Por Josué Leonel, com a colaboração de Paula Sambo, Denyse Godoy, Patricia Lara e Daniela Milanese.
A decisão do BC de manter a Selic em 14,25%, quando até segunda-feira a maioria do mercado esperava alta de 0,50 pp, pode ser comparada ao Copom de agosto de 2011, que cortou os juros quando os analistas esperavam estabilidade. Além da surpresa, também a explicação, focada na crise externa, se repete. O desafio do BC é evitar outra repetição: o insucesso em baixar a inflação e estimular o crescimento. A reação do mercado hoje, com disparada do dólar e alta dos juros mais longos, é um mau presságio.
Enquanto o fator-surpresa e o uso da crise externa para explicar a decisão do Copom são similares a 2011, a principal diferença é que hoje o quadro da economia é bem pior, diz Roberto Padovani, economista do Banco Votorantim. “Hoje a inflação é bem maior e a situação fiscal bem mais precária”.
Assim como outros economistas do mercado, Padovani considera que a estabilidade da Selic poderia ser explicada tecnicamente, mas a forma como foi feita, acompanhada de ruídos políticos e erros de comunicação, gera incertezas que acabam prejudicando a economia real. “O governo pressiona o BC a não subir os juros. Ocorre que desta forma a curva de juros piora, aumentando ainda mais o estresse financeiro na economia.”
“O mais espetacular é que, apesar de o BC não ter subido os juros, o custo financeiro está aumentando, e não caindo.” Isso ocorre, diz Padovani, porque as operações de crédito na economia, tanto as feitas por empresas e consumidores como as próprias captações de recursos pelo governo, levam em conta a chamada curva de juros, o comportamento das taxas de contratos futuros negociados na BM&F. Hoje, por exemplo, os contratos mais curtos estão caindo, mas os mais longos sobem, com a taxa para 2021 encostando em 17%. A alta dos juros longos reflete a visão do mercado de que, sem uma política monetária mais firme, a inflação poderá voltar a subir, exigindo que o BC retome a alta dos juros no futuro.
A decisão do Copom, que vai contra a sinalização de alta dos juros que o próprio BC vinha emitindo ao mercado até duas semanas atrás, foi alvo de muitas críticas entre analistas. “A forma como o BC pareceu mudar sua posição pode acabar custando em termos de credibilidade”, disseram analistas da corretora Nomura em relatório.
Apesar dos erros de comunicação do BC, Padovani, do Votorantim, observa que o problema vai muito além de uma comunicação errática. “A questão é mais ampla, é como se vai administrar a política econômica com tanta restrição política, já que não se pode fazer nem política monetária nem fiscal, e ainda por cima em um contexto de cenário externo negativo.”
A sensação de “déjà vu” também inclui analistas já considerando cortes na Selic, embora ainda não se fale nos níveis recordes de baixa que se seguiram ao Copom de 2011. “Não me surpreenderia se BC começar a discutir corte da Selic”, diz o economista-sênior do Goldman Sachs, Alberto Ramos. Para ele, o BC não se guiou por pressões políticas e sim por uma avaliação da economia diferente da do mercado. Ainda assim, Ramos, que previa alta de 0,50 pp da Selic, vê maior risco de o BC não conseguir trazer a inflação para a meta. Foi uma decisão “arriscada”, afirma.
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