Cinquenta anos de guerra civil na perspectiva dos colombianos

Por Matthew Bristow.

Os colombianos decidirão em votação no domingo se vão aceitar um acordo de paz que estipula que os guerrilheiros marxistas entregarão suas armas às Nações Unidas em troca de cadeiras no Congresso, reforma agrária e redução das penas pelos crimes. As pesquisas indicam que eles aprovarão o acordo.

Praticamente todos os colombianos foram afetados de algum modo pelo conflito com os guerrilheiros, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Estas são quatro histórias deles.

A esposa

Fabiola Perdomo estava falando pelo telefone com o marido quando ele foi sequestrado.

“Eu estava falando com ele e ele disse: ‘Querida, você vai ter que me ligar de novo, porque o Exército acabou de entrar”, relembra. “Vão fazer uma evacuação. Há uma ameaça de bomba.”

Não era o Exército. Eram guerrilheiros das FARC disfarçados de soldados. Ela nunca mais viu o marido.

Neste mês, Fabiola foi a Cuba, sede das negociações de paz entre as FARC e o governo, para escutar as lideranças das FARC pedirem desculpas a ela e às outras vítimas. Ela diz que votará pelo “sim” no domingo. Sua filha de 17 anos, que viu o pai pela última vez quando tinha três, também apoia o acordo.

“Vamos votar ‘sim’ porque já vivemos o ‘não’ e sabemos como é”, disse Perdomo. “O ‘não’ é dor, tristeza, perda, guerra, morte. Para a gente, o ‘sim’ é esperança.”

A refém

Nohora Tovar, que trabalhava para uma pequena organização sem fins lucrativos, estava dirigindo entre Bogotá e sua casa em Villavicencio, a maior cidade nas planícies de criação de gado ao leste dos Andes, quando um SUV bloqueou o caminho. Quatro homens armados saíram e exigiram que ela entregasse o carro. Depois, após obrigar Tovar e seus colegas a andar pelas montanhas, os homens se identificaram como membros das FARC.

Tovar foi vítima da chamada “pesca milagrosa”: guerrilheiros detinham pessoas e tentavam adivinhar quem elas eram para tentar obter um resgate. Em 2000, quando Tovar foi sequestrada, a prática tinha se tornado tão generalizada nas estradas colombianas que se os motoristas dirigiam alguns quilômetros sem ver tráfego na direção contrária, muitas vezes eles concluíam que as FARC tinham bloqueado a estrada à frente e davam meia-volta.

As FARC exigiram um resgate de US$ 1,3 milhão, e o marido dela, cujo único capital era um caminhão, dois carros e a casa da família, se reuniu várias vezes com o comandante para negociar. Os guerrilheiros liberaram Tovar depois de quase quatro meses. Ela não quis dizer o quanto o marido pagou.

O soldado

O tenente Camilo Castellanos e seus homens passaram cinco dias no território das FARC, como parte de uma missão para caçar uma unidade que estava causando problemas. Os soldados avançavam apenas à noite pela área, uma região produtora de cocaína no sudoeste do país.

Antes do amanhecer, Castellanos e os cinco soldados que ele comandava tinham o inimigo na mira e planejavam o ataque. Quando se moveu para chegar a um lugar mais vantajoso, Castellanos ativou uma das minas terrestres que as FARC tinham colocado para proteger suas posições.

“Eu não entendia o que estava acontecendo”, ele relembra. “Poucos segundos depois, quando tentei levantar, minhas pernas não reagiram. Quando olhei, faltava uma. A mina tinha arrancado completamente minha perna.”

Quando ele aterrissou de heliporto em um hospital em Cali, a dor começou de verdade. Ele desmaiou e, quando acordou, três dias depois, sua outra perna tinha sido amputada. Agora Castellanos faz natação com ajuda da Corporação Matamoros, uma organização sem fins lucrativos que reabilita militares feridos e treinou vários membros da equipe paralímpica da Colômbia. Por ser membro das Forças Armadas, ele não pode votar e expressar sua perspectiva no referendo, mas ele disse que “tudo começa com o perdão”.

“Há feridas que o tempo não pode curar, mas se quisermos mudar essa história, precisamos começar com o perdão e a reconciliação”, disse ele. “Acredito que todos os colombianos querem a paz, e os soldados da Colômbia são os que mais querem”.

O guerrilheiro

Franco García cresceu no coração da área controlada pelas FARC, em um distrito pobre da província de Caquetá, no sul da Colômbia, em uma família de pequenos agricultores. Os pais, os três irmãos e a irmã eram “totalmente pobres”, disse ele, que nunca foi à escola.

Os guerrilheiros que controlavam a área disseram à população local que ela tinha sido abandonada pelo Estado, fato que sua própria experiência parecia confirmar. Ele entrou para as FARC quando tinha 20 anos, seguindo os passos do irmão mais velho, recrutado quatro anos antes.

“Quando ele entrou nas FARC, não ouvi falar mais dele até o momento em que eu mesmo entrei e o vi nas filas”, disse García — codinome adotado por ele — em entrevista. “Fiquei muito feliz por encontrá-lo e por saber que ele estivava vivo.”

As FARC não permitiam que os irmãos combatessem juntos nem que dormissem nos mesmos campos, e eles se viram pela última vez há dez anos. Hoje García tem 35 anos, portanto ele passou praticamente toda a vida adulta no movimento. Ele pretende continuar nas FARC na transição do grupo a um partido político legal.

“Saímos das florestas, das montanhas, mas não vamos nos desintegrar, vamos estar mais unidos, porque vamos continuar com a luta política”, disse ele.

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