Por Tim Ross e Ian Wishart.
Seis meses após o referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, o processo se delineia apenas vagamente.
São muitas as incertezas sobre as ambições da primeira-ministra Theresa May, mas ela insiste que o Artigo 50 – mecanismo que inicia as negociações para a saída – entrará em vigor até o fim de março.
A pouco mais de três meses dessa data, a Bloomberg fez entrevistas e analisou comentários de autoridades dos dois lados para entender as principais opiniões e os obstáculos. Uma cúpula de líderes da UE, que será realizada em Bruxelas na quinta-feira, ajudará a entender os desafios e como as contrapartes de Theresa May responderão a eles.
Processo
Londres e Bruxelas pelo menos concordam que o prazo para as negociações será curto. Assim que a primeira-ministra invocar o Artigo 50, os negociadores terão menos de 18 meses para chegar a um acordo, dando tempo suficiente para ratificação pelo Parlamento Europeu e pelos legisladores britânicos. Haverá eleições em 2019 e negociadores dos dois lados temem que o Parlamento será o maior obstáculo.
Fora isso, há pouco consenso. May precisa de dois acordos principais. Um é sobre a retirada do bloco, que cobrirá fronteiras, orçamentos, aposentadorias para funcionários britânicos da UE e multa de saída de até 60 bilhões de euros (US$ 64 bilhões). A segunda parte diz respeito ao futuro das relações comerciais entre o Reino Unido e o bloco. Os britânicos querem resolver as duas questões simultaneamente – ideia rejeitada por Michel Barnier, o principal negociador da UE, que prefere a abordagem tradicional de discutir um capítulo por vez de um tratado.
Transição
Barnier e ministros britânicos entendem que será necessário algum arranjo de transição para evitar uma saída brusca e que cause choques. Na segunda-feira, o ministro das Finanças, Philip Hammond, fez o primeiro alerta público de que as negociações podem não resultar em acordo dentro do prazo de dois anos, o que exigiria um plano de transição.
O secretário do Brexit, David Davis, reluta em apoiar a ideia, mas outros no departamento que ele comanda confirmaram que o plano está em discussão.
Diplomatas da UE acham que a transição apenas prolongará a participação atual do Reino Unido. O acerto atual dá acesso pleno ao mercado único em troca do livre movimento de pessoas e da aceitação da lei do Tribunal Europeu de Justiça – condições abominadas pelos eurocéticos britânicos.
May precisará apresentar sua proposta para a relação permanente antes que Barnier ofereça um pacote de transição.
Dinheiro
O Reino Unido tem a segunda maior economia do bloco e isso representa uma grande ficha de barganha.
Hammond e Davis estudam pagar a UE para ter acesso ao mercado único. “O principal critério aqui é termos o melhor acesso possível para bens e serviços ao mercado europeu”, explicou Davis neste mês.
Eurocéticos linha dura do partido de May, como o secretário de Relações Exteriores, Boris Johnson, discordam.
O dinheiro também fala alto do outro lado do Canal da Mancha. Quando o Reino Unido – contribuidor líquido à UE – se retirar, vão minguar os fundos disponíveis para os principais recebedores líquidos no Leste Europeu. De acordo com diplomatas, esses países provavelmente defenderão que o Reino Unido continue pagando, potencialmente até o término do atual período orçamentário, em 2020. Autoridades britânicas acham que isso pode convencer países do Leste Europeu a aceitar as exigências do Reino Unido de controle de migração ou acesso ao mercado único.
Bancos
A manutenção dos direitos dos bancos sediados no Reino Unido de oferecer serviços pela UE não é prioridade para o resto do bloco. França, Alemanha e Polônia estão entre os países que tentam atrair operações de serviços financeiros que atualmente se baseiam em Londres.
Em conversas privadas, Davis alertou que não haverá favores especiais para instituições financeiras, mas que enxerga a importância da contribuição do setor em impostos, da ordem de 70 bilhões de libras esterlinas por ano. Subordinados dele estão tentando encontrar maneiras de permitir que bancos e seguradoras continuem operando em toda a UE. No mínimo, os bancos querem a promessa de um acordo de transição.
Migração
Para muita gente na equipe de May, não pode haver qualquer negociação sobre o fim das fronteiras abertas. Contudo, o “livre movimento” também é inegociável para o resto da UE. Diversos líderes alertaram May que, se ela não quiser o livre movimento de pessoas, o Reino Unido não será integrante do mercado único. Hammond, Davis e outros prometeram que não vão impedir que indivíduos “altamente qualificados e altamente pagos” se mudem para o Reino Unido para trabalhar.
Comércio
Diplomatas britânicos e da UE entendem que a postura de May quanto às leis de migração descartam a permanência do Reino Unido dentro do mercado único.
Se isso não bastasse, May declarou que o Reino Unido não pode ficar sujeito ao Tribunal Europeu de Justiça, que é outra exigência para participação no mercado único.
Outra questão menos clara é se o Reino Unido permanecerá na união alfandegária, que define tarifas comuns com países de fora e permite livre movimento de bens pelas fronteiras dentro da UE.
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