Nova mentalidade para uma economia instável

Por Mohamed A. El-Erian.

Como empresas e investidores descobriram de forma dolorosa em 2008, a liquidez pode ser extremamente esquiva quando mais se precisa dela.

Em breve, por razões estruturais e operacionais, tudo indica que a liquidez se tornará bastante irregular quando os mercados sofrerem a próxima queda acentuada. A turbulência das últimas semanas proporcionou uma imagem vívida de que a economia mundial e os mercados financeiros estão passando por duas transições.

A primeira tem a ver com passar de um regime prolongado de volatilidade financeira reprimida a um ambiente de maior instabilidade. O principal motivo é que os bancos centrais têm menos disposição ou capacidade para agir como supressores da volatilidade. A segunda envolve o distanciamento que está ocorrendo em relação aos balanços contracíclicos. Enfrentando normas mais estritas e um apetite extremamente reduzido no mercado por desvios na rentabilidade a curto prazo, as corretoras mostraram que estão muito menos dispostas a aceitar estoque quando a especulação aumenta no mercado.

No entanto, a liquidez ainda tende a ser subestimada pelos investidores financeiros – tanto no sentido absoluto quanto em relação a corporações que, mesmo hoje, se inclinam a manter uma boa quantidade de dinheiro no balanço.

Dois grandes motivos explicam por que os investidores financeiros tenderam a dar tão pouco valor à liquidez e, assim, subestimar as consideráveis possibilidades de escolha que vêm com ela.

Primeiro, eles foram condicionados diversas vezes a acreditar que os bancos centrais iriam intervir para normalizar os mercados – e a fazê-lo praticamente diante dos primeiros sinais de estresse real.

Segundo, a liquidez é “carregamento negativo” no sentido de que ela geralmente envolve privar-se de certo potencial de receita (e, possivelmente, da valorização do capital) em comparação com outros modos de empregar o dinheiro – por exemplo, não ganhar nada com o dinheiro quando se poderia investir em um bond de yield alto, mas sujeito a uma série de fatores de risco.

Por mais que esses argumentos sejam válidos, eles não deveriam ser usados para obscurecer as realidades estruturais existentes. Além disso, quanto mais tempo os bancos centrais continuarem a cumprir seu papel das últimas décadas de “única saída possível” – ou seja, seguir políticas destinadas a reprimir a volatilidade do mercado e aumentar artificialmente os preços dos ativos – maior será o risco subsequente à efetividade e à autonomia operacional deles.

Isso não quer dizer que os investidores financeiros deveriam correr para liquidar suas posições e manter tudo em dinheiro. Há evidências claras de que a distribuição dos resultados potenciais desse período de transição tem duas vias, com probabilidades relativamente altas tanto de um desfecho bom quanto de um ruim.

Em vez disso, os investidores deveriam lutar por um posicionamento da liquidez em harmonia com esse tipo de distribuição, pois a economia mundial está se aproximando de uma intersecção de três vias, o que os britânicos chamam de cruzamento em T.

O caminho que a economia global está tomando atualmente de fato vai chegar ao fim em breve e resultará em duas alternativas bem diferentes e contrastantes: um estado materialmente melhor ou materialmente pior para o mundo.

Não há nada de inevitável no caminho pela frente. O que corporações, governos e famílias fazem pode exercer uma influência importante nas probabilidades, que agora estão muito equilibradas. Simplificando, o maior catalisador para pegar o caminho bom no cruzamento em T é uma mistura de políticas econômicas melhores e turbocompressores.

Isso pode acontecer se o processo decisório da política econômica nacional de alguns países importantes sistematicamente passar por um “momento Sputnik” que agrupe os políticos em prol de uma visão comum e de um objetivo nacional. Isso possibilitaria uma implementação contínua de medidas, como reformas estruturais que visem o crescimento, uma demanda agregada mais equilibrada e a eliminação de excessos de dívida persistentes, junto com uma coordenação aprimorada da política mundial. O desafio é garantir que a curva feita no cruzamento em T vá em direção a uma existência econômica e financeira melhor, não pior. Senão, a economia mundial se verá atolada em um crescimento ainda menor, com maior desigualdade e instabilidade no mercado – e tudo isso pressionaria a coesão política e social e aumentaria o risco de tensões geopolíticas.

Por mais arduamente que tentemos, e eu tentei com muito empenho, é difícil prever com exatidão quando chegaremos ao cruzamento em T e qual direção tomar. Mas a situação atual tem menos a ver com o destino do que com as alternativas que acabamos definindo coletivamente, de forma consciente ou não. Como resultado, uma questão central é como provavelmente vamos reagir quando o ambiente com que nos acostumamos der lugar a outro mais incerto e o que podemos fazer agora para aumentar nossas chances de sucesso.

Uma abordagem tentadora é esperar que os outros melhorem as coisas por nós. Explorando as pontes que os bancos centrais construíram a muito custo e cujo poder foi conferido pelo sistema político, os governos podem e devem se empenhar para aumentar a distribuição de probabilidade dos resultados futuros, tanto por conta própria, através de uma melhor cooperação multilateral, quanto através de parcerias entre os setores público e privado.

E todos nós podemos ter um papel defensor. Mas não se trata somente de que os governos tomem jeito. Nós podemos e devemos entrar em ação, e podemos começar reconhecendo as mudanças que vêm pela frente e o que fazer em relação a elas.

A ênfase deveria estar em desenvolver respostas a distribuições de duas vias desconhecidas. Ao tentar prever acontecimentos futuros, a maioria de nós se baseia em modelos que contêm distribuições normais e bem-comportadas que abrangem uma probabilidade dominante de um determinado resultado. Quando entramos no mundo de duas vias, nossas reações habituais serão muito menos efetivas, e correremos o risco de paralisar-nos ou ficarmos inertes.

O reconhecimento dessa mudança começou, e compreender a transição básica é o primeiro passo para transitar melhor o panorama que vem pela frente. Essa é uma condição imprescindível, mas insuficiente. É preciso suplementá-la com as ferramentas adequadas, estruturas renovadas, processos atualizados, mentalidades abertas e modificações ao comportamento.

(Este é um trecho do livro “The Only Game in Town: Central Banks, Instability, and Avoiding the Next Collapse”, que será publicado na terça-feira pela Penguin Random House.)

Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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