Por Laura Millan Lombrana.
No alto da cordilheira dos Andes, acima da capital do Chile e aos pés das geleiras que datam da última era do gelo, as temperaturas foram quase amenas neste verão. Essa situação é uma ameaça a longo prazo para o abastecimento de água dessa cidade com sete milhões de habitantes que se espalha pela planície, abaixo delas.
Na geleira Olivares Alfa, a 4.420 metros acima do nível do mar, as temperaturas ficaram acima de 10 graus Celsius em diversos dias de janeiro e em raros momentos foram negativas, disse André Rivera, glaciologista do Centro de Estudos Científicos em Valdivia.
“Não é raro ter temperaturas acima de zero no verão, mas ter altas temperaturas de dia e de noite por diversos dias seguidos foi algo sem precedentes”, disse Rivera.
As geleiras que fornecem boa parte da água de Santiago durante os meses quentes e secos do verão encolheram em um quarto, para 380 quilômetros quadrados, no período de 30 anos até 2013/14, segundo um estudo da Universidade do Chile. O derretimento será acelerado se o país sul-americano registrar mais ondas de calor recorde devido à aceleração do aquecimento global. O encolhimento das geleiras pode acabar forçando os habitantes de Santiago a seguirem o exemplo dos moradores do sul da Califórnia e abrirem mão de gramados verdes e piscinas.
Modo de sobrevivência
“As geleiras são realmente vulneráveis e ainda assim conseguiram sobreviver a todos os tipos de eventos climáticos durante 10.000 anos”, disse Francisco Ferrando, professor de Geografia da Universidade do Chile, em Santiago. “O aquecimento global está acelerando e a mudança está sendo sentida mais fortemente no alto da montanha, por isso no momento as geleiras estão em modo de sobrevivência.”
Não se sabe ao certo que parcela do abastecimento de água de Santiago depende das geleiras, mas uma coisa é clara: o Chile precisa investir em novos reservatórios. Atualmente, a cidade pode ficar até cinco meses sem nenhuma chuva e é abastecida pela neve e pelo gelo das montanhas que atuam como reservatório natural.
“As geleiras vão durar mais um século, um século e meio, dependendo da quantidade de gelo, da altitude e da extensão de cada uma”, disse Ferrando. “No momento a preocupação é que durem o máximo de tempo possível para que o país possa se adaptar à vida sem geleiras em algumas décadas.”
Indústria do cobre
A gigantesca indústria do cobre do Chile provavelmente também não está ajudando as geleiras.
A mina de cobre Andina, da estatal Codelco, e a mina Los Bronces, da Anglo American, estão localizadas bem ao lado do sistema de geleiras Olivares. Suas operações causam impacto nas geleiras e a expansão planejada da mina Andina poderá provocar um efeito ainda maior, disse Ferrando.
“A cava da mina tem sido frequentemente perfurada em gelos glaciares e em geleiras rochosas”, disse Ferrando. “Além disso, os caminhões levantam uma poeira que os ventos fortes levam até as geleiras. Isso muda a forma como a radiação solar atinge o gelo e aumenta o efeito do calor.”
A Codelco e a Anglo American preferiram não comentar essa reportagem.
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