A inteligência artificial no setor de serviços financeiros tem sido alardeada como tecnologia que trará mudanças drásticas nos fluxos de trabalho e processos de Wall Street, passando por vendas, negociação de instrumentos financeiros, investimentos, câmbio e compliance. Talvez o ritmo dessa mudança tenha sido exagerado, mas a inteligência artificial está impactando diversas áreas, com aceleração de novas aplicações ao vivo e tecnologias.
O maior alcance e a complexidade dos regulamentos pressionam as organizações a automatizar uma parte significativa de seus processos de compliance. Desde a crise financeira global, em 2008-2009, os órgãos reguladores intensificaram as exigências de reporte de informações para aumentar a transparência e a aderência a regulamentos. O resultado líquido foi que exigências maiores elevaram o custo e o tamanho das equipes de compliance e também a quantidade de dados criados e registrados. Isso não é necessariamente um impedimento à realização de negócios, porém bancos, órgãos reguladores e empresas de tecnologia precisaram aprender muito. A regulamentação pode frear a adoção de inteligência artificial em alguns casos, mas também pode criar oportunidades no curto e longo prazo.
A nova expansão dos dados
As instituições financeiras atualmente estão divulgando mais informações sobre seus balanços patrimoniais, passivos, exposições fora do balanço, medidas de liquidez, garantias e níveis de capital. Esses detalhes são informados com maior frequência e com especificidade e acompanhamento histórico jamais vistos. A Diretiva de Mercados em Instrumentos Financeiros — nova regra conhecida pela sigla MiFID II e talvez a exigência regulatória europeia mais abrangente para o setor financeiro em décadas — vai gerar uma mina de ouro digital de dados de negociação de instrumentos financeiros. Esse regulamento requer registro de enormes quantidades de dados bem definidos e estruturados para revisão pelos reguladores e compartilhamento com contrapartes e plataformas de negociação. Sob MiFID II, que entra em vigor em janeiro de 2018, as instituições vão relatar diversos dados pré e pós-negociação, plataforma de execução, local de publicação, código de identificação da transação e muito mais.
Muitos desses dados serão novos e capturá-los pode ajudar as organizações a criar ferramentas de análise melhores – determinando qual a melhor plataforma, os custos com atraso na execução de transações, retratos do mercado como um todo, custos de liquidação e outras informações avançadas. Cientistas de dados estão tentando lidar com a gigantesca quantidade de dados disponíveis – 50-60 bilhões de pontos de dados por dia. Esses pontos de dados podem ser usados para mostrar o estado atual dos mercados em tempo real e de modo preciso e em modelos preditivos que aplicam inteligência artificial e outras técnicas estatísticas de ponta.
Evolução da relação simbiótica entre órgãos reguladores e instituições financeiras
Além de desencadear a expansão dos dados, os novos regulamentos também criam oportunidades para a inteligência artificial provar sua utilidade, ao ajudar as organizações a cumprir regras.
As instituições financeiras investigam formas de a inteligência artificial e o aprendizado de máquinas (segmento da inteligência artificial baseado no princípio de que as máquinas conseguem aprender sozinhas se receberem dados de treinamento suficientes) simplificarem a prestação de contas e compliance. A previsão é que o segmento de tecnologia em regulamentação conhecido como “RegTech” reduza o custo de compliance. Segundo a Celent, os gastos com tecnologias de gestão de risco e compliance relativa a risco vão chegar a US$ 72 bilhões em 2019.
Diante do maior número de regulamentos e da complexidade das multinacionais, fica difícil até acompanhar as novas regulamentações. O foco primário das empresas do segmento de tecnologia em regulamentação é tornar mais fáceis os procedimentos de reporte de informações, como regras de conhecimento de clientes, informações fiscais e regras de combate à lavagem de dinheiro. Uma das startups desenvolve software para os bancos processarem em tempo real — e não em lote — formulários de impostos para cumprimento de regras de compliance.
A tecnologia em regulamentação também ajuda as instituições a entenderem os regulamentos e como se aplicam a elas. Há experiências com plataformas capazes de simplificar a pesquisa regulatória, por exemplo. Essas soluções conseguem integrar diversos regulamentos diretamente nos fluxos de trabalho de compliance, permitindo a simplificação de estruturas organizacionais, normas e interpretações. As soluções podem alertar gestores para falhas de controle que exigem atenção, dando a chance de identificar problemas em vez de reagir a eles. Um escritório de advocacia trabalhou com uma companhia de tecnologia para desenvolver um kit de ferramentas automatizadas para avaliação do impacto de MiFID II, ajudando usuários a filtrar milhares de páginas de regulamentos para encontrar as áreas relevantes para seu tipo de negócio, cliente e produto. Também estão em desenvolvimento robôs que oferecem conselhos especializados sobre determinadas seções de uma regulamentação.
Os órgãos reguladores também estão de olho na inteligência artificial e no aprendizado de máquinas. A Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido avalia o possível uso dessas tecnologias para reforçar o cumprimento de regulamentos.
O órgão estuda adaptar seu manual para que possa ser lido por máquinas, o que significa que as máquinas conseguiriam interpretar e implementar as regras diretamente.
À medida que a inteligência artificial evolui, os regulamentos e os órgãos reguladores vão impedir e facilitar seu desenvolvimento, dependendo da ocasião. Ao pressionarem as instituições financeiras por mais transparência, regulamentos como MiFID II funcionam como catalisadores de uma gigantesca base de dados valiosos que podem ajudar as organizações a automatizar eficiências em diversos processos, refinar a negociação automatizada de ativos para transações menores ou programar algoritmos melhores. Quem tiver um olhar oportunista e sair na frente dos regulamentos pode ganhar vantagem competitiva.
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