Dólar parece invencível, de olho no tapering do Fed e disparada nos preços de energia

Por Brody Ford e Libby Cherry. Originalmente publicado no Terminal Bloomberg.

O dólar tem tudo para atingir números recordes nos próximos meses, com a esperada redução (tapering) do estímulo do Federal Reserve, demanda sazonal e a instabilidade impulsionada pelo setor de energia desencadeando uma onda de apostas otimistas na moeda.

Rastros do domínio da moeda norte-americana estão por toda parte, à medida que pressões inflacionárias impulsionam rendimentos e preocupações com a estagflação destacam suas credenciais de refúgio. Atingiu altas não vistas desde dezembro de 2018 contra o iene, enquanto dados da CFTC mostram que fundos alavancados são os maiores otimistas em mais de um ano. Traders estão desembolsando mais para se proteger contra ganhos do que quedas – a níveis vistos pela última vez em torno da primeira onda da pandemia – de acordo com preços de opções para membros do índice Bloomberg Dollar Spot.

Gráfico
Fonte: Bloomberg
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Nem mesmo um relatório decepcionante de empregos nos EUA em setembro prejudicou a moeda, pois os comerciantes ainda esperam que o Fed comece a reduzir compras de ativos este ano. Na prática, o mercado leu os sinais inflacionários no relatório como mais uma evidência de que as taxas de juros dos EUA teriam de subir mais cedo ou mais tarde, o que impulsionaria os rendimentos, assim como o dólar.

Futuros de fundos do Fed agora indicam 90% de chance de aumento nas taxas de juros em novembro de 2022, com probabilidades essencialmente de um cara ou coroa no final de julho.

A força sustentada da moeda de reserva mundial pode desencadear uma onda de fluxos de capital entre mercados. Isso poderia azedar ainda mais o apetite pelo risco, já pressionado pelo aumento nos preços de energia, gerando ansiedade sobre possível estagflação como a dos anos 1970. O sentimento em relação ao dólar era negativo no início do ano, forçando investidores a recalcular suas apostas, enquanto o dólar ganha força.

Jane Foley, do Rabobank, está entre os estrategistas que afirmam que o dólar tende a ganhar ainda mais, à medida que os rendimentos aumentam e a demanda por ativos de mercados emergentes segue fraca. John Hardy, do Saxobank, acredita que o dólar pode “tornar a vida dos bears miserável no quarto trimestre”, prevendo que o mercado finalmente começará a levar a sério os cortes do Fed.

Embora o mercado possa parecer “sobrecarregado e superlotado”, ainda há muito a ser percorrido por esses motivos, afirma Audrey Childe-Freeman, estrategista-chefe G-10 FX da Bloomberg Intelligence. “A visão de que ‘o dólar ganha de qualquer maneira’ pode dominar por mais algum tempo.”

Pares fracos

A maioria dos estrategistas espera que o dólar esteja particularmente forte contra moedas de juros baixos, como o euro e o iene, pois os respectivos bancos centrais devem ficar atrás do Fed no aumento das taxas.

“Estamos chegando perto dessa narrativa de tapering nos EUA, e essas outras moedas de financiamento ainda estão a uma distância considerável”, afirmou Jeremy Stretch, da CIBC, em entrevista à Bloomberg TV na segunda-feira. “Bancos centrais como o BCE devem se manter em espera pelos próximos dois ou três anos, ou seja, isso acaba favorecendo posições compradas no dólar.”

Apostas em aumentos mais rápidos do Fed levaram os rendimentos do Tesouro de dois anos ao nível mais alto desde março de 2020, ampliando sua diferença para cerca de 101 pontos-base contra seus pares alemães, e 44 pontos-base contra os japoneses.

Isso deixou analistas acompanhando de perto os movimentos da moeda e de títulos, com o índice ICE Dollar e rendimentos do Tesouro de 10 anos já acima das previsões consensuais de fim de ano.

Refúgio essencial?

O dólar alcançou sua maior marca no ano em setembro, com investidores em busca de segurança, com ativos de risco perturbados pela turbulência no setor imobiliário da China e a combinação da desaceleração do crescimento global e aceleração da inflação. A demanda por proteção pode aumentar ainda mais, pois a crise na energia segue abalando os mercados.

Gráfico - posicionamento do euro
Fonte: CTFC, Bloomberg

O aumento sem precedentes nos preços da energia também agiu como um dos principais impulsionadores do dólar, enquanto prejudicava o euro, segundo Kevin Thozet, membro do comitê de investimentos da Carmignac. Ele tem aumentado sua exposição ao dólar nos últimos meses.

“A mudança provavelmente está ligada ao movimento no lado das commodities”, afirmou. “Já que os EUA são autossuficientes nesse aspecto, e isso não ocorre na zona do euro.”

O par euro-dólar tem flutuado próximo a mínimos não vistos desde julho de 2020, em parte devido a um dólar cada vez mais forte. Especuladores vêm se desfazendo de apostas em posições compradas em euro desde o segundo semestre do ano passado, com as posições da última semana figurando como as mais pessimistas desde março de 2020.

O enfraquecimento das previsões de crescimento global, somado ao aumento da inflação, torna a moeda dos EUA uma aposta ainda mais atraente, escreveu Meera Chandan, do JPMorgan, em nota de pesquisa na sexta-feira. “O cenário é favorável a possuir dólares em uma base ampla, não apenas contra moedas beta mais altas, normalmente sensíveis ao crescimento, mas também em relação a outras moedas defensivas como o JPY.”

O dólar como refúgio é um fenômeno relativamente novo. Em tempos difíceis globalmente, traders de FX têm se voltado historicamente ao iene japonês e o franco suíço em busca de estabilidade. Porém, com liquidez imbatível e uma vantagem de rendimento cada vez maior, a moeda dos EUA se tornou um local atraente para armazenar valor durante a turbulência do mercado, segundo Jeremy Stretch, do CIBC.

Gráfico - dólar comparado ao a moeda japonesa
Fonte: Bloomberg

“Investidores buscam um certo grau de proteção e segurança, e acredito que dado o contexto, da perspectiva do câmbio, isso nos leva de volta a uma narrativa mais ampla do dólar”, afirmou Stretch. Reversões de risco de um mês para o par dólar-iene estão perto de cair na moeda japonesa – a primeira vez desde junho deste ano.

A política do Fed deve garantir ao dólar uma vantagem nos próximos meses, e não apenas contra refúgios tradicionais, segundo Mazen Issa, estrategista sênior de câmbio da TD Securities. O dólar também tende a se beneficiar de uma vantagem sazonal em relação a outras moedas do G-10 no quarto trimestre, afirmou.

“O dólar é um refúgio seguro? Considerando o cenário, talvez. Mas, creio que o maior peso está na mudança nos riscos da política monetária”, acrescentou Issa. “Parece que agora o dólar deve ser respeitado, apenas.”

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