Por Gary Shilling.
Com a aceleração do crescimento econômico global, os bancos centrais — com exceção do japonês — estão optando por restringir o dinheiro extremamente fácil, incluindo as enormes flexibilizações quantitativas e as taxas de juros de curto prazo insignificantes ou até negativas. O Federal Reserve, banco central dos EUA, elevou a meta para a taxa de fundos federais cinco vezes desde dezembro de 2015 e está sugerindo mais três aumentos neste ano.
Mas o Fed enfrenta um grave dilema: os aumentos da inflação e dos salários continuam abaixo das expectativas e o banco central, ao mesmo tempo, encara forças que pressionam pela restrição do crédito.
O novo presidente, Jerome Powell, sem formação em Economia, pode mudar o tom do banco central, mas Janet Yellen, que em breve será sua antecessora, e os demais economistas acadêmicos que têm dominado a política monetária acreditam fervorosamente na teoria da Curva de Phillips. Esse princípio prega que um índice de desemprego em queda deve estimular a inflação, apesar das evidências contrárias. Em vez de aumentar com a queda do índice de desemprego desde a recessão, a taxa de inflação se manteve praticamente inalterada.
No entanto, o Fed quer restringir o crédito lentamente devido à baixa inflação crônica e à lembrança do “taper tantrum” de maio de 2013, quando a simples menção do então presidente Ben Bernanke sobre reduzir o ritmo de aquisição de ativos do Fed provocou descontrole nos mercados e saltos nas taxas de juros.
Outra razão para que o Fed faça um ajuste é evitar que os bancos comerciais emprestem os mais de US$ 2 trilhões em reservas excedentes que o Fed entregou a eles por meio da flexibilização quantitativa. Estes são simplesmente um ativo dos bancos e um passivo no balanço do Fed com poucas consequências financeiras ou econômicas. Mas, com a aceleração do crescimento econômico em decorrência dos cortes fiscais seguidos de prováveis grandes estímulos fiscais, os tomadores de empréstimos solventes desejarão contrair empréstimos, os bancos emprestarão alegremente e essas reservas excedentes poderiam virar uma montanha de dinheiro que ameaçaria gerar uma grande inflação.
Além disso, o Fed teme que os juros baixos gerem distorções no mercado. O problema não são os juros baixos em si, mas a falta de disposição dos investidores para aceitá-los apesar dos efeitos compensatórios da baixa inflação. Ajustados pela inflação, os títulos de 30 anos do Tesouro americano rendem 0,62 por cento, menos que a média de 1,7 por cento da última década, mas não por muito. No entanto, muitos investidores e poupadores acreditam que merecem retornos muito maiores que o rendimento atual de 2,97 por cento sobre os títulos do Tesouro de 30 anos e de 2,73 por cento sobre as notas de 10 anos. Por isso, avançaram para o espectro de risco, para ativos como títulos de mercados emergentes e dívidas estudantis, apesar das altas taxas de inadimplência e de empréstimos alavancados, por exemplo.
Embora acredite que em uma economia normal e estável a taxa de fundos federais deva ser de cerca de 3 por cento, em comparação com a faixa atual de 1,25 por cento a 1,5 por cento, a diretoria do Fed também está se ajustando gradualmente à realidade e sugere que pode ser apropriado manter as taxas mais baixas por mais tempo.
Continuo convencido de que uma das principais razões pelas quais o Fed elevou os juros é o fato de que sua credibilidade estava em jogo, e a situação se mantém. O banco central projetou em várias oportunidades taxas de fundos federais superiores às aplicadas posteriormente. Tenha em mente que o Fed controla essa taxa, ou seja, ele simplesmente não fez o que pretendia. A diferença entre as projeções para os fundos federais e as ações tomadas é extraordinariamente ampla e chega a mais de quatro pontos percentuais.
Apesar da sugestão de Powell de que talvez ainda haja lentidão na economia, a maioria dos diretores do Fed pode temer que os cortes tributários sejam estímulo suficiente para provocar grandes dificuldades econômicas. Além disso, os planos republicanos de realizar grandes investimentos em infraestrutura sem dúvida gerarão preocupação no Fed em relação ao possível superaquecimento da economia, mesmo considerando a probabilidade de que os investimentos reais demorem vários anos para se concretizar.
Historicamente, quando o Fed começa a elevar os juros, quase sempre segue adiante até gerar uma recessão e um bear market nas ações. Pelas minhas contas, em 11 de 12 vezes desde a Segunda Guerra Mundial, a recessão foi precedida de uma campanha de aumento dos juros, embora muitas vezes demore anos para que isso aconteça. O único pouso suave se deu em meados da década de 1990. Desta vez, com tanta liquidez sobrando pelo mundo, também pode demorar anos para que os juros mais altos e a redução dos ativos no balanço do Fed comecem a pressionar a economia.
A curva de rendimento — diferença entre as taxas de curto e de longo prazo do Tesouro — também pode ter um comportamento diferente desta vez. Antigamente, quando o Fed aumentava os juros até o ponto em que os rendimentos dos títulos de 2 anos do Tesouro excediam os das notas de 10 anos, a curva de rendimento “se invertia” e, na sequência, havia recessão. As inversões geralmente ocorriam porque os rendimentos dos títulos de 2 anos aumentavam mais rapidamente do que os rendimentos das notas de 10 anos. Nos últimos tempos, no entanto, a diferença diminuiu porque os rendimentos dos títulos de 2 anos subiram, mas os rendimentos das notas de 10 anos permaneceram relativamente estáveis. Isso é incomum, mas é provável que seja reflexo das pressões deflacionárias, mais evidentes nos vencimentos mais longos.
Portanto, em caso de curva de rendimento invertida, isso pode não garantir uma recessão iminente como no passado, e pode demorar anos para que o ajuste do Fed a provoque.
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