Cofundador do Android tem plano para curar vício em smartphones

Por Mark Gurman e Brad Stone.

Quando saiu recentemente para jantar em um restaurante chique, Andy Rubin viu uma cena bem comum: um casal, aparentemente no primeiro encontro, tirando fotografias da comida e depois o homem e a mulher se concentrando em seus respectivos smartphones durante os 10 minutos seguintes.

Rubin tem parte da culpa pelo comportamento antissocial da dupla: ele contribuiu para a criação do Android, sistema usado por 85 por cento dos smartphones espalhados pelo mundo.

Rubin reconhece os pontos negativos da revolução dos smartphones, que ajudou a desencadear. Ele afirma que sua nova empresa de hardware, chamada Essential, trabalha em meios de solucionar a tendência dos seres humanos de verificar seus aparelhos a cada cinco minutos. “Todos vivíamos felizes antes da internet sempre ligada”, ele disse em entrevista exclusiva na Playground Global, incubadora dele localizada em Palo Alto, na Califórnia.

Esta semana marca a estreia do primeiro aparelho da Essential. O Essential Phone é uma anomalia: um smartphone de espessura fina e alta qualidade que não foi projetado por Apple, Samsung ou uma marca chinesa mais barata. A parte de trás é de cerâmica espelhada, as bordas são de titânio, a tela cobre quase toda a frente do aparelho e existe um conector magnético para um novo universo de acessórios e hardware aprimorados que, segundo ele, farão com que os telefones durem mais tempo.

Rubin reconhece que a Essential confronta concorrentes formidáveis, especialmente Apple e Samsung. Ele aplaude o poder da marca da primeira e a integração vertical da segunda, mas afirma que “todo mercado saturado precisa de ser perturbado. Quando há um duopólio, esta é a hora”.

Ele apresenta o primeiro telefone da Essential como ponto de partida — ele roda o mesmo sistema operacional Android do Pixel, do Google— e não como distanciamento radical. Isso virá depois, segundo ele, e vai envolver o uso de inteligência artificial para mudar como as pessoas interagem com seus aparelhos, em parte passando algumas das tarefas mais tediosas para um algoritmo.

“Se eu puder chegar ao estágio no qual seu telefone é uma versão virtual de você, você poderá aproveitar a vida, jantar sem tocar no seu telefone, pois você confiará que seu telefone fará as coisas por você”, ele explicou. “Acho que posso solucionar parte do comportamento de vício.”

Rubin, 54 anos, trabalha com telefones há quase duas décadas. No início, ele liderou o desenvolvimento de um aparelho chamado Hiptop (que depois ficou conhecido como Sidekick), que tinha uma tela grande, teclado físico e rodava aplicativos. O produto abria caminho para a chegada dos indefectíveis smartphones. Rubin saiu do projeto em 2003 para começar de novo, criando uma startup de software para dispositivos móveis chamada Android, que ele vendeu ao Google em 2005. Depois de fazer do Android o principal sistema operacional do mundo, ele saiu da companhia há três anos para iniciar seu terceiro ato, a Essential.

A Playground Global tem um nome apropriado. O amplo escritório da incubadora tem escorregadores espalhados e a coleção pessoal de jogos de fliperama do fundador. A Essential é apenas uma entre diversas startups da empresa. O primeiro telefone foi projetado e testado ali mesmo.

O aparelho está sendo fabricado na China pela Foxconn (que também produz iPhones). A Foxconn é investidora e parceira, o que significa que tem influência sobre o futuro do Essential Phone. Rubin enxerga o relacionamento com a gigante de terceirização industrial como uma via de mão dupla, com cada uma dando contribuições importantes. Há desvantagens. Rubin cita o telefone Sharp, fabricado pela Foxconn, que tem design parecidíssimo com o da Essential. “Você precisava ter lido aquele email!” enviado para o presidente do conselho da Foxconn, Terry Gou, ele disse.

Uma das características mais marcantes do novo telefone é a presença de dois pinos magnéticos no verso nos quais podem ser encaixados acessórios feitos pela Essential ou por terceiros. A Essential pretende lançar os seis primeiros acessórios, começando com uma câmera de vídeo 4K de 360 graus e uma base de carregamento por indução.

Rubin revelou que dois outros acessórios estão sendo desenvolvidos: um dispositivo que transmite áudio em alta qualidade do telefone para o sistema de som do carro enquanto a bateria do telefone é carregada pela entrada principal e também um dispositivo que, segundo Rubin, é o menor scanner 3D a laser do mundo. Ele não contou o propósito do laser, mas fez alusão a lasers usados em veículos autônomos para medir a distância entre objetos. Durante a entrevista, Rubin estava tão empolgado com esses dois acessórios que correu até sua sala para buscar os protótipos das placas de circuito.

Rubin conta com “uma talentosa equipe de software que fará o software fazer o que eu preciso para concretizar algumas coisas de inteligência artificial”. Ele quer se distanciar da mania dos assistentes digitais, como Siri e Alexa. Segundo Rubin, eles são “ideia de ontem”, mas ele não elaborou sobre a interface com o usuário do futuro. De acordo com ele, avanços em inteligência artificial que lidam com determinadas tarefas para os usuários aparecerão no segundo principal produto da Essential, o aparelho circular residencial Home, e os compradores do novo telefone eventualmente obterão algumas dessas inovações.

Em breve, acredita Rubin, telefones e outros aparelhos conseguirão prever o que o usuário precisa, verificando notificações, ignorando algumas e destacando outras dependendo do horário ou localização da pessoa. “Se alguém envia uma mensagem convidando você para jantar sushi hoje, serão apresentadas seis respostas e você escolhe a melhor. Com o tempo, haverá reforço via resposta correta e (o aparelho) passa a conhecer seus gostos e preferências e, provavelmente na enésima vez, não vai mais te perguntar.”

O comandante da Essential conta que seu carro foi atingido na traseira por um motorista que estava digitando — problema crescente que, segundo ele, pode ser resolvido com inteligência artificial. “A distração é algo solucionável se houver uma versão virtual de você trabalhando enquanto você faz coisas mais importantes”, disse ele.

Hardware é um negócio notoriamente difícil. O Essential Phone está um mês atrasado por causa de problemas de software e do processo demorado que as operadoras de telecomunicação executam antes de certificar cada aparelho para suas redes, justificou Rubin. Ele parece satisfeito com a parceria com a Sprint nos EUA, mas reconhece que nem todas as operadoras são receptivas a telefones de empresas de nicho. Ainda assim, ele não parece preocupado. “Se as operadoras forem cegas à inovação”, ele disse, “vou eu mesmo criar meu próprio canal de distribuição”.

O aparelho de Rubin estreia semanas antes de Apple e Samsung lançarem versões atualizadas de seus carros-chefes. Seus ex-colegas do Google lançaram o telefone Pixel no ano passado. E outros que deixaram grandes empresas para fundar suas próprias fabricantes de hardware deram cabeçadas. Tony Fadell, que já chefiou a área de hardware dedicada a iPhone e iPod, comandou a fabricante de termostatos inteligentes Nest até a fusão de US$ 3 bilhões com o Google e saiu da empresa no ano passado, em meio a disputas internas. Jon Rubinstein, que também trabalhou no iPod, trouxe o inovador Palm Pre ao mercado em 2009. A empresa dele depois foi fechada pela controladora Hewlett Packard menos de três anos depois do lançamento com alarde em Las Vegas. Mesmo a Microsoft e a BlackBerry — duas empresas com recursos notáveis — abandonaram o negócio de telefones nos últimos anos.

Rubin compara a investida da Essential no mercado de eletrônicos de consumo à entrada da Tesla no mercado automotivo, com tantas montadoras estabelecidas. Ele se recorda de propor ideias a fundos de venture capital e ouvir como resposta que aquilo já estava sendo feito por outra pessoa. “E daí?!”, ele relata. “Nós identificamos uma oportunidade de negócio. Acho que há espaço para dois.”

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