Por Stephen Gandel.
O Spotify em breve lançará bastante luz sobre o tamanho dos buracos de nossos mercados de capitais. Os bancos, e muitos outros além deles, devem ficar atentos.
Em certo momento, supostamente no fim de março, as ações do serviço de streaming de música começarão a ser negociadas pela primeira vez. A transação, uma listagem direta, chama a atenção há algum tempo por sua singularidade. Não receberá a pompa habitual dispensada às ofertas de ações — nenhum roadshow, nenhum período de silêncio, nenhuma venda de ações coordenada, nenhum IPO de fato. As ações do Spotify simplesmente surgirão em uma manhã e serão negociadas como qualquer outra ação. Ou pelo menos esse é o plano.
A coisa pode não funcionar dessa maneira. As ações poderiam despencar, subir, ou subir e depois cair, ou cair e subir, ou simplesmente não serem negociadas devido a uma incompatibilidade entre compradores e vendedores. Isso, obviamente, é importante para os bancos, que normalmente lideram listagens desse tipo no mercado de ações e cobram elevadas comissões por isso, particularmente em IPOs. Mas se as ações do Spotify conseguirem passar tranquilamente do mercado privado para o público por conta própria, isso poderia criar um novo modelo para empresas em crescimento, em que levantarão todo o dinheiro em mercados privados e farão todas as negociações nos públicos, com pequenas variações (o Spotify tem uma situação um pouco incomum pelo fluxo de caixa positivo e por não precisar levantar mais dinheiro). Os bônus dos bancos estão condenados.
E essa tem sido a tendência dos mercados. O atrapalhado IPO do Facebook gerou impulso para mudar a regra que limitava o número de investidores que as empresas privadas podiam ter. Os hedge funds ativistas e a contabilidade trimestral de curto prazo dos mercados públicos repeliram os grandes empreendedores. Surgiram os unicórnios da tecnologia. A Uber Technologies tem milhares de investidores e um mercado líquido o bastante em ações para que o CEO demitido Travis Kalanick vendesse sem problemas um terço de sua participação, ou quase US$ 1,3 bilhão, segundo informações da semana passada. E tudo isso foi possível sem abertura de capital, tecnicamente falando.
Tudo isso também gerou muita angústia em relação aos mercados públicos. As IPOs retornaram no ano passado, de certa forma, mas ainda em nível inferior ao de meados da década de 2000 e muito abaixo do que os investidores esperariam para um mercado e uma economia em expansão. O Wall Street Journal publicou recentemente que os mercados públicos estavam “encolhendo diante de nossos olhos”. O presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês), Jay Clayton, transformou o aumento do número de IPOs em missão pessoal, propondo, sob o guarda-chuva antirregulatório do governo Trump, flexibilizar as regras relacionadas a elas. O argumento é que o investidor médio deve ter uma chance de investir nessas empresas em crescimento. Mas o esforço provavelmente abrirá mais portas para fraudes no mercado público do que para empreendedores genuínos e suas empresas. E quando ocorrem, muitas IPOs de destaque — como o da Blue Apron Holdings, por exemplo — acabam sendo um fracasso.
Mas e se a mescla atual de mercados privado e público funcionar e o problema se resumir ao mecanismo de transição, ou seja, às IPOs que tanta gente tanto quer recuperar? O professor da Escola de Negócios da Universidade da Flórida Jay Ritter, provavelmente o acadêmico que mais pesquisou sobre o mercado de IPOs, afirma que o mercado de IPOs não precisa ser tão grande assim para ser viável. O Spotify poderia mostrar um novo caminho a seguir, o que está assustando os bancos e dando aos órgãos reguladores muito em que pensar.
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