Por Mohamed A. El-Erian.
Fotógrafo: Sakis Mitrolidis/AFP/Getty Images
Ao acatar o conselho do governo e votar ‘não’ no referendo de domingo, os cidadãos gregos transmitiram uma mensagem inequívoca. Assim como os americanos fictícios retratados no filme “Rede de intrigas”, que escancararam suas janelas e gritaram “Estou completamente louco e não vou mais aguentar isso”, os gregos estão exigindo que o resto da Europa perceba a aflição deles.
A esta altura, no entanto, poucos líderes europeus parecem dispostos a escutar; e um número ainda menor deles parece disposto a oferecer o tipo de alívio de que a Grécia tão desesperadamente precisa. As implicações se farão notar principalmente na Grécia, mas também na Europa e além.
- A vitória do “não” – com mais de 60 por cento dos votos, de acordo com os resultados preliminares – vai inicialmente provocar uma onda generalizada de vendas de ações globais, junto com pressões sobre os preços dos títulos emitidos pela Grécia, por outras economias periféricas da zona do euro e pelos mercados emergentes. Os títulos dos governos da Alemanha e dos Estados Unidos vão se beneficiar com essa busca pela qualidade.
- Depois de terem sido pegos de surpresa, os políticos europeus vão tentar urgentemente retomar a iniciativa: a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande, vão se reunir em Paris nesta segunda-feira para trabalhar em uma resposta. Em um mundo ideal, esses líderes iriam agir com rapidez e eficiência junto com o governo grego para superar o conflito e a acrimônia que precederam o referendo. Isso dificilmente acontecerá, devido à desconfiança, à hostilidade e às acusações perniciosas que envenenaram o relacionamento.
- Mesmo com esses desafios, os políticos gregos e europeus não têm muito tempo para agir em conjunto. As horríveis condições da Grécia vão ficar muito piores antes de conseguir melhorar. Sem uma ampla assistência emergencial do Banco Central Europeu – uma decisão muito improvável –, o governo já terá dificuldade para colocar dinheiro nos caixas eletrônicos do país, que dirá para reabrir os bancos.
- À medida que o armazenamento aumentar, a escassez de bens como combustível e alimentos se intensificará. Os controles de capital e de pagamento serão mais rigorosos. A economia dará mais um passo preocupante para baixo e o desemprego e a pobreza irão se agravar. O governo terá dificuldade para pagar os pensionistas e os salários dos funcionários públicos.
- Como resultado, o governo sofrerá uma pressão cada vez maior para emitir algum tipo de IOU para manter a sensação de uma economia em funcionamento. Se isso acontecer, os IOUs vão atuar como uma moeda paralela, com uma cotação doméstica mais barata do que a da moeda única.
- Fora da Grécia, se pensará muito em como restringir os efeitos colaterais adversos. O BCE provavelmente precisará implementar novas medidas para controlar a contaminação regional, como expandir o programa atual de compras em grande escala de títulos. Isso irá enfraquecer a taxa de câmbio do euro. Além disso, em conjunto com o FMI – com quem a Grécia já tem pagamentos atrasados – as autoridades deverão se preparar para uma série de calotes gregos.
- Todos as partes envolvidas irão adotar seus planos alternativos. Essa transição provavelmente será muito mais traumática para a Grécia do que para o restante da Europa.
- Com o objetivo de lutar o mais rapidamente possível contra a probabilidade de mais sofrimento humano, dor e incerteza, a Europa tem os instrumentos e as instituições necessárias para restringir a contaminação e preservar a integridade da zona do euro. Mas isso vai exigir que as ações do BCE sejam associadas às medidas do Mecanismo Europeu de Estabilização e do Banco Europeu de Investimento que visam completar uma união bancária e avançar com a integração fiscal.
- Há muitas dúvidas, no entanto, de que a Grécia consiga recuperar seu status de membro pleno da zona do euro. De fato, sem um gerenciamento extremamente habilidoso da crise há um alto risco de que se torne um país falido. Em vez de ficar de braços cruzados, a Europa precisa garantir que a saída da Grécia da zona do euro, composta por 19 membros, não implique também que o país se dissocie da União Europeia como um todo. Isso poderia envolver uma adesão especial em um acordo de associação por exemplo.
- Por último, a culpabilização será deflagrada. Essa atividade inútil pode acabar postergando a necessidade urgente que a Europa tem de internalizar as lições extraídas desse triste resultado: uma série de promessas não cumpridas por diversos governos gregos foi agravada pela teimosia política, por análises pobres e por um acompanhamento inconsistente por parte da Europa, que está contribuindo para a perda da Grécia como um membro funcional da família.
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