Com a sustentabilidade no centro das atenções antes da COP28, o ano passado foi marcado por uma infinidade de novas regulamentações relacionadas a finanças sustentáveis que afetam os investidores em todo o mundo. Rokhsana Saddighzadeh, gerente de produto global de regulamentação de finanças sustentáveis da Bloomberg, fornece uma atualização sobre os desenvolvimentos mais significativos.
P: Na União Europeia, a regulamentação de finanças sustentáveis está evoluindo rapidamente. Quais são as implicações para os investidores?
Uma das mais significativas é a revisão do Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR). Em setembro, a Comissão Europeia lançou uma consulta para avaliar detalhadamente o texto do Nível 1 do SFDR. A comissão busca feedback sobre a implementação do SFDR desde sua criação em março de 2021 e como quaisquer deficiências podem ser abordadas para, em última análise, melhorar as capacidades de tomada de decisão dos investidores.
A Comissão reconhece que os investidores estão enfrentando alguns pontos problemáticos, incluindo a disponibilidade de dados para apoiar os indicadores de Impacto Adverso Principal e o potencial
de desalinhamento entre outras legislações europeias de finanças sustentáveis, como o conceito de “dano significativo” da Taxonomia da União Europeia. Uma revisão significativa é a do sistema de categorização de produtos financeiros, com duas abordagens distintas propostas para substituir os conceitos existentes e predominantemente utilizados do Artigo 8 e 9.
A discussão é bem-vinda. Os investidores deveríam participar. O SFDR foi o primeiro do seu tipo, e a Comissão está dando aos investidores a oportunidade de destacar os desafios de atender aos seus requisitos de relatório.
P: E estão previstas emendas à própria Taxonomia da União Europeia?
Sim. Até o momento, o foco da Taxonomia da União Europeia tem sido no clima. Para o ano de 2024, seu escopo se estenderá para incluir quase 50 novas atividades empresariais elegíveis, abrangendo os quatro objetivos ambientais restantes que as empresas financeiras e não financeiras devem declarar. Isto terá um impacto significativo nos investidores expostos a essas atividades.
Por exemplo, investidores expostos a empresas de biotecnologia e farmacêuticas em suas práticas de investimento ou empréstimo agora podem ter atividades elegíveis sob as novas exigências da taxonomia que abrangem a fabricação de produtos medicinais. Portanto, os investidores precisam acompanhar ests mudanças e suas implicações de compliance. Para ajudá-los a assimilar as novas exigências, durante o verão a Comissão lançou o Navegador da Taxonomia da UE, que tem como objetivo servir como um guia para aqueles sob a jurisdição da taxonomia.
P: O que está acontecendo no nível corporativo?
A Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa da União Europeia, que entrou em vigor no início de 2023, é um dos desenvolvimentos regulatórios mais significativos. Esperamos que ela transforme significativamente o escopo dos relatórios corporativos em termos de alcance e número de empresas que precisam divulgar. Isto aumentará de cerca de 10.000 empresas, grandes em sua maioria, europeias de interesse público para cerca de 50.000, incluindo pequenas e médias empresas e empresas internacionais com atividades na Europa.
Ao gerar dados mais padronizados e comparáveis de acordo com os critérios das Normas Europeias de Relatórios Sustentáveis, esperamos que as exigências de relatórios corporativos da Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa da União Europeia (CSRD) resolvam alguns problemas-chave de escassez e qualidade de dados em temas ambientais, sociais e de governança.
A CSRD requer que as organizações divulguem informações sobre políticas e iniciativas, estabeleçam metas (incluindo metas de redução absoluta de emissões de gases de efeito estufa), selecionem uma linha de base e relatem o progresso em relação a estas metas. Além disso, a CSRD amplia o escopo de relatório com referência a toda cadeia de valor da empresa dentro da União Europeia e em países terceiros. Ao fornecer uma visão muito mais abrangente do perfil de sustentabilidade de um universo de investimento, as novas regras, em última análise, melhorarão a transparência para o investidor final.
P: A CSRD segue os padrões do Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade (ISSB) lançados em junho?
A CSRD estabelece exigências obrigatórias que são amplas em escopo e abordam tanto os impactos ambientais quanto os financeiros – dupla materialidade. Os padrões do ISSB são voluntários, atualmente focados exclusivamente no clima, e abordam apenas a materialidade financeira.
Mas há sobreposições. É crítico observar que ambos se baseiam fortemente no que é produzido pelo Grupo de Trabalho sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD). Portanto, não foram estabelecidos de forma isolada e, em última análise, convergem em torno da mesma terminologia.
Esperamos ver uma adoção global das normas do ISSB – isso já está acontecendo em países como Brasil, Reino Unido, Hong Kong e Japão, que buscam integrar as normas em suas exigências de relatórios de divulgação corporativa. No entanto, cada jurisdição irá diferir na forma como incorpora considerações e nuances do mercado local em sua estrutura regulatória.
P: Os Estados Unidos têm sido lentos em desenvolver regulamentação financeira sustentável. Há melhorias nesse sentido?
Estamos vendo algum progresso. Embora ainda não existam exigências reforçadas de relatórios de sustentabilidade corporativa em nível federal, a Califórnia – o maior estado econômico dos Estados Unidos e o quinto maior do mundo – apresentou dois projetos de lei de divulgação de informações relativas ao clima, um abrangendo as emissões de gases de efeito estufa e o outro os riscos climáticos.
Isto é importante. A partir de 2026, mais de 5.000 empresas deverão divulgar as emissões de gases de efeito estufa, e mais de 10.000 empresas deverão divulgar dados sobre os riscos de mudanças climáticas. A melhoria na divulgação fornecerá aos investidores muito mais informações para basear seus investimentos.
Esperamos que mais estados sigam o exemplo. A legislação, assim como a CSRD, os padrões do ISSB e as novas regras de divulgação corporativa propostas pela SEC, são baseadas nas exigências do TCFD.
Enquanto isso, para combater o greenwashing, a SEC ampliou sua “Regra dos Nomes” para abranger os fundos ESG. Agora, os fundos rotulados como ESG devem demonstrar que 80% do valor dos ativos esteja alinhado com sua estratégia declarada. Os fundos com US$ 1 bilhão em ativos líquidos têm 24 meses a partir da data efetiva para se adequarem. A adoção desta regra busca lidar com a possibilidade de nomes de fundos que possam enganar investidores sobre os investimentos e riscos de um fundo.
P: É um cenário regulatório extremamente complexo. Como os investidores podem encontrar clareza?
Houve uma proliferação mundial de regras relacionadas à sustentabilidade ao longo do último ano. Apesar de os reguladores buscarem o mesmo objetivo de promover a agenda de sustentabilidade, há o risco de estarem trabalhando de forma isolada. Empresas mundiais obrigadas a considerar exigências separadas em cada jurisdição enfrentarão uma carga de trabalho mais pesada para a elaboração de relatórios. O conceito de equivalência – por exemplo, pelo qual um negócio abrangido pelo âmbito do Sistema Europeu de Relatórios de Sustentabilidade (ESRS) do CSRD possa atender aos requisitos de relatórios equivalentes dos EUA – poderia aliviar significativamente essa carga.
Empresas com processos de governança interna robustos estão melhor posicionadas para lidar com desenvolvimentos regulatórios em rápida evolução. Estes são gestores com uma definição sólida de sustentabilidade que já possuem sistemas de coleta de informações estabelecidos e estão confiantes em sua abordagem. Empresas que estão simplesmente tentando acompanhar as novas regulamentações podem enfrentar dificuldades.
Por fim, participar das discussões é fundamental. Por exemplo, empresas financeiras já têm convivido com o SFDR há alguns anos. Devem ter muitos feedbacks tangíveis que podem fornecer à Comissão. Elas não deveriam perder esta oportunidade de ter uma influência significativa sobre como o SFDR evolui.
Este artigo foi escrito por Victoria Robson e foi reproduzido do Responsible Investor.