Por Sally Bakewell e Alastair Marsh, com a colaboração de Mark McCord.
Se o Reino Unido decidir abandonar a União Europeia, uma parte do mercado de crédito poderia acompanhá-lo e os bancos europeus poderiam precisar substituir títulos com um valor total de até 108 bilhões de euros (US$ 123 bilhões).
Os credores da UE que compraram títulos lastreados em hipotecas britânicas, empréstimos bancários e dívidas de cartões de crédito podem acabar presos aos efeitos colaterais de uma “Brexit” porque a dívida poderia deixar de contar como reserva de emergência em dinheiro. Um acordo com o bloco levaria anos para ser fechado, mas advogados e analistas começam a sinalizar o temor em relação à posse de títulos lastreados em ativos, mercado que já vem sendo castigado desde a crise financeira.
“Os bancos poderiam enfrentar problemas de liquidez se esses ativos deixassem de contar”, disse Vincent Keaveny, sócio do escritório de advocacia DLA Piper, especializado em crédito estruturado. “Existem grandes riscos, mas não há solução fácil”.
Segundo os Acordos da Basileia, uma série de acordos estabelecidos por reguladores internacionais, os bancos precisam cumprir padrões mínimos pensados para torná-los mais resilientes a choques depois que a crise financeira destacou suas fragilidades. Um dos padrões, conhecido como Índice de Cobertura de Liquidez, exige que os bancos mantenham um volume adequado de ativos líquidos que possam ser rapidamente convertidos em dinheiro para atender necessidades de liquidez por 30 dias.
Alarme
Certas notas securitizadas estão incluídas, mas seus ativos subjacentes devem ter como origem um estado-membro, segundo a Diretiva Delegada da Comissão Europeia para o padrão. Isso significa que alguns títulos cobertos por garantias provenientes de um Reino Unido recém separado do mercado comum podem ser excluídos.
“O ‘Brexit’ poderia fazer com que certos títulos respaldados por ativos do Reino Unido deixem de se qualificar como ativos aptos para os fins atuais do índice de cobertura de liquidez”, escreveram Angela Clist e Nicole Rhodes, advogadas especializadas em securitização da Allen & Overy LLP em Londres, em nota a clientes, em fevereiro.
Um bom indicador do volume de títulos respaldados por ativos do Reino Unido que atendem as exigências de liquidez são as porções seniores de títulos garantidos por hipotecas de primeira linha, empréstimos automotivos ou dívidas de cartão de crédito, segundo Manuel Trojovsky, analista do UniCredit Bank em Munique. O total atualmente pendente é de 108 bilhões de euros, disse ele.
O referendo de 23 de junho representa o último desafio ao mercado europeu, de 368 bilhões de euros, que vem experimentando uma queda desde 2007, quando os mercados de crédito congelaram e os títulos foram culpados por provocarem uma bolha imobiliária e ocultarem o risco. Nos últimos dois anos, o mercado teve uma contração de 26 por cento, segundo dados compilados pelo JPMorgan Chase.
“Para os registros de investimentos dos bancos europeus, existe o risco de que os bonds possam repentinamente sair do índice de cobertura de liquidez”, disse Gordon Kerr, chefe de pesquisa sobre finanças estruturadas em Londres da agência de classificação de crédito DBRS. “Se o Reino Unido sair da UE, os detentores de títulos bancários podem tentar vendê-los”.
As repercussões de uma decisão britânica de deixar a União Europeia preocupou tanto alguns emissores que eles citaram a possibilidade como um fator de risco em seus documentos de vendas de bonds, mas alguns advogados pedem cautela diante do alarmismo.
“Mesmo que se decida pela saída, o Reino Unido continuará fazendo parte da UE por algum tempo porque o processo de retirada não vai acontecer de um dia para o outro”, disse George Gooderham, advogado especializado em mercados de capitais do escritório Linklaters. “Se você é um banco europeu que possui alguns títulos de securitização britânicos com os quais está contando para seu índice de cobertura de liquidez, este não é o caso de vendê-los no dia posterior ao referendo”.
A Comissão Europeia não está elaborando planos de contingência, nem especulando sobre cenários possíveis em torno do referendo do Reino Unido, disse um porta-voz da comissão, por e-mail.
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