Investidor Institucional - Adriana Dupita - Crédito direcionado: entre o uso e o abuso

Adriana Dupita

Investidor Institucional

Crédito direcionado: entre o uso e o abuso

Os primeiros cinco meses do terceiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deram pistas de que sua política econômica tende a buscar um delicado equilíbrio entre a estabilidade macroeconômica, redistribuição de renda e estímulo ao crescimento. É uma tarefa complexa, ainda mais diante do pouco espaço fiscal e da baixa influência que o Presidente tem hoje sobre a política monetária. Neste contexto, pode ser grande a tentação de recorrer a um dos poucos instrumentos que estão à mão: a expansão do crédito direcionado pelos bancos estatais. A decisão de voltar ou não à política de crédito direcionado abundante e subsidiado do passado pode definir, em grande medida, o resultado e o legado econômico deste mandato.

A forte expansão do crédito direcionado – que passou de 31.6% do crédito total antes da crise financeira de 2008 para cerca de 50% ao final do governo da Presidente Dilma Rousseff – foi muito analisada tanto por especialistas em políticas públicas como pela academia. Destaco alguns estudos que oferecem insights interessantes.

  • Os empréstimos direcionados podem ser muito custosos para a sociedade. O Tesouro Nacional estima que as operações do BNDES a taxas fortemente subsidiadas impuseram aos cofres públicos um custo de mais de R$ 328 bilhões (em valores atualizados) entre 2008 e 2022 (1) – o impacto provavelmente teria sido maior não tivesse o BNDES pago antecipadamente parte dos empréstimos tomados da União. Para comparação, no mesmo período foram gastos R$ 587 bilhões com o Bolsa Família e o Auxílio Brasil, programas que atendem a milhões de beneficiários.
  • O efeito destas operações sobre as empresas que delas se beneficiam não é incontestável. O Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) estimou que a cada 1 real em desembolsos do BNDES neste período, apenas 15 centavos se tornaram investimentos adicionais das firmas beneficiadas – e o subsídio em si teve efeito negligenciável sobre o aumento de investimento das empresas (2).
  • Para a economia como um todo, o abuso no crédito direcionado pode prejudicar produtividade e crescimento. Um premiado trabalho de discussão do Banco Central (3), fruto da dissertação de mestrado de Mailliw Serafim (USP), concluiu que os benefícios do direcionamento de crédito – mesmo quando focado em empreendedores mais pobres ou mais produtivos — não compensavam o impacto negativo sobre a produtividade da economia advindo das distorções alocativas que tal política induzia.
  • Mesmo quando o crédito direcionado não é subsidiado, uma expansão muito forte pode acabar tendo um resultado oposto ao desejado. É o que mostra um estudo de pesquisadores do Banco Central e das universidades de Chicago, Princeton e Northwestern (4). Os autores se debruçaram sobre dados individuais de crédito, renda, trabalho e consumo via cartão de crédito para entender os efeitos da oferta ostensiva de crédito consignado pelos bancos estatais durante o primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff, especialmente para funcionários públicos. Seus resultados sugerem que a oferta de crédito, absorvida de forma desproporcional por tomadores de menor grau de educação financeira, levou estas pessoas a reduzirem significativamente seu consumo nos anos seguintes para arcar com o pagamento da dívida contraída – diminuindo seu bem-estar e possivelmente contribuindo para a forte recessão econômica vivida em 2015/2016.
  • Juros baixos para alguns leva a juros altos para todos os outros. O corpo técnico do Banco Central estima que os juros cobrados em operações de crédito direcionado sejam muito menos sensíveis a mudanças na taxa básica de juros e, portanto, reduzem a potência da política monetária (5). Este raciocínio sustenta a reiterada advertência feita pelo Comitê de Política Monetária (Copom) de que uma retomada de estímulo via crédito direcionado poderia elevar os juros neutros da economia e representar um obstáculo à redução da taxa Selic.

Tais evidências recomendam moderação e sabedoria no uso do crédito direcionado no governo Lula III –principalmente considerando que, comparado ao final de Lula II, os consumidores estão hoje mais endividados e há menos espaço fiscal para acomodar os custos de subsídios ao crédito. Isto não significa de forma alguma relegar os bancos públicos a um papel secundário. Mas é preciso focar sua atuação em quem tem mais dificuldade no acesso ao crédito – como pequenas e médias empresas e setores de inovação. Eventuais subsídios se justificam apenas em setores cujos benefícios sociais excedam seus ganhos privados – como os relacionados à transição energética – e precisam estar explícitos aos contribuintes que os bancam. Por fim, é crucial que, ainda que se decida por ofertar crédito direcionado a custos mais baixos que os de mercado, suas taxas sigam as mudanças de política monetária. Do contrário, uma eventual ampliação do crédito direcionado pode significar grandes custos fiscais sem trazer nem mais crescimento, nem menos juros.

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