Como se preparar para o fim da taxa LIBOR

Artigo escrito por David Mullen e reproduzido a partir de Treasury & Risk. Autorizado pela Bloomberg.

O fim da LIBOR se aproxima e, apesar do bombardeio de e-mails, publicações e reportagens da mídia alertando sobre essa transição, muitas equipes de tesouraria ainda estão muito atrasadas no processo.

Como todo tesoureiro corporativo deve estar ciente a esta altura, o fim da Taxa Interbancária de Londres (LIBOR) não é apenas um problema para bancos e firmas de investimento. Qualquer empresa que tenha emitido dívida de taxa flutuante com base na LIBOR por meio de um contrato de swap ou de futuros para fazer hedging de risco, ou tomado um empréstimo com preço atrelado à LIBOR, será impactada pela transição.

Como acompanhar a transição da LIBOR?
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Explorar o caminho para um novo benchmark de taxa de juros deve ser uma prioridade para os tesoureiros — bem como para CFOs, CEOs e diretorias — pelo resto deste ano. Mas, por onde começar?

Os tesoureiros, muitas vezes, precisam olhar tanto para o passado quanto para o futuro ao analisar o desempenho financeiro de sua empresa. Faria sentido adotar a mesma abordagem para entender os detalhes de como a transição da LIBOR acontecerá.

O longo caminho rumo à transição

Há mais de US$ 200 trilhões em instrumentos financeiros atrelados à LIBOR. O começo do abandono do benchmark coincidiu com o despertar da crise financeira global. Em 2017, a Financial Conduct Authority (FCA) do Reino Unido tomou a decisão oficial de que todas as configurações da LIBOR deixariam de ser fornecidas por seus administradores, e que a LIBOR deixaria de ser uma taxa de benchmark representativa após o final de 2021. A transição avançou e tem se mantido dentro do cronograma original — todas as configurações da taxa, exceto umas poucas denominadas em dólares americanos (USD), devem ser totalmente eliminadas até o final deste ano.

Nos Estados Unidos, a transição da LIBOR está sendo conduzida pelo Alternative Reference Rate Committee (ARRC), um grupo de participantes do mercado convocado pelo Federal Reserve e pelo Fed de Nova York para ajudar a garantir uma transição bem-sucedida da LIBOR em dólar americano (USD) para uma taxa de referência mais robusta. O ARRC recomendou a taxa de financiamento overnight garantida (SOFR) como substituta.

A SOFR é uma taxa baseada em transação que mede os custos de empréstimos overnight em negociações que são garantidas por títulos do Tesouro dos EUA. Como a SOFR é baseada exclusivamente em taxas overnight garantidas, carece de duas características críticas da LIBOR: um componente de prazo futuro (como na LIBOR de um mês, três meses e seis meses) e um spread de crédito dinâmico. Essas diferenças estão impondo desafios à transição.

Em maio de 2020, o ARRC publicou recomendações de melhores práticas para concluir a transição da LIBOR para a SOFR em várias classes de produtos financeiros. Para empréstimos comerciais, o ARRC recomenda que a LIBOR não seja mais utilizada para quaisquer originações ou securitizações (especificamente, para aqueles originados após 30 de junho de 2021).

Embora certos bancos e empresas estejam preparados, muitos ainda estão atrasados. Alguns também estão expressam preocupações em relação à conversão, especialmente quando uma “SOFR a prazo” não se materializa no período originalmente discutido. O desafio é que antes que os bancos e seus clientes corporativos possam usar a SOFR como benchmark para um empréstimo, precisam converter a taxa overnight em um equivalente a prazo.

Bancos e tesoureiros têm atualmente duas alternativas para lidar com esse problema. A primeira é o método “in arrears” para o cálculo da SOFR, que baseia a taxa de juros de cada dia do contrato nos juros compostos dos dias anteriores dentro do período do contrato. O desafio óbvio com essa abordagem é que, em vez de saber sua taxa de juros antes do início do período de acumulação, os mutuários que usam o método “in arrears” não sabem qual será a taxa de juros real até o final do período de juros. A segunda alternativa para calcular a SOFR é o método “in advance”, no qual a taxa é determinada pela composição de uma taxa histórica antes do início do período de juros do contrato.

Com base em informações casuais ouvidas em discussões com os clientes corporativos da Bloomberg, essas opções para calcular o benchmark SOFR são uma parte importante do que tem incomodado os tesoureiros corporativos no que tange à transição da LIBOR. Desde meados de 2020, o ARRC aconselhou que o método “in arrears” deveria ser utilizado para empréstimos bilaterais e sindicados, e que o método “in advance” deveria ser usado para empréstimos entre empresas. No entanto, essa abordagem cria uma inconsistência que os tesoureiros devem equilibrar. Além disso, esta aboradagem dificulta saber antecipadamente os custos dos empréstimos com um alto grau de certeza — algo problemático para tesoureiros acostumados com a clareza que a LIBOR oferece há mais de 40 anos.

Muitos tesoureiros também estão preocupados com a incerteza sobre como a SOFR funcionará mecanicamente em seus sistemas. A pergunta que paira no ar é: quanto tempo levará, e quanto vai custar, a implementação das várias versões da SOFR? Teremos que fazer a reengenharia de nossos sistemas? Quanto (re)treinamento nossas equipes precisarão receber?

3 etapas para tranquilizar os tesoureiros sobre a transição

Com todas essas complicações, dificilmente se pode culpar as equipes de tesouraria corporativa por se sentirem perdidas à medida que o fim do jogo da transição se aproxima. Para simplificar o processo, recomendamos que os tesoureiros sigam estas três etapas:

1. Analisar todas as exposições à LIBOR — e a documentação de apoio.

A primeira etapa para uma transição bem-sucedida da LIBOR é reunir o máximo de informações possível sobre a exposição de sua empresa. Se este processo ainda não foi iniciado, a hora é agora. De títulos a swaps e hipotecas, as exposições podem vir de muitas fontes — esperadas e inesperadas.

Igualmente importante, as equipes de tesouraria precisam analisar a documentação por trás desses instrumentos financeiros. Para títulos, é necessário classificar os contratos. Para swaps, ler com atenção as letras miúdas do contrato. Cada instrumento incorpora a LIBOR de uma forma específica, e alguns são mais fáceis de alterar do que outros. Por exemplo, no caso de um swap de taxa de juros com compensação centralizada, a casa de compensação pode alterar unilateralmente a taxa básica da LIBOR para SOFR, ou para outro sucessor. No entanto, alterar um derivativo de balcão (OTC), ou um empréstimo de taxa flutuante, pode exigir a aprovação da contraparte do empréstimo ou de dezenas de detentores de títulos.

Nesse processo, preste atenção especial à redação de “fallback” — a cláusula no contrato de valores mobiliários subjacente que especifica como as taxas e os pagamentos serão calculados caso a LIBOR deixe de ser publicada. Alguns contratos, especialmente aqueles não redigidos de acordo com as diretrizes definidas por associações como a ISDA (International Swaps and Derivatives Association) ou a LSTA (Loan Syndications and Trading Association), são vagos em relação a esse ponto, ou não trazem quaisquer disposições. É possível encontrar essa cláusula pesquisando os documentos manualmente. Uma alternativa é economizar tempo utilizando um banco de dados centralizado de cláusulas de fallback de segurança.

2. Decidir sobre o custo futuro de financiamento.

Um dos maiores equívocos entre os tesoureiros é acreditar não têm escolha. Embora os reguladores tenham recomendado a SOFR como substituta da LIBOR, também indicaram que os participantes do mercado são livres para usar alternativas, desde que os benchmarks sejam baseados em dados robustos de transações e sigam os padrões internacionais, como os Principles for Financial Benchmarks da IOSCO (International Organization of Securities Commissions).

As empresas de serviços financeiros têm produzido alternativas potenciais à SOFR, que retiram informações dos mesmos produtos que os bancos usam para se financiar — como papeis comerciais, certificados de depósito, depósitos bancários e títulos de curto prazo de bancos corporativos — e mantêm aspectos favoráveis da LIBOR, incluindo a estrutura de prazos e componentes de risco de crédito.

Uma dessas alternativas é o índice Short-Term Bank Yield (BSBY) da Bloomberg, que se destina a medir os rendimentos médios pelos quais os grandes bancos acessam financiamento não garantido em dólar no atacado. O índice BSBY é dinâmico, incorpora um elemento sensível a crédito e reflete o custo marginal de financiamento para bancos em cinco prazos diferentes (overnight, um mês, três meses, seis meses e 12 meses).

Antes de se decidir por uma substituição da LIBOR, os tesoureiros precisam entender as diferenças entre as alternativas e comparar seu custo geral, incluindo os spreads provenientes de cada taxa. O benchmark que uma empresa utiliza deve corresponder ao perfil das exposições à LIBOR da organização, além de ser prático na hora de implementar e fácil de explicar para a equipe de gestão.

3. Comunicar-se intensamente durante o processo.

É provável que os tesoureiros sejam responsabilizados pela transição da LIBOR em suas empresas, mas é importante ter em mente que uma ampla gama de stakeholders, dentro e fora da empresa, será crítica para o sucesso do processo.

Antes de mais nada, é preciso garantir que os stakeholders internos da empresa estejam alinhados. Isso requer uma coordenação próxima não apenas com a equipe de gestão sênior (em toda sua extensão, incluindo o CEO), mas também com os departamentos, por exemplo, de compliance, jurídico, TI, operações e relações com investidores. Além disso, se algum dos produtos da empresa depende da LIBOR — por exemplo, empréstimos hipotecários — as equipes de marketing e relacionamento com consumidor/cliente devem ser adicionadas à lista de stakeholders internos.

Após definir um grupo inclusivo dentro da empresa, a atenção deve ser voltada para os stakeholders externos. Os tesoureiros estão em comunicação direta com as contrapartes financeiras de sua empresa, incluindo bancos, consultores financeiros e bolsas. É importante garantir que todos estejam cientes dos planos e forneçam o suporte necessário durante o processo.

Além disso, os tesoureiros devem se certificar de comunicar adequadamente aos investidores quaisquer riscos associados à transição que a organização enfrentará. E educar os clientes e consumidores sobre quaisquer mudanças que possam afetá-los.

2021 tem sido um ano de transformação para a economia e para os mercados financeiros. No entanto, a transição da LIBOR não pode ser apenas mais um item na longa lista de preocupações dos tesoureiros este ano.

Se não for tratada de forma adequada, a mudança para um novo benchmark pode representar riscos enormes para sua empresa. Por outro lado, se feita da maneira correta, pode ajudar a chegar em 2022 com uma base financeira confiável.

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