Brasileiros não conseguem usar patinetes elétricos para trabalhar

Sistema pode ajudar a desafogar o trânsito — se a burocracia permitir.

A América Latina é o pesadelo de qualquer motorista, com sete das 25 piores cidades do mundo para se dirigir, entre as quais se incluem São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Felizmente, as inovações tecnológicas se espalham mais rápido pela região do que as obras públicas. Os brasileiros estão entre os maiores usuários de smartphones e do WhatsApp. O presidente Jair Bolsonaro não sai do Facebook. E o Brasil é o segundo maior mercado do Uber no mundo. Por isso, companhias de patinetes elétricos como Bird, Grow (empresa resultante da fusão entre Grin e Yellow) e agora a Lime disputam espaço.

Ambientalistas e entusiastas da vida urbana comemoraram a chegada dos patinetes. O que poderia ser melhor do que um pequeno veículo silencioso e não poluente para aliviar o trânsito e a crescente pegada de carbono da América Latina? A YPF Ventures, fundo de venture capital da petrolífera argentina de mesmo nome, investiu recentemente na Bird, tornando a YPF a primeira grande empresa de petróleo e gás a apostar em micromobilidade. Já no Brasil, por causa de autoridades e acadêmicos com a mente no passado, de agências reguladoras capturadas por lobistas e da incontinência política, novidades inteligentes para o planejamento urbano acabam se tornando brinquedos caros para quem já vive confortavelmente.

É lamentável. No Rio de Janeiro e em São Paulo, as pessoas gastam 75% mais tempo do que o necessário para ir e voltar do trabalho, segundo Marta Gonzalez, do Departamento de Engenharia Ambiental do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). No estudo que ela fez com cinco cidades grandes, o Rio mostrou os trajetos mais demorados na comparação com Boston, São Francisco, Lisboa e Porto.

Quem depende de transporte público sofre mais. Os sistemas de metrô na América Latina são relativamente rápidos e eficientes, mas transportam apenas 10% dos 200 milhões de usuários de transporte público na região — o resto depende de ônibus e o problema se agrava a cada ano que passa.

A frota de ônibus na Grande São Paulo aumentou quase 28% na década iniciada em 2006. São 12 milhões de viagens diárias. Embora o número de ônibus seja bem menor do que o total de veículos privados que circulam pela cidade (7 milhões), os ônibus movidos a diesel são responsáveis por quase metade das emissões de óxido de nitrogênio da região metropolitana.

Pesquisas concluíram que, ao substituir a antiquada frota de diesel por ônibus elétricos ou veículos com combustível mais eficiente, as autoridades municipais conseguiriam reduzir bastante a poluição gerada pela fumaça preta que sai dos escapamentos. No entanto, em 2018, somente 2% dos ônibus em São Paulo eram movidos a eletricidade.

A população não ignora a situação. Em 2012, o Congresso aprovou a Política Nacional de Mobilidade Urbana, exigindo que os governos locais elaborassem estratégias para o trânsito. Mas em 2018, somente 10% das grandes cidades haviam cumprido essa obrigação. Somente um-quarto dos quase 20 milhões de habitantes da Grande São Paulo tem serviço rápido e efetivo de transporte público.

É uma falha de visão dos governantes. No Rio, onde as empresas de ônibus operam com poucas restrições regulatórias, pesquisadores descobriram que 80% dos ônibus percorrem rotas redundantes. Outro motivo é a ausência de investimentos. Um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos concluiu que os investimentos no transporte em massa de passageiros na última década foram consumidos pela expansão de duas linhas de metrô e pela criação de linhas expressas de ônibus. “É mais organizar o trânsito do que construir infraestrutura nova”, disse Pablo Cerdeira, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas.

Analistas argumentam que um setor privado competitivo poderia ajudar a transformar o transporte público. O Brasil merece. Vale lembrar da Operação Ponto Final, um desdobramento da Lava Jato que, em 2017, revelou que donos de empresas de ônibus e prestadores de serviços subornavam agentes públicos em troca de isenções fiscais, privilégios e concessões.

Os patinetes não salvarão o Rio e outras cidades congestionadas de bandidos e do mau planejamento, mas podem ajudar. Segundo dados da Grow, que opera patinetes no Rio, o número de equipamentos e usuários se multiplicou por dez só neste ano. Mais do que uma modinha, esses equipamentos baratos podem transportar pessoas na crucial “última perna” — do ponto de ônibus ou estação de metrô até o trabalho ou residência. E o preço do patinete é uma fração do custo da bicicleta elétrica, queridinha dos mais abastados defensores do meio ambiente.

O Rio trabalhava com a ideia de micromobilidade no início da década, quando implantou uma rede de ciclofaixas. No entanto, autoridades municipais e o banco que patrocinou o sistema se contentaram com uma solução de lazer e esporte — não com uma solução para o transporte de pessoas do trabalho para casa e vice-versa. Os ciclistas acabaram se concentrando em praias, praças e parques. Agora, as autoridades aparentemente tentam confinar os patinetes às mesmas rotas, deixando na mão quem poderia usá-los para trabalhar.

As cidades brasileiras poderiam progredir com a flexibilização dos regulamentos para patinetes e outras tecnologias de otimização de tráfego. Por exemplo, o uso do Waze para distribuir melhor os ônibus poderia diminuir o trânsito em cidades como Rio e São Paulo em 15% a 30%, de acordo com a equipe de Gonzalez. Conseguir que o lobby das empresas de ônibus apoie uma ferramenta que diminui a demanda por seus serviços é outro problema.

“Nossas leis regulatórias e elaboração de políticas públicas são conservadoras e viesadas em favor de carros e ônibus”, disse Cerdeira. “Precisamos de inovação e disrupção, mas temos uma tradição burocrática que ajuda quem já atua no segmento, não quem acaba de chegar.”

A última palavra pode ser dos passageiros tão mal atendidos. Embora sobrem motivos para descontentamento, é difícil esquecer que o reajuste dos preços das passagens de ônibus foi o estopim das manifestações de 2013 e incentivou uma revolta que acabou derrubando a presidente Dilma Rousseff. O caminho de lá para cá não foi nada tranquilo.

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