Por Felipe Marques e Cristiane Lucchesi
A recessão de dois anos no Brasil acabou, mas muitas das empresas que foram para a UTI ainda não conseguiram sair. E o prognóstico, em sua maior parte, não é animador.
A dívida renegociada na carteira dos quatro maiores bancos com ações em bolsa do país está em R$ 81,5 bilhões, ou quase 80 por cento acima do nível de 2014, antes de a economia começar a se contrair. Esse número pode cair mais lentamente do que as estimativas anteriores ou manter-se estável à medida que a recuperação econômica perde força e a possibilidade de juros mais altos ameaça carteiras renegociadas, indexadas principalmente a taxas flutuantes.
“Alguns casos específicos de empresas podem voltar à mesa de negociação e precisar de mais prazo para adequar o fluxo de caixa, mas não vai ser um movimento generalizado, podem ser casos pontuais”, disse Marcelo Noronha, vice-presidente executivo responsável pelo banco de atacado no Bradesco, segundo maior banco brasileiro por valor de mercado.
Em 22 de junho, analistas reduziram suas estimativas para o PIB de 2018 para 1,55 por cento, de 2,37 por cento quatro semanas antes, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. O Copom sinalizou na semana passada que pode aumentar as taxas de juros para proteger o país de uma venda generalizada de ativos de mercados emergentes que afetou a moeda brasileira nas últimas semanas.
Eduardo Armonia, diretor da área de reestruturação e recuperação de crédito do Banco Itaú BBA, disse que essas ameaças serão um problema para algumas empresas de varejo. “O atraso no crescimento da renda adia sua recuperação, e isso também pode atrasar uma redução nas provisões para créditos inadimplentes dos bancos relativas a essas empresas”, disse Armonia.
Ele também destacou o setor de cana-de-açúcar como um possível ponto fraco. Algumas empresas desse ramo têm maior alavancagem e estão sofrendo com a queda dos preços. E podem precisar de uma segunda rodada de reestruturação da dívida para conseguir mais tempo para pagar, disse ele.
Lava Jato, Greve
Soluções variam de acordo com o setor, disse Armonia, apontando para grandes conglomerados envolvidos na Lava Jato que têm muitas subsidiárias. “O negócio de energia tem uma dinâmica diferente do que o de óleo e gás e de construtora”, disse Armonia. Algumas empresas afetadas pela greve de caminhoneiros em maio precisam de ajuda rápida para lidar com uma perda de receita que pode nunca mais voltar, disse ele.
O mais preocupante seria se o Brasil aumentasse os juros, segundo Armonia. “Crescimento da renda, baixas taxas de juros, uma taxa de câmbio estável e investimentos internacionais – tudo é muito importante para as empresas começarem a encontrar o caminho da recuperação”, disse ele.
Saindo da UTI
Armonia disse que este e o próximo ano não serão tão ruins quanto 2015 e 2016.
“O número de empresas que receberam alta da UTI ainda é baixo, mas também não há muitas que entraram recentemente”, disse ele.
Carlos Macedo, analista do Goldman Sachs, disse que os bancos estão relativamente “bem protegidos” se as carteiras renegociadas trouxerem taxas de inadimplência mais altas. “Eles são muito bem provisionados”, disse Macedo. “Eles têm sido muito conservadores na maneira como avaliam o risco e acreditam que estão bem preparados para lidar com qualquer soluço no crescimento.”
Índice de cobertura
Ele citou os altos índices de cobertura dos bancos brasileiros, que comparam as provisões para perdas com créditos inadimplentes aos empréstimos com pagamento em atraso superiores a 90 dias.
O índice do Itaú, que inclui o portfólio de dívida renegociado, é de 236 por cento, enquanto do Bradesco é de 219,3 por cento, segundo os bancos. O Banco do Brasil, o terceiro maior em valor de mercado, tem um índice de cobertura de 193,9 por cento. O Banco Santander Brasil, o quarto maior, tem um índice de cobertura de 216 por cento.
O Santander e o Banco do Brasil não comentaram.
Os níveis de inadimplência são “razoavelmente altos”, e dados recentes de alguns bancos brasileiros mostram “um enfraquecimento da qualidade dos ativos quando se trata de grandes tomadores corporativos”, disse Macedo.
Os pedidos de recuperação judicial no Brasil neste ano até maio aumentaram 14 por cento em relação ao ano anterior, para 654 casos, de acordo com a Serasa Experian, provedora de dados de crédito.
“Os bancos são muito afetados pelo cenário macroeconômico”, disse Macedo. “Se as perspectivas para o crescimento do PIB enfraquecerem de forma material, nossas projeções para os bancos também deverão enfraquecer.”
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