Crise em nova fase. Risco político muito além das reformas

Por Josué Leonel com a colaboração de Paula Sambo e Aline Oyamada.

As turbulências políticas não preocupam o investidor desde que o governo de Michel Temer continue aprovando as reformas, certo? Errado. Pelo menos isso é o que o mercado está mostrando nesta quinta-feira. As incertezas com o confronto entre parlamentares e procuradores e uma nova operação Zelotes pesam no humor dos investidores e impulsionam o dólar e os juros futuros, enquanto a Bovespa cai mais do que suas pares internacionais. Tudo isso apesar de o Banco Central ter sinalizado na véspera que pode aumentar a dose de corte da Selic.

Temer vive um paradoxo que torna difícil solucionar a atual crise, na qual a classe política parece se voltar contra a “agenda da Lava Jato”, diz Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria. Se apoiar o Congresso, Temer pode sofrer desgaste ainda maior junto à opinião pública, que abraçou a luta contra a corrupção. Por outro lado, o presidente precisa dos parlamentares para aprovar as reformas no Congresso, diz Cortez. “É uma sinuca de bico.”

A ideia de que os ruídos políticos são indiferentes desde que as reformas continuem avançando é questionável, segundo Cortez. Se fosse apenas pelas reformas, a crise poderia ser até favorecer, pois existe a ideia de que, a cada conflito, os parlamentares tendem a se unir ainda mais em torno de Temer, pois sabem que se o governo naufragar eles afundam junto. O problema é que há riscos que vão além das reformas e que precisam ser considerados.

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Um dos principais riscos diz respeito a 2018. Se Temer é visto como conivente com políticos investigados e se desgasta, sua capacidade de ajudar seus aliados na eleição diminui. Com o PT fora de combate, aumentaria a chance de um candidato anti-establishment, com plataforma eventualmente contrária às reformas. “Se tem uma coisa que ficou claro nas últimas eleições no mundo, inclusive a de Trump nos EUA, é que um político outsider nunca pode ser descartado”, diz Cortez.

A dúvida sobre 2018, também realçada pelo fato de muitos presidenciáveis terem sido citados na Lava Jato, pode afetar uma variável que o governo Temer considera vital para a retomada do crescimento: os investimentos. Com a população endividada e sem poder de consumo, a volta do crescimento depende do ímpeto do investidor e do cenário externo. O cenário externo ajuda pouco pelas incertezas com os juros e o governo Trump nos EUA. Quanto ao investidor, a dúvida sobre quem será o presidente em 2018 é um grande desestímulo.

E não é só 2018 que preocupa, pois a própria estabilidade do governo Temer pode ser prejudicada. Cortez considera que o cenário mais provável ainda é que Temer termine o mandato, mas a crise política pode ter contornos preocupantes. Os protestos podem ser municiados pela percepção de que a corrupção não é atacada, criando um ambiente negativo para o presidente, que ainda deve enfrentar o julgamento de sua chapa com Dilma no TSE.

Apenas dois dias após a PEC do teto de gastos passar em 1º turno no Senado e apesar da brandura do comunicado do Copom divulgado na quarta-feira, o clima do mercado está longe de ser de comemoração. Pelo contrário, os seguidos ruídos políticos estão criando um cenário de incerteza muito diferente do que os investidores imaginavam após o impeachment de Dilma, diz Italo Abucater, chefe da mesa de câmbio da Icap Brasil. O ano está terminando com um gosto amargo, diz o profissional. “Este ano caótico nunca termina. É uma bomba atrás da outra.”

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