disse Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. “Dilma queria impor uma visão, apesar de seu partido nunca ter tido a maioria. O PMDB vive das negociações e negociação é o que o Brasil precisa no momento”.
Temer é manipulador o bastante para reconhecer o que não sabe e maquiavélico o suficiente para abordar alguns dos adversários mais ferozes de Dilma e montar um governo paralelo enquanto o dela afundava.
Esse ecumenismo também baseou o novo programa partidário do PMDB, “Uma Ponte para o Futuro”, anunciado no ano passado quando o destino de Dilma começava a mudar. Elaborado por importantes economistas, o documento defende a imposição de disciplina fiscal sobre o governo por meio da limitação do gasto excessivo e da redução de programas sociais inchados. Defende também o corte do déficit previdenciário por meio da elevação da idade de aposentadoria e a flexibilização das leis trabalhistas para permitir que trabalhadores e empregadores negociem salários e horas.
A maleabilidade, sozinha, não vai consertar a sociedade totalmente polarizada do Brasil, não tirará a economia da recessão e nem reconquistará a classificação de grau de investimento do país. Esta seria uma tarefa difícil para o mais qualificado dos chefes de Estado e ninguém jamais disse que Temer possuía essa qualidade.
E por mais bem-vindo que possa ser um novo espírito de diálogo na sitiada Brasília, Temer ainda terá que lidar com o mesmo Congresso, em que mais de um em cada 10 dos 367 deputados que votaram pelo impeachment no domingo também enfrenta acusações criminais. Isso é algo que a conciliação e os confetes não podem consertar.
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