As indicações do Brexit para a eleição nos EUA

Por Matt Singh.

No auge da campanha eleitoral nos EUA, Donald Trump vem repetindo que o fracasso das pesquisas de opinião em prever a decisão do eleitorado britânico de sair da União Europeia em junho sinaliza surpresa similar a favor dele na próxima terça-feira. Ainda que o referendo que decidiu o Brexit possa oferecer várias lições, as evidências não respaldam outras conclusões.

Dois tipos de eleitor estão em foco. Eleitores improváveis — aqueles que geralmente não se preocupam em votar — resolveram ir às urnas no referendo sobre a UE, mas sua influência foi minimizada. Os eleitores tímidos — aqueles que relutam em admitir inclinações distantes do consenso (o termo técnico é viés de desejabilidade social) — mentem para quem faz a pesquisa. Os tímidos que defendiam o Brexit apareceram para votar, mas eram invisíveis nas pesquisas. Os tímidos partidários do conservadorismo foram culpados quando o resultado da eleição de 2015 contrariou expectativas de um parlamento dividido.

Então será que muitos defensores de Trump estão invisíveis agora e aparecerão para votar na terça-feira e dar vitória ao candidato republicano?

Existem paralelos entre a ascensão de Trump e a decisão do Reino Unido de sair da UE. Entre os temas comuns estão insegurança econômica, preocupações em torno da imigração e de mudanças na sociedade, reação contra elites consideradas distantes da realidade e a vontade de simplesmente chacoalhar a situação. Alguns elementos demográficos também são similares: o apoio a Trump e ao Brexit é maior entre os brancos sem curso superior.

Alguns que menosprezam essas comparações estão fazendo isso com base em hipóteses falsas. Eles argumentam que as pesquisas de opinião no Reino Unido mostravam diferença mínima, enquanto as pesquisas nos EUA consistentemente favorecem a candidata democrata Hillary Clinton. Durante toda a campanha pelo Brexit, a média de resultados de fato foi 50/50. Mas nas pesquisas no fim da campanha (mais confiáveis em um referendo, quando se espera uma migração para o status quo quando o dia da decisão se aproxima), o descompasso entre pesquisa e resultado foi bem mais claro.

No Reino Unido, as evidências sugerem que o viés de desejabilidade social pesou na eleição de 1992, mas não em outras. Por exemplo, em 2015, o Partido Conservador superou as indicações das pesquisas em locais onde tinha maior apoio — o oposto do esperado se as pressões sociais fossem importantes. O mesmo vale para o referendo de junho.

Nos EUA, se fosse evidente o viés dos defensores tímidos de Trump, era de se esperar uma divergência entre pesquisas feitas pela internet e por telefone. Existem muitas razões pelas quais métodos diferentes de pesquisa entregam resultados diferentes. Mas se os eleitores tímidos fossem um tema de relevância, a diferença precisava ser significativa. Em vez disso, a diferença é pequena. Tanto as pesquisas pela internet quanto por telefone costumam colocar Hillary Clinton na liderança.

Outro aspecto crucial do referendo do Brexit foi o salto na taxa de participação em cerca de seis pontos percentuais na comparação com a eleição de 2015. Embora as análises ainda não tenham sido concluídas, os dados até agora sugerem que milhões de pessoas que raramente votam decidiram votar contra o establishment.

Isso poderia ser um exemplo dos chamados “eleitores brancos faltantes” nos quais Trump aposta. Porém, se essa gente tipicamente ausente planeja participar desta vez, deveria aparecer nos dados iniciais de votação que os Estados americanos já estão publicando. Em vez disso, Hillary tem o que o New York Times descreveu como “liderança considerável” na Carolina do Norte, por exemplo, onde aproximadamente 40 por cento do eleitorado já votou. Um panorama similar está se delineando em Nevada.

Por fim, na campanha que decidiu o Brexit, seus defensores mostraram entusiasmo forte, coerente e consistente pelo lado escolhido. O bloco central de apoio a Trump é inegavelmente inabalável, considerando a capacidade dele de passar por cima de uma gafe atrás da outra. Porém, entre os republicanos de modo geral, há uma postura relutante que lembra o apoio morno do lado pró-UE no Reino Unido e não a coerência vitoriosa de quem defendeu o Brexit.

Seria insensato descartar a possibilidade de surpresa na eleição nos EUA na terça-feira. Ninguém deve presumir que acontecerá uma surpresa, só porque uma surpresa pode acontecer. Mas os defensores de Trump não deveriam contar com paralelos com o Brexit que simplesmente não existem.

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