Por Blake Schmidt e Michael Smith.
Quando Donald Trump retirou seu nome de um hotel na Barra da Tijuca em dezembro, a empresa dele afirmou ser motivada por atrasos no projeto e se referiu à decisão como “faxina normal” nas semanas antes de ele assumir a presidência dos EUA.
As investigações por promotores e parlamentares brasileiros sobre os fundos de pensão que financiaram o projeto pintam uma história diferente. Em documentos judiciais e entrevistas, os investigadores relatam que, em acordo negociado pela filha Ivanka e pelo filho Donald Junior, a Trump Organization se viu administrando um hotel bancado por personagens escuros, fundos de pensão temerários e — os promotores suspeitam — erguido sobre bases de corrupção.
O Ministério Público Federal investiga se o fundo FIP LSH, dono do hotel, subornou dois fundos de pensão estatais em troca de US$ 41 milhões em investimentos e inflou artificialmente o valor da propriedade (inacabada e onde a reportagem viu prostitutas na entrada em uma visita recente).
Os investigadores também querem saber se a Trump Organization lucrou “por meio de pagamento ilícito de comissões e propinas” aos fundos de pensão, de acordo com documentos judiciais. Ninguém da Trump Organization nem a empresa em si é alvo da investigação.
O MPF questionou até que ponto a Trump Organization fez diligência prévia. O deputado estadual Ricardo Ayres, do Tocantins, que liderou o inquérito sobre o fundo previdenciário para os funcionários do Estado, afirma que Trump deveria ter percebido no que se meteu e saído muito antes. “É curioso que os Trump aparentavam não saber que o maior negócio deles no Brasil era bancado por um fundo suspeito”, ele disse em entrevista em seu gabinete em Palmas.
Um advogado da Trump Organization, Adam Rosen, disse que foi realizada a diligência prévia no projeto no Rio de Janeiro, como ocorre em todos os empreendimentos de Trump. “Não tínhamos conhecimento de qualquer irregularidade a respeito do projeto antes do anúncio da investigação”, ele acrescentou. A LSH Barra afirma que o hotel, agora chamado LSH Barra Hotel, manterá seus padrões de qualidade e buscará parceria com outra marca após o término amigável com Trump, negando que o término seja relacionado à investigação criminal. A empresa afirma estar colaborando com os promotores.
Os advogados de Trump buscaram garantias de que não havia dinheiro sujo envolvido, a fim de não violar a Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras dos EUA (FCPA), disse Paulo Figueiredo Filho, empresário que fechou o acordo com os Trump em 2013.
“Eles estavam muito preocupados com isso”, disse Figueiredo, que deixou o cargo de diretor-executivo da empresa hoteleira no final de 2015 e se mudou para os EUA. Segundo ele, Trump não tinha como saber se havia financiamento ilícito porque os investidores não tinham capital aberto. “Estavam agindo de boa fé”, disse Figueiredo em entrevista realizada no mês passado em Miami. Ele nega ter sido contatado por investigadores e não acredita ser alvo da investigação, porque não tinha função no fundo proprietário do hotel.
Segundo uma pessoa familiarizada com a investigação, que exigiu anonimato para falar, os promotores suspeitam que discrepâncias entre o custo do investimento e o valor avaliado são sinais de corrupção, que poderia ter proporcionado ganhos à Trump Organization. Essa pessoa acrescentou que, para Trump e outros investidores, a diligência não pode terminar quando se chega a um acordo, mas precisa continuar enquanto o projeto é construído e depois de concluído. Já Ayres ressalta que fundos de pensão no Brasil são notórios pelos investimentos questionáveis e que quem faz a lição de casa sabe disso. No ano passado, foi anunciada uma operação ampla sobre fraudes em fundos de pensão de estatais em todo o País.
“Os fundos de pensão no Brasil sempre foram muito influenciados politicamente, com a maioria dos gestores nomeada por políticos, por isso muitas coisas obscuras aconteceram”, disse Sérgio Lazzarini, professor do Insper, em São Paulo.
Figueiredo relatou o acordo da seguinte maneira: os donos do hotel concordaram em pagar comissões para colocar o nome Trump no edifício de 13 andares e também uma parcela da receita pela gestão do empreendimento — um acordo costumeiro para Trump ao redor do mundo.
A Trump Organization permaneceu no negócio mesmo com a ampliação das suspeitas sobre os fundos de pensão Igeprev e Serpros, que começaram pelo menos em meados de 2014. Trump teve chance de sair do acordo de licenciamento em dezembro de 2015, segundo uma pessoa que conhece o contrato. Mas a empresa dele ficou por mais um ano, só saindo dois meses depois do anúncio da investigação criminal e poucas semanas antes da posse.
Os dois fundos haviam divulgado seus investimentos muito antes – no caso do Serpros no relatório anual de 2013, enquanto o presidente do Igeprev se referiu à participação do fundo no hotel de Trump em audiência no Senado em maio de 2015. Cada um deles estava envolvido em escândalos há mais de um ano. As autoridades interviram no Serpros, que representa os aposentados de uma empresa vinculada ao Ministério da Fazenda que presta serviços de tecnologia da informação, e toda a diretoria foi substituída a partir de maio de 2015. A Política Federal investigou o Igeprev, que representa aposentados do Tocantins, e os promotores solicitaram em junho de 2015 o congelamento dos ativos de cinco ex-executivos do fundo, incluindo o filho de um ex-governador, que presidiu o conselho do fundo.
Segundo Figueiredo, que é neto do ex-presidente da República João Figueiredo, o envolvimento de Trump no projeto começou no final de 2012, quando ele almoçou com Ivanka em West Palm Beach. Ele sonhava em construir um hotel na praia no Rio de Janeiro e queria o nome Trump nele. Hoje com 34 anos, Figueiredo diz que se inspirou no best-seller de Trump, A Arte da Negociação.
Quando o almoço com Ivanka começou, o helicóptero de Donald Trump pousou ali perto e o futuro presidente se aproximou. “Ele puxou uma cadeira e passamos 20 minutos ou meia hora falando sobre política”, disse Figueiredo. Alguns meses depois, Figueiredo escolheu Trump entre mais de uma dúzia de operadores para administrar o hotel.
Ele conta que negociou durante sete meses com Ivanka, Donald Junior e os advogados deles, fazendo diversas viagens à Trump Tower, em Manhattan.
O hotel ainda em construção na Barra de Tijuca representa o projeto mais concreto da Trump Organization no Brasil. Anos atrás, a ideia de um resort de golfe da marca Trump foi abandonada quando investidores brasileiros deram para trás. Em uma visita em 2014, Donald Junior prometeu entregar na região central do Rio o maior complexo de escritórios já visto em um grande país em desenvolvimento, mas nenhum tijolo foi colocado.
A maioria dos 170 quartos do hotel na Barra ainda não estava pronta quando começaram as Olimpíadas no ano passado, mas isso não impediu que Trump cumprisse a promessa de abrir para os jogos em agosto. Quando saiu do negócio em dezembro, a Trump Hotels afirmou que os empreendedores estavam “significativamente atrasados na conclusão da propriedade e que a visão deles não mais se alinhava às marcas de hotéis Trump”.
Segundo Andrea Lopes, administradora do fundo que é dono do hotel, um dos motivos do atraso foi a exigência de Trump de lençóis, papéis de parede e outros artigos de luxo que precisaram ser importados.
Esse nível de ambição e luxo não era mais evidente quando a reportagem visitou o hotel em novembro. Com vários quartos inacabados, prostitutas faziam ponto perto do letreiro com o nome Trump na entrada. O letreiro foi removido um mês depois.
Longe dali, em Palmas, um relatório interno do Igeprev, ao qual a Bloomberg teve acesso, concluiu que o ex-presidente do fundo, Flávio Sales, agiu sem aprovação do comitê de investimento quando injetou R$ 35 milhões (US$11 milhões) no hotel da marca Trump em agosto de 2014. Sales deixou de realizar estudos de risco e viabilidade antes de fazer o investimento “imprudente e altamente arriscado” que ia contra as normas do fundo, afirmou o relatório. O comitê também ficou perplexo com o fato de o Igeprev ter projetado um aumento de 56 por cento no valor do hotel em quatro meses, mesmo em um momento em que o mercado imobiliário do Rio esfriava por causa do excesso de oferta de hotéis em antecipação às Olimpíadas.
Promotores suspeitam que as medidas fazem parte de “gestão temerária” dos recursos do Igeprev que, segundo eles, segue o modus operandi da corrupção em outros fundos de pensão. Sales negou qualquer irregularidade e disse por telefone que conhece as “regras do jogo” após trabalhar para o Banco Central durante 30 anos.
No documento judicial que revelou a investigação criminal, um promotor federal também citou a suspeita de corrupção no outro projeto de Trump no Rio, um plano de construção de cinco torres de escritórios por US$ 1,5 bilhão, que nunca saiu do zero. O promotor escreveu que “favoreceu, de forma suspeita” a Trump Organization um suposto esquema de propinas entre um construtor e um deputado federal de peso para garantir investimentos de um banco público.
Um time que deve perder feio é o dos aposentados. O fundo do Tocantins calcula que seus pensionistas perderam no mínimo R$ 264 milhões de reais com 10 investimentos supostamente ilegais. O rombo pode chegar a R$ 1 bilhão se outras 24 apostas questionáveis, incluindo o hotel de Trump, divulgarem perdas.
“Para nós, foi um mau negócio”, disse Clayrton Cleiber da Silva, 41 anos, assistente administrativo no Tocantins e líder sindical que exigiu investigação de todos os investimentos, inclusive o acordo com Trump. Ele contribui 11 por cento do salário dele ao Igeprev. “O medo é que não sobre nada quando formos sacar durante a aposentadoria”, ele disse.
Para Trump, isso não é problema. Mesmo tendo desistido, a organização que leva o nome do presidente ainda pode ganhar dinheiro com o hotel. Como parte do acordo, os proprietários negociam pagar pelo uso do nome por cinco meses até o letreiro ser removido.
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