O que significa “Não prejudicar significativamente”?

Artigo escrito por Nadia Humphreys, gerente de negócios, soluções financeiras sustentáveis da Bloomberg, correlatora da Plataforma para Finanças Sustentáveis da Comissão Europeia.

Demonstrar que os investimentos “não prejudicam significativamente” é uma base fundamental da nova estrutura de finanças sustentáveis da União Europeia. Porém, na prática, determinar como aplicar este princípio pode ser algo complexo para os investidores. Regulamentos como o SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation, em inglês), a taxonomia para atividades sustentáveis e o tegulamento de benchmarks referem-se a isso com diferentes nuances. Como os investidores podem demonstrar que seus investimentos não estão causando danos, especialmente para empresas que não são da União Europeia? O que eles precisam mensurar, e com quais tipos de dados?

Por que os investimentos “não devem prejudicar”

Os reguladores da UE introduziram o princípio de “não prejudicar significativamente” (DNSH – Do No Significant Harm, em inglês) para evitar processos de investimento limitados que se concentrariam em um objetivo ambiental ou social específico, sem considerar suficientemente outros objetivos. Isto é particularmente importante, pois esse novo direcionamento de “emissões líquidas zero” está atraindo capital para ajudar a descarbonizar a economia. Como resultado, metas e métricas usadas para avaliar os investimentos tendem a se concentrar no carbono emitido por uma empresa em detrimento de outros conjuntos de dados ambientais importantes, como boa gestão hídrica, de resíduos e biodiversidade. O princípio DNSH ajudará a garantir que empresas que se destacam no aspecto ambiental cumpram um padrão de base mínimo em outros.

Isto será cada vez mais importante, pois a Comissão Europeia pretende adotar um ato delegado complementar que garantiria o reconhecimento da energia nuclear sob a Taxonomia. A energia nuclear fornece uma energia dentro do limite de 100gCO2e/kWh para uma contribuição substancial, mas muitas ONGs, acadêmicos e membros da sociedade civil salientaram que usinas mal administradas podem prejudicar significativamente a biodiversidade local por meio de práticas de gestão hídrica ou de resíduos insuficientes.

Como os regulamentos da UE se referem a “não prejudicar significativamente”

1) Regulamento de divulgação de finanças sustentáveis

De acordo com o Artigo 2(17), investidores que alegam ter feito um “investimento sustentável” precisam demonstrar que:

  • trata-se de um investimento em uma atividade econômica que contribui para um objetivo ambiental ou social,
  • o investimento não prejudica significativamente quaisquer objetivos sociais ou ambientais e
  • a empresa investida segue boas práticas de governança.

Os investidores precisam considerar o DNSH no contexto dos objetivos gerais de seu produto de investimento. Os principais conjuntos de dados para evidenciar o cumprimento do Artigo 2(17) incluem:

  • Contribuição para um objetivo ambiental ou social: os investidores precisam de métricas ou metas que demonstrem o desempenho do produto de investimento em relação a este objetivo. Por exemplo, se um produto pretende reduzir resíduos, a métrica pode ser uma combinação de resíduos totais produzidos pelas empresas investidas, uma métrica de intensidade de resíduos ou esforços desenvolvidos por meio de tecnologia ou práticas de reciclagem para reduzir os resíduos. Não há métricas únicas que os investidores devam usar em todos os produtos. Os dados devem corresponder ao objetivo do fundo e podem, portanto, variar de produto para produto.
  • Princípio DNSH para qualquer objetivo social ou ambiental: demonstrar que estes investidores precisam divulgar os principais impactos adversos (PAI – Principle Adverse Impacts, em inglês) e definir tolerâncias aceitáveis com relação a indicadores específicos de PAI estabelecidos no Anexo I das Normas Técnicas Regulatórias (RTS) de fevereiro de 2021. Os indicadores de PAI são um conjunto de dados obrigatórios e opcionais pré-definidos, como pegada de carbono, métricas de água e resíduos e políticas de direitos humanos. Um investidor também pode usar esses dados para explicar como um investimento visa melhorar ao longo do tempo, ou escolher um limite ou nível de tolerância específico a partir do qual o desinvestimento ocorreria em relação a certos indicadores.
  • Boa governança: os investidores precisam provar que as empresas investidas seguem boas práticas de governança, especialmente no que diz respeito às estruturas de gestão, relações com funcionários, remuneração e conformidade fiscal. Como a definição de “boa” não é definida no regulamento, os investidores precisam usar dados disponíveis e fazer avaliações subjetivas.

2) Taxonomia da UE para atividades sustentáveis

Para uma empresa investida demonstrar que possui faturamento, capex ou opex alinhado à Taxonomia, ela precisa demonstrar que contribui substancialmente para pelo menos um dos seis objetivos ambientais e não prejudica nenhum outro. O regulamento Taxonomia fornece métricas claras e baseadas em limites para demonstrar que o princípio DNSH é cumprido.

Os dados de controvérsias ambientais tendem a ser usados como uma referência do indicador de danos do regulamento Taxonomia. Entretanto, trata-se de uma ferramenta imprecisa e falha em algumas áreas críticas.

  • As controvérsias são raramente baseadas em atividade, mas geralmente indicam o “Sim/Não” na conformidade de uma empresa e não identificam quais partes da receita da empresa são impactadas.
  • As controvérsias raramente consideram os esforços corretivos para solucionar problemas, enquanto a Taxonomia incentiva uma abordagem de investimento ativa.
  • As controvérsias podem não aplicar os requisitos de teste mais específicos dos Atos delegados. Por exemplo, uma empresa que investe em energias renováveis pode estar contribuindo de maneira substancial, mesmo que tenha uma subsidiária que prejudique o objetivo da mitigação ao produzir energia acima do limite de 270gCO2e/kWh para danos. Embora uma subsidiária seja considerada prejudicial, e sua receita não possa ser contabilizada, a outra é considerada como contribuidora substancial e sua receita pode ser contada.

Mas os investidores terão ajuda, pois grandes empresas europeias listadas precisarão garantir o cumprimento dos testes DNSH a partir de janeiro de 2023. Os investidores dessas empresas poderão usar essas informações em seus próprios relatórios. No entanto, para aqueles que queiram obter um alinhamento com as referências para empresas investidas europeias ou internacionais não listadas usando estimativas, é possível fazer isso sob “informações equivalentes”, segundo o Artigo 16b das RTS para apresentação de dados ao nível de produto.

A orientação sobre “informações equivalentes” ainda será divulgada, mas neste meio tempo, um bom princípio seria começar garantindo que a empresa investida de fora da UE não tenha um ônus mais baixo do que sua equivalente na UE. Uma referência de dados que mede o cumprimento das leis locais pode não ser suficiente. Idealmente, a empresa de fora da UE precisa ter a mesma abordagem para práticas de avaliação de riscos climáticos, gestão hídrica e de resíduos assim como as empresas equivalentes da UE, evidenciada em relatórios de sustentabilidade corporativa. Ao considerar uma referência para o princípio DNSH, é importante que os investidores possam ver o alinhamento com os testes no regulamento ou com os princípios nos quais os regulamentos da UE se baseiam.

3) Benchmarks alinhados com o Tratado de Paris

Nos termos do novo regulamento de benchmarks o Artigo 19b afirma que as empresas incluídas nos índices de transição climática não podem prejudicar significativamente outros objetivos ESG. Isso é mais esclarecido no Regulamento delegado nos termos do Artigo 12(2), que afirma que “os administradores de Benchmarks da UE alinhados com o Tratado de Paris devem excluir destes benchmarks quaisquer empresas descobertas ou estimadas por eles ou fornecedores de dados externos que estejam prejudicando significativamente um ou mais dos objetivos ambientais”, com referência direta ao regulamento Taxonomia. Os mesmos requisitos serão aplicáveis aos benchmarks de transição climática da UE a partir de 31 de dezembro de 2022 nos termos do Artigo 10(2) do Regulamento Delegado. Há também orientações sobre o uso de estimativas no Artigo 13(2) deste regulamento, que solicita que tais metodologias sejam claramente explicadas e estejam em conformidade com os princípios da precaução.

Portanto, os dados de DNSH usados para avaliar o alinhamento com a Taxonomia devem ser usados para benchmarks alinhadas com o Tratado de Paris. No entanto, é compreensível que os administradores de benchmarks recorram frequentemente aos dados de controvérsias ambientais para esta avaliação, pois a Taxonomia mede danos ao nível de atividade e não ao nível da empresa. Mesmo assim o regulamento Taxonomia é claro, e as empresas que não cumprem os requisitos de DNSH devem ser excluídas. Uma abordagem pode ser a de excluir empresas com base em controvérsias ambientais, mas garantindo que as empresas investidas estejam pelo menos em conformidade com as expectativas mínimas da Taxonomia.

Para concluir, os investidores não devem mais investir sem tomar cuidado com a abordagem holística de sustentabilidade de seus produtos de investimento. Assim, é fundamental que eles entendam as nuances destes regulamentos da UE e se certifiquem que detêm dos dados e referências certos para explicar seus investimentos por meio destes novos marcos regulatórios. À medida que mais investidores se tornam cautelosos com greenwashing, é essencial ter uma abordagem robusta para fazer uma devida análise dos dados.

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