Criptomoedas não combinam com bancos centrais

Por Tyler Cowen.

Os bancos centrais deveriam adotar as criptomoedas, ou até mesmo criar versões próprias? Em resumo, não. Os criptoativos são uma inovação incomum, ainda em evolução e muitas vezes mal compreendida. Tentar centralizá-los em uma estrutura burocrática é o pior caminho a seguir.

Apesar disso, o banco central da China afirma que está trabalhando em uma moeda digital baseada em blockchain. Cingapura já fez experimentos nesse sentido. A palavra “Fedcoin” às vezes é sussurrada por aí, mas não vi sinal concreto de que o Federal Reserve, o banco central dos EUA, vá pegar esse bonde. Em sua análise trimestral recente, o Banco de Compensações Internacionais pediu que os bancos centrais verifiquem se as criptomoedas fazem sentido para eles.

Os bancos centrais, contudo, são estruturas burocráticas intrinsecamente conservadoras. Evitam publicidade ruim e não gostam de encabeçar inovações. Não querem seus nomes ligados a possíveis infortúnios — porque dão muito valor à sua credibilidade e a seu capital político. Essa postura é válida porque a independência dos bancos centrais normalmente é frágil.

Nesse contexto, deveríamos atribuir uma nova e possivelmente arriscada responsabilidade a eles? Os bancos centrais sentirão certo nervosismo por terem que gerenciar um projeto de criptomoeda. Para conservar seu capital político, eles assumirão menos riscos em outros lugares, como uma política monetária pouco ortodoxa ou balanços maiores. Contudo, a resposta à crise financeira de 2008 mostra que certa exposição ao risco por parte dos bancos centrais é necessária. Receio que os bancos centrais assumam projetos arriscados desnecessários e se tornem excessivamente cautelosos em outras áreas.

Outro motivo para o ceticismo decorre da natureza dos criptoativos. A palavra “criptomoeda” é muito mais comum que “criptoativo”, mas é um termo enganoso. O bitcoin, por exemplo, só é usado raramente em transações do varejo e, apesar de todo o seu sucesso, não está ganhando importância como meio de troca. O bitcoin, portanto, não é bem uma moeda, no sentido literal do termo. Há uma versão do bitcoin, o Bitcoin Cash, que mudou as regras iniciais para se enquadrar melhor ao conceito de meio de troca, mas não é tão popular quanto o bitcoin.

Se pensarmos nesses ativos como “criptomoedas”, o envolvimento do banco central será visto como natural, porque, claro, os bancos centrais administram moedas. No entanto, essa nova classe de ativos é melhor conceituada como um sistema de livro-razão, desenvolvido para criar um acordo entre alguns estados do mundo sem o julgamento final de uma autoridade central que use um criptoativo para pagar participantes por manterem o fluxo e a precisão da informação. Essas inovações possivelmente estão mais próximas de serem substitutas de corporações e sistemas legais do que de moedas.

Desta forma, um papel ativo (em vez de simplesmente de supervisão) para os bancos centrais em relação aos criptoativos fica longe de ser óbvio. Basta considerar outras inovações financeiras: alguém sugere que os bancos centrais operem suas próprias versões de ETFs ou negociações de alta frequência? Existe alguma necessidade de os bancos centrais começarem a administrar o desenvolvimento de sistemas de contabilidade e governança?

Por último, o bitcoin e outros criptoativos ainda estão em meio a uma rápida evolução, e perguntas básicas continuam sem resposta. O bitcoin deveria sofrer uma “cisão” para ter maior velocidade no processamento das transações? Será que o futuro dará preferência ao bitcoin, à plataforma ethereum ou a algo completamente diferente? Quantas ofertas iniciais de moeda fazem sentido economicamente, ou seja, não são bolhas? As ofertas iniciais de moedas devem ser usadas para financiar startups? Quantos criptoativos devem sobreviver a longo prazo? Os blockchains podem ser usados para registrar e realizar a transferência de títulos de propriedade? Há alguma circunstância em que deveria ser possível revisar as transações em um blockchain?

Como os criptoativos não são grandes o suficiente para representar riscos sistêmicos às economias, o melhor é deixar que os mercados tentem descobrir as respostas a essas e outras perguntas. É necessário, agora, mais experimentação, não burocratização. Se os bancos centrais entrarem nesse mundo, o perigo é que eles tentem resolver questões com base em seus julgamentos conservadores. O Fed receberia a maior parte da atenção do mercado; seria difícil que sistemas criptografados alternativos não fossem vistos como competidores e como possíveis fontes de risco e distúrbios (nesse sentido, um projeto de Cingapura tem menos probabilidade de dominar o mercado e, portanto, seria um problema menor). A inovação provavelmente perderá velocidade.

De forma geral, acho que os bancos centrais das economias desenvolvidas do mundo têm feito um trabalho muito bom. Mas tenha em conta esta pergunta simples: algum banco central teria tido a inspiração, ou assumido o risco, de criar o protocolo do bitcoin, para começo de conversa?
Então, por que os bancos centrais deveriam receber a função controladora de guiar essas inovações em evolução?

Essa coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial da Bloomberg e de seus proprietários.

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