Por Gill Wadsworth
Em 2016, uma aposta de uma libra esterlina na vitória de Donald Trump na corrida presidencial nos EUA, na saída do Reino Unido da União Europeia e no Leicester City FC ganhando o campeonato inglês de futebol teria rendido uma fortuna de £4,5 milhões.
O fato de ninguém ter previsto esses eventos em 2016 mostra como o ano foi imprevisível. Os mercados reagiram quando esses choques abalaram o mundo. As moedas, especificamente, sofreram muitos solavancos.
Aquele ganho de £4,5 milhões antes do desfecho do Brexit em 23 de junho teria chegado a £5,29 milhões se a libra não tivesse perdido 15% do valor até outubro.
O dólar disparou após a vitória de Trump, mas mexicanos e canadenses sentiram duramente o resultado da eleição, com o peso atingindo o menor nível histórico e a moeda canadense caindo para o equivalente a 73,6 centavos de dólar americano.
Quem quisesse prever o desfecho do referendo britânico sobre a UE ou da eleição americana poderia ter dado uma espiada no mercado de câmbio. Michael Metcalfe, responsável por estratégia global e macroeconômica da State Street Global Markets, afirma que a atividade sinalizava o Brexit e a vitória de Trump.
“O mercado de opções cambiais deu um dos melhores sinais antecipados dos choques políticos do ano”, ele disse. “No caso da libra, houve viés significativo em favor da compra de proteção contra a depreciação da moeda. Nos EUA, observamos algo similar com a compra de proteção contra a fraqueza do peso mexicano.”
Contudo, choques no mercado – por maiores que tenham sido em 2016 – não são novidade. Em 2015, o banco central da Suíça provocou caos quando desatrelou o franco do euro, enquanto a depreciação do renminbi transtornou o mundo.
Segundo Tod Van Name, responsável global por negociação eletrônica de moedas e commodities da Bloomberg, os agentes dos mercados de câmbio precisam se equipar com tecnologia e liquidez adequadas para enfrentar esses eventos. “Os choques no mercado não só continuarão ocorrendo, mas podem até se tornar mais frequentes”, ele acredita. “Brexit, o crash momentâneo da libra e a depreciação do renminbi são apenas alguns exemplos dos movimentos voláteis recentes exacerbados quando a liquidez diminui. A melhor forma de lidar é ter uma estratégia eficaz de gestão de risco e acesso a liquidez ampla.”
Comprovando o argumento de Van Name, Robbie Boukhoufane, responsável por negociação global de câmbio e renda fixa da Schroders, conta que ficou “razoavelmente impressionado com a liquidez do mercado” em 2016, particularmente após o Brexit e a eleição presidencial nos EUA.
“Nossos principais relacionamentos com bancos permanecem extremamente importantes para nós, mas nas moedas nas quais a eletronificação é mais proeminente, formadores de mercado não bancários parecem estar contribuindo mais consistentemente e, embora não tenhamos acesso a essa liquidez bilateralmente com essas entidades, nós podemos acessar essa liquidez quando usamos algoritmos como ferramentas de execução”, ele acrescentou.
Obstáculos regulatórios
Novos regulamentos também são tendência importante no mercado de câmbio. Os desdobramentos de escândalos persistem e providências estão sendo tomadas para restaurar a reputação do setor. Em maio passado, o Grupo de Trabalho em Câmbio do Banco de Compensações Internacionais (BIS) revelou a primeira parte de um código de conduta global para esse mercado e vai apresentar códigos adicionais que cobrem negociação eletrônica, corretoras e corretagem para fundos de hedge em maio deste ano.
Simultaneamente, regulamentos que começaram a ser elaborados por diversos reguladores com alçada nacional e internacional após a crise financeira global continuam caminhando lentamente até se tornarem estatuto. A Lei Dodd-Frank, a Diretiva de Mercados em Instrumentos Financeiros (MiFID II) e Basileia III ainda não se concretizaram plenamente, mas Van Name afirma que influenciam os sistemas e processos do mercado de câmbio atualmente.
“O que começou com Dodd-Frank em 2009 agora está chegando à Europa com a introdução de MiFID II no início de 2018. Isso terá impacto significativo sobre o modo de negociação nos mercados e o modo de relatar transações. Além disso, os bancos precisam enfrentar provisões em Basileia III que terão impacto duradouro sobre as exigências de balanço patrimonial e, em última instância, sobre o apetite por risco dos principais formadores de mercado”, ele disse.
No entanto, o futuro da Lei Dodd-Frank agora é incerto. Trump não esconde sua insatisfação com a regulamentação defendida pelo antecessor Barack Obama e ameaçou desmantelar a lei. Para Chris Matsko, chefe de serviços de negociação cambial da Portware, “não está claro” se Dodd-Frank vai sobreviver.
Para Keith Underwood, fundador e presidente da empresa americana de consultoria e inteligência de mercado Underwood FX, “fazer retroceder (a regulamentação financeira) pode ser difícil agora porque é delicado afirmar que o monitoramento da comunicação e das transações por operadores é negativo ou inibe a realização de negócios”.
Influência da tecnologia
Embora não existam certezas quanto à evolução do marco regulatório sob um novo presidente, a marcha incansável da tecnologia é garantida. Houve notável avanço da tecnologia financeira no mercado de câmbio e seus agentes exigem melhor análise do custo das transações (TCA) e mensuração de desempenho.
Para Underwood, a tecnologia “ainda é voltada para reduzir o custo da realização dos negócios e aumentar o volume o máximo possível”.
A automatização do processo de negociação continua sendo o alvo das empresas de tecnologia financeira, mas Matsko acha que alguns operadores podem mostrar resistência a menos que a tecnologia se justifique completamente. “A tecnologia está tornando o processo de negociação mais eficiente e só está fazendo isso à medida que os operadores permitem.” Ele acrescenta que “algumas mesas são muito abertas a tornar seus processos mais eficientes via tecnologia. Outras dão determinados conjuntos de regras para execução. À medida que vão aceitando (a automação), definitivamente conseguem tornar o processo mais eficiente”.
Matsko diz que alguns operadores “das antigas” ainda preferem executar manualmente uma transação, acreditando que podem obter preço melhor falando diretamente com os corretores. “A questão é tentar entender se existe vantagem verdadeira de custo de uma maneira ou de outra; ou seja, se obtém execução melhor negociando um contrato a termo em ambiente eletrônico ou telefonando para o corretor”, ele explica.
De olho no futuro, Van Name destaca a negociação algorítmica e a tecnologia blockchain.
A negociação algorítmica vem se mostrando uma evolução importante em termos de redução do impacto no mercado e dos custos de transação. Para Van Name, isso beneficiou moedas de mercados desenvolvidos e também emergentes.
No entanto, Boukhoufane, da Schroders, gostaria de ver mais progresso tecnológico para ajudar na negociação de moedas de países emergentes, que têm pouca liquidez. “A negociação eletrônica é menos avançada (para moedas emergentes). A porta de saída continua estreita para algumas moedas de mercados emergentes, o que significa que a implementação continua crucial quando se entra em posições nas quais a liquidez pode evaporar quando os mercados estão com maior volatilidade e impulso.”
A tecnologia blockchain também se mostrou tendência importante para operadores e câmbio e Van Name acredita que continuará alimentando melhoria e eficiência em transações com Bitcoin. “A tecnologia blockchain e os benefícios operacionais que pode trazer se tornaram um assunto frequente e amplo”, ele acrescenta. “Transparência, imutabilidade, confiabilidade e velocidade são fatores que motivarão maior colaboração e custos menores.”
2016 foi um ano agitado e imprevisível não só no câmbio, mas nos mercados em geral. 2017 pode ser ainda mais tumultuado, com Trump se acomodando na Casa Branca, o futuro do Brexit sendo esclarecido e o destino da UE sendo traçado. Os operadores precisarão de muita cautela e a tecnologia dará retaguarda para que se mantenham focados na tarefa árdua adiante.