Por David Biller e Gerson Freitas Jr.
Blairo Maggi, o megaprodutor que já ostentou o apelido de “rei da soja”, estava prestes a tirar uma curta licença do comando do Ministério da Agricultura quando o escândalo da carne estourou, em março. Não importa. Ele entrou em ação imediatamente — ou, em suas próprias palavras, “na guerra”.
Para ajudar a polícia a investigar a poderosa indústria frigorífica?
Não. Maggi agiu para controlar os danos. O ministro ajudou a coordenar uma reunião com dezenas de embaixadores, repreendeu o chefe da Polícia Federal, reservou um avião da Força Aérea Brasileira para levar jornalistas estrangeiros a uma planta de produção de aves e telefonou para executivos de pequenos e grandes frigoríficos. Os esforços que lhe consumiram várias horas de sono foram fundamentais para minimizar os danos a um setor que movimenta US$ 75 bilhões por ano e convencer importantes mercados como a China a reverter restrições impostas às importações do produto brasileiro.
Mas se pode receber o crédito por ajudar a demonstrar como os investigadores se excederam em algumas de suas acusações mais escandalosas — não há evidência de papelão na carne do Brasil, por exemplo –, Maggi, 60, também pode ser questionado por minimizar a parte da investigação em que as evidências eram mais concretas, como as suspeitas de corrupção envolvendo fiscais agropecuários, ligados ao Ministério.
Neste ponto reside a maior preocupação em relação a uma rara estrela em ascensão no momento em que a reputação da classe política se encontra abalada por escândalos: Blairo Maggi teria um conflito de interesse incompatível com o comando do maior país exportador agrícola do mundo?
“Ele sempre poderá afirmar que o que ele faz como Ministro da Agricultura é de interesse nacional, mas sempre será também de interesse pessoal”, afirma Thiago de Aragão, diretor de estratégia da consultoria política Arko Advice. “É muito difícil separar as duas coisas.”
Empresa de sementes
O negócio da família de Maggi, Grupo Amaggi, começou como uma empresa de sementes fundada por seu pai em 1977. Blairo Maggi se tornou presidente da companhia em 2001, em meio a uma expansão que a transformou numa enorme proprietária de terras, exportadora de grãos, operadora logística e até geradora de energia.
Embora possua uma participação de 16 por cento na companhia, Maggi garante que ele e sua família estão fora da gestão há vários anos.
“Eu sei onde eu piso, quais são as diferenças”, afirma Maggi, negando qualquer conflito. “Até briguei com alguns setores, [defendendo] que a gente tem que ter menos subsídios, tem que ter mais produtividade. Lugar que tem muito subsídio atrai muita incompetência.”
Maggi iniciou sua incursão no mundo político ainda nos anos 1990 e, em 2003, foi eleito governador do Mato Grosso, onde a Amaggi mantém boa parte de suas operações. Depois, ele transformou sua considerável rede de apoiadores do agronegócio em uma cadeira no Senado em 2010, cargo que ocupou nos seis anos seguintes, enquanto o faturamento da sua empresa crescia até atingir R$ 12,7 bilhões (US$ 4 bilhões) em 2015. Seu nome foi ventilado até mesmo para uma possível canditatura presidencial na eleição do ano que vem.
“Em função da política ou em função dos negócios, a gente conhece tudo mundo que está na área”, disse Maggi, no escritório do Ministério da Agricultura em São Paulo. “Então está mais fácil ligar para um deles, pegar o sentimento, olhar o que está acontecendo. Eu faço muito disso.”
Construção de rodovias
O duplo papel de Maggi, o de político e homem de negócios, marcou sua trajetória.
Como governador, por exemplo, ele comandou um programa para pavimentar mais mil quilômetros de rodovias para que os produtoras de grãos, incluindo a Amaggi, pudessem transportar com mais eficiência seus produtos e tirar melhor proveito do boom das commodities.
Mais recentemente, Maggi manifestou apoio a um projeto de lei para permitir a aquisição de terras por estrangeiros, ponderando que a medida não deveria valer para as áreas de milho ou soja, os principais grãos produzidos pela Amaggi. Para o ministro, uma queda nos preços internacionais poderia levar investidores a simplesmente suspender o plantio dessas commodities, causando prejuízos para o país.
O empresário-ministro também vem defendendo a construção de uma ferrovia para escoar a produção de Mato Grosso e cujo traçado, que acompanha o da BR-163, deve cruzar parte da Amazônia. O projeto de R$ 12,6 bilhões poderia receber financiamento subsidiado do governo, que o considera de “inquestionável valor estratégico” para a economia. Embora os agrícultores mato-grossenses precisarem desesperadamente de um corredor de exportação pelo Norte, a ferrovia também beneficiaria diretamente a Amaggi. A companhia do ministro, além de fazer parte do consórcio de tradings que cogita construir a ferrovia, tem participação de 50 por cento de uma operação hidroviária que começa no ponto onde serão desembarcados os grãos levados para o norte de trem.
Aquisições por estrangeiros
“Até eu acho que ele está sendo um bom ministro da agricultura”, afirma Antero Paes de Barros, que concorreu contra Maggi no Mato Grosso. “Vai viabilizar esses projetos todos que, veja bem, são projetos importantes, mas cuidando dos intereseses dele.”
Maggi disse que seu ministério não está envolvido no projeto da ferrovia e que não avaliará as propostas, acrescentando que toma cuidado para evitar conflitos de interesse. Uma vez convidado pela ex-presidente Dilma Rousseff para ser Ministro dos Transportes, Maggi recusou, argumentando que a Amaggi havia recebido empréstimos da Marinha mercante para desenvolver uma via navegável pela Amazônia.
Sua política geral como Ministro da Agricultura é guiada por “mais competitividade, menos influência do governo”, por “desburocratizar os processos e deixar com que os agricultores possam tomar suas decisões com liberdade, mas com a responsabilidade”.
Desmatamento ilegal
Durante sua transformação de homem de negócios em político, Maggi trabalhou para deixar para trás a imagem de desmatador. Sob sua gestão como governador, criou um sistema de monitoramento e regularização ambiental que se tornou a base do Código Florestal nacional. O Greenpeace agradeceu a ele com uma caixa de doces feitos de frutos amazônicos.
Os ambientalistas estão menos entusiasmados agora. Paulo Barreto, pesquisador sênior da Imazon, uma organização não-governamental voltada para o meio ambiente, disse que Maggi defende a proteção florestal apenas “da boca para fora”. No ano passado, Maggi apoiou um projeto de lei que relaxaria o licenciamento ambiental para grandes obras de infraestrutura e tem defendido a redução de áreas de conservação, disse Barreto. Em um comunicado de fevereiro, Maggi disse que a mudança da classificação de um dos parques amazônicos mais desmatados do Brasil regularia o desenvolvimento da área.
Maggi está ganhando capital político, mas seu passado poderia ser um peso. Junto com dezenas de outros políticos brasileiros, o nome de Maggi apareceu em várias investigações por corrupção envolvendo pagamento de propinas e lavagem de dinheiro.
“Tenho minha consciência tranquila de que nada fiz de errado”, disse Maggi. “Não perco o sono com isso.”
Candidato à presidência?
Maggi também descansa melhor depois de conter o escândalo que ficou conhecido como Carne Fraca, mas o próximo passo, disse ele, é mais complicado: convencer os consumidores do exterior a voltar a comprar produtos do Brasil. Ele está planejando viagens à Ásia e ao Oriente Médio para tentar conseguir participação de mercado, uma de suas principais metas antes mesmo da crise.
O desempenho dele durante o escândalo levou seu partido a discutir colocá-lo como candidato à presidência em 2018. A eleição dele seria improvável, na verdade. Mas o fato de um Ministro da Agricultura sequer ser considerado atesta o papel fundamental que a agricultura e os setores relacionados desempenham no Brasil, respondendo por um quarto da economia do País.
“Ser candidato ou presidente não deve ser o projeto pessoal de ninguém; as coisas têm que acontecer de forma natural”, contestou Maggi. “Se eu fosse candidato pelo setor agrícola, teria maioria dos votos talvez do setor agrícola, mas e o resto da sociedade?”
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