A versão original deste artigo foi impressa na Risk & Compliance Magazine, edição de jul-set 2018.
Uma mini mesa redonda com Reshma Khamis (Especialista em Compliance Vault, Bloomberg L.P.), Lisa Roitman (Estrategista de Negócios para Tecnologia de Conformidade Regulatória, Bloomberg L.P.), Barbara Keller (Diretora Adjunta de Compliance e Diretora Executiva, Nomura Asset Management U.S.A. Inc), Sandra Scherm (Oficial de Compliance de Divisão, Digital Factory & Process Industries and Drives, Siemens) e Catherine Allen (Presidente e Diretora Executiva, The Santa Fe Group).
R&C: Poderia descrever os principais desenvolvimentos nos últimos anos que moldaram o papel das mulheres dentro da esfera de compliance corporativo?
Roitman: A tecnologia tornou mais fácil concluir tarefas discretas de risco e conformidade, o que, por sua vez, aumentou a flexibilidade em relação às funções de risco e compliance. Embora essa flexibilidade possa ter atraído mais mulheres para o setor de compliance inicialmente, a explosão da regulamentação as manteve lá. Esta avalanche de novas regulamentações resultou em cargos de risco e compliance mais sofisticados, recompensadores e comercialmente desafiadores, que atraem um conjunto diversificado de candidatos. Reguladores também ajudaram a fazer a diferença, colocando em foco a necessidade de criar uma cultura de compliance. A popularização de uma cultura de ‘liderança por exemplo’ significou que, em muitas empresas, a área de compliance foi transferida dos departamentos jurídicos e operacionais para cargos recém-criados, reportando diretamente aos fundadores e conselhos. Esta mudança criou novos cargos sênior, bem como oportunidades para as mulheres se destacarem como líderes com voz na cultura ética de uma organização. Creio que as empresas estão começando a ver o benefício de ter um conjunto mais diversificado de tomadores de decisão, especialmente dentro dos departamentos de compliance.
Allen: Desenvolvimentos recentes que encorajaram as mulheres a entrar no campo de compliance incluem a expansão dos conjuntos de habilidades para além do jurídico, abrangendo profissionais com experiência em políticas regulatórias e públicas, a pressão sobre as empresas para para contratar mais profissionais mulheres, especialmente no C-suite, e pesquisas indicando que as mulheres vêem o risco de maneira diferente do que os homens. De acordo com uma pesquisa da Catalyst e do Credit Suisse, as mulheres abordam o risco com uma perspectiva mais holística e multidimensional. Por exemplo, um conjunto versátil de habilidades, pensamento ágil e profunda compreensão da identificação e uso de métricas são qualidades essenciais para líderes de compliance de hoje. De acordo com a pesquisa, as mulheres geralmente possuem forte capacidade de fornecer liderança de pensamento em torno do que os dados dizem sobre o risco e, sobretudo, fornecer desafios confiáveis para as partes interessadas em todos os níveis, de forma que possam, então, agir.
Scherm: Em nossa organização de compliance, homens e mulheres são igualmente representados, tanto em cargos de gestão quanto no grupo de especialistas em compliance. Como compliance é um tema comparativamente novo, aspectos de diversidade foram considerados desde o início, e hoje a diversidade de gênero não é um problema para nós.
R&C: Que desafios do dia a dia as mulheres enfrentam no setor de compliance?
Allen: De acordo com Joyce Brocaglia, diretora executiva da Alta Associates, existem 10 cargos relacionados à compliance para cada executivo experiente com formação na área nos EUA. Apesar do grande número de profissionais, o setor permanece exigente devido ao ambiente regulatório em mutação, o reconhecimento de empresas fora dos serviços financeiros de que precisam de funcionários de compliance e à necessidade das quatro maiores empresas contábeis preencherem essa lacuna. O papel de um chief compliance officer (CCO) é multifacetado. Um CCO deve cumprir e negociar com reguladores, trabalhar em estreita colaboração com os departamentos jurídico, de TI e de negócios para garantir que a empresa esteja em conformidade, relatar quaisquer exceções ao conselho de administração, e compreender as empresas o suficiente para aplicar ações regulatórias adequadas. Este profissional deve possuir alta integridade e respeito dentro e fora da organização. Todos esses fatores tornam o cargo desafiador — para homens e mulheres.
Scherm: Nenhum funcionário que pensa em pagar subornos ou discutir detalhes confidenciais está se perguntando se o oficial responsável por compliance é do sexo masculino ou feminino. Em nossa divisão, temos exatamente os mesmos problemas, independente do gênero. Colaboração é fundamental para resolver esses problemas, especialmente ao consultar especialistas de diferentes aspectos de compliance, como departamentos de privacidade de dados ou antimonopólio, por exemplo. Em relação a casos de conformidade regulatória, na Europa e em grande parte do mundo, é absolutamente normal colaborar com funcionárias do sexo feminino. Mas ainda há regiões onde tenho um acordo com um colega do sexo masculino: se algo grave acontecer e precisarmos de um forte “tom de liderança” no local, ele viajará para lá a fim de garantir que sejamos ouvidos por todos os funcionários.
Khamis: Como uma grande porcentagem de nossos colegas é do sexo masculino, precisamos adaptar ao nosso ambiente para causar impacto, ao invés de atuar como uma pessoa que aceita rejeição e potencial intimidação, e enxergar além de segundas intenções e dados ofuscados. Entretanto, temos que manter o foco nas necessidades da empresa. Estes são apenas alguns dos momentos que testaram minha resiliência e ímpeto.
Roitman: Os desafios que as mulheres enfrentam em compliance são os mesmos de qualquer outro setor. Mulheres, em particular, precisam falar com convicção e ser confiantes, além de inteligentes. Sem estas características, é impossível desempenhar um papel significativo na identificação e mitigação de riscos para uma organização. Há uma percepção comum de que as mulheres nem sempre adotam posturas confiantes; no entanto, isso está mudando. Ver mais mulheres em cargos de governança corporativa continuará ajudando a mudar essa concepção. Há também a necessidade de sermos vistas como profissionais confiáveis e valorizadas, para que a gerência sênior nos ouça. Isso leva tempo e, infelizmente, muitas mulheres abandonam o mercado de trabalho antes de chegarem aos níveis mais altos. Precisamos trabalhar para mudar esse paradigma.
R&C: Que conselhos você ofereceria às mulheres buscando estabelecer uma carreira em compliance?
Khamis: Eu diria às mulheres que buscam uma carreira em compliance que, ao precisar de ajuda, encontrem alguém que ofereça conselhos sólidos. Nem sempre é fácil encontrar a pessoa certa para responder suas perguntas, mas é aconselhável buscar isso durante toda a sua carreira e construir relacionamentos fortes. Além disso, pessoas diferentes trazem diferentes perspectivas, então recomendo procurar mentes abertas a novas ideias e com pontos de vista diferentes, para evitar o “pensamento de grupo”. Estabelecer um ambiente de trabalho aberto, com colegas que acolhem a mudança de cenário e reconhecem pontos cegos é o caminho certo para que você e a empresa possam progredir. Continue aprendendo. Este campo está evoluindo e mudando, por isso é importante estar conectada a grupos do setor e colegas de outras empresas. Se esforce para ser relevante e participar ativamente da mesa.
Roitman: Em primeiro lugar, tenha seu conhecimento afiado. Homem ou mulher, simplesmente não há atalho para a competência. Você deve conhecer as regras e regulamentos, além do negócio subjacente. Profissionais de risco e compliance não estão lá para dizer não, mas, acima de tudo, para ajudar a desenvolver soluções comerciais que impulsionem negócios e, ao mesmo tempo, reduzam riscos. Especificamente, ofereço três conselhos. Primeiramente, concentre-se no seu conhecimento comercial e nunca pare de aprender. Você não pode proteger uma atividade de negócio se não a compreender. Em segundo lugar, faça muitas perguntas. A única pergunta idiota é aquela que não foi feita. Em terceiro lugar, lembre-se de que seu trabalho como oficial de compliance não é dizer não. Sua função é compreender as regras e regulamentos e ajudar a identificar e avaliar riscos e, quando possível, encontrar soluções comerciais para problemas difíceis.
Scherm: Meu conselho para todas as jovens que procuram oportunidades de carreira é: sejam autênticas. Vemos áreas em que especialização profunda é importante e, as vezes, é difícil encontrar mulheres qualificadas. Mas, em compliance, todos nós temos diferentes origens – de compra e venda à administração de empresas e qualidade. Com esta variedade, temos uma grande e ampla fonte de talento. Diversidade de experiência é o que faz uma boa organização de compliance – além de, claro, expertise. Além disso, em quase todos os casos que vi desde que me tornei oficial de compliance, o infrator era do sexo masculino. Temos pouquíssimos exemplos de casos de compliance praticados por mulheres, pois acredita-se que as mulheres tendem a seguir sua bússola ética interna, o que é especialmente importante em um ambiente fraco.
Allen: Não apenas há um número crescente de empregos no setor de compliance, mas os cargos são recompensadores e geralmente pagam bem. Você trabalha para manter a organização do lado certo de ações jurídicas e conformidade regulatória, na maioria das vezes com resultados que ajudam consumidores, funcionários, sociedades e países. De uma certa perspectiva, é realmente uma posição patriótica. Também acho que há uma ampla oportunidade para as mulheres progredirem em sua organização a partir de cargos de compliance, especialmente se também possuírem experiência em operações. Um histórico em compliance pode fornecer uma boa trajetória de carreira para cargos de direção executiva.
R&C: Quão importante é para as mulheres que atuam na área desenvolver uma “marca” pessoal como especialista em compliance?
Scherm: Uma marca pessoal é muito importante na área de compliance, assim como em outros negócios. Quero ser vista como uma pessoa altamente qualificada e experiente e não apenas como uma mulher simbólica. Além das qualificações, minhas qualidades femininas, como empatia, uma abordagem holística e perspectiva única, ajudaram muito a construir minha marca. Eu realmente acredito que equipes se beneficiam de todos os tipos de diversidade. Isso automaticamente traz diferentes opiniões e mais soluções.
Allen: Eu pessoalmente acredito que todo executivo sênior precisa criar sua própria ‘marca’. Nenhum cargo é para sempre, e nem o envolvimento com nenhuma empresa. Ser conhecida como uma profissional de compliance provavelmente levará a outras oportunidades de carreira em outras organizações. Alguns exemplos do que você pode fazer para construir sua marca incluem ministrar palestras em conferências, fazer apresentações ao conselho, se voluntariar para trabalhar com uma variedade de equipes internamente, contribuir com artigos para publicações de negócios e continuar aprendendo e atualizando certificações em compliance e gestão de riscos.
R&C: Que medidas as empresas podem adotar para realmente celebrar a diversidade e criar um ecossistema de sucesso? Há uma necessidade urgente de atrair, recrutar e reter ativamente profissionais do sexo feminino?
Allen: Definitivamente, é essencial que devem fazer parte de equipes de gestão de riscos corporativos (ERM) e participar ativamente de discussões sobre políticas de tolerância e gestão de risco. Devido à escassez de profissionais qualificados e experientes nessa área, é ainda mais importante que as empresas atraiam e retenham mulheres.
Scherm: Hoje, parte crucial do apoio à diversidade é oferecer treinamento sobre preconceito inconsciente para que possamos ter mais sucesso em equipes mais fortes e mistas. Devemos mudar a pergunta “O que a empresa pode fazer para apoiar a diversidade?” para “Qual é o valor agregado nesta área específica e como a diversidade pode contribuir para o sucesso da nossa empresa?” A resolução de problemas se torna muito mais fácil quando vários pontos de vista são trazidos à mesa, com base em diferentes experiências, opiniões e origens. Portanto, a questão não é apenas sobre ser homem ou mulher, mas também sobre a diversidade de faixas etárias e origens culturais, e assim por diante. Neste contexto, devemos também pensar em tomar decisões ousadas no processo de recrutamento. Por exemplo, um recém-graduado inteligente pode ser uma escolha melhor do que um especialista que não pensa fora da caixa. Preconceito inconsciente pode forçar o princípio da similaridade e só podemos superar isso quando a diversidade de gênero é implementada.
R&C: Que papel os homens podem desempenhar para ajudar a promover a causa das mulheres na área de compliance?
Khamis: Colegas do sexo masculino podem ajudar estando abertos à diversidade e entendendo seus pontos cegos. Homens também devem se esforçar para acolher a flexibilidade e se afastar do pensamento da “velha guarda”.
Roitman: Nossos colegas do sexo masculino precisam apreciar a diversidade no local de trabalho e resistir a estereótipos que impeçam as mulheres de terem uma voz forte. Além disso, devem ser defensores da mudança.
Scherm: A mudança de mentalidade é a base para direcionar a candidatura de mulheres a cargos de gestão. Precisamos que colegas do sexo masculino promovam ativamente a diversidade nas funções, assim como um forte planejamento de sucessão incluindo ativamente candidatos do sexo feminino. Nossos processos têm a sensibilidade apropriada, mas em algumas áreas ainda há espaço para melhorias quando se trata de implementação. Por exemplo: em nosso departamento de tecnologia, havia uma posição de gerência para ser preenchida. O responsável esperava que as funcionárias também se candidatassem. Em conversas entre elas, as mulheres chegaram à conclusão de que esperavam que ele as abordasse, supondo que já houvesse candidatos considerados para o cargo. Como resultado, nenhuma das mulheres quis se impor.
Allen: Em todas as organizações, os homens podem ser, e geralmente são, padrinhos de mulheres que estão progredindo. Homens são mentores. São executivos que podem levar talentos com eles, à medida que prosperam em suas carreiras. São membros de conselhos e podem apoiar a diversidade de forma proativa, trazendo as mulheres para conselhos e diretorias executivas como exemplos. Homens podem formar equipes e exigir que haja um número significativo de mulheres nelas. Todas essas ações podem ajudar as mulheres nessa área.
R&C: Como você vê a influência das mulheres na área de compliance evoluindo nos próximos anos? Que ações as principais profissionais de compliance podem tomar para ajudar gerações atuais e futuras de mulheres nesse âmbito?
Keller: O papel das mulheres em compliance não é tão diferente do que já exercem em qualquer corporação. Trabalho duro, perseverança, bons gestores e um pouco de sorte podem impulsionar as mulheres para os cargos mais altos de uma empresa. Individualmente, somos responsáveis por nossas carreiras, determinando quando ficar e quando sair. Ao contrário de muitas áreas em finanças, a maior parte das mulheres encontrou cargos igualitários no setor de compliance. É importante manter a honestidade, aprender, não esperar, estudar regras e execução, observar e ver o que outros profissionais estão fazendo e fazer perguntas. E, acima de tudo, entrar em contato com seus colegas e compartilhar.
Scherm: As gerentes femininas mais influentes devem ser exemplos, compartilhando seus conhecimentos e promovendo como a diversidade de gênero ajuda a otimizar o trabalho em equipe no dia a dia empresarial. E devem fazer um bom networking. Trata-se de conectar jovens profissionais talentosas com colegas influentes do sexo masculino, promovendo interações pessoais e oferecendo a oportunidade de entender os pontos fortes, tendências e limitações um do outro. Um mentor pode desempenhar um papel especialmente importante de orientação e agir como um parceiro de treino. Também é benéfico se manter flexível em termos de horário de trabalho quando se tem filhos pequenos. Mas geralmente somos bem organizadas, então é mais sobre visibilidade, a chance de se provar, acesso à informação e mentoring de alta qualidade.
Khamis: As profissionais de compliance devem liderar, desenvolver pontos fortes, ser corajosas e se conectar com outros profissionais. O resto se encaixará naturalmente.
Allen: Mulheres tendem a ser mais colegiais. Elas sabem ouvir melhor. Levam em consideração as várias partes interessadas, não apenas os acionistas. E são fantásticas na gestão de risco e compliance. Tratam reguladores com respeito e entendem os papéis que as pessoas desempenham.
Roitman: As mulheres precisam ser sinceras e diretas, e fazer parte da mudança. Os melhores líderes lideram pelo exemplo e, em cargos de compliance, risco e controle, isso significa ser uma profissional que entende de riscos, resolve problemas comercialmente e tem a capacidade de liderar com uma forte bússola moral para que empresas tomem decisões éticas.