Por Simone Iglesias e Raymond Colitt.
O ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, construiu uma carreira de sucesso mapeando os votos dos congressistas e os cargos que cada partido ocupa em Brasília e nos estados. Ele desenvolveu um dom sobre o qual aliados e adversários políticos concordam: o de prever resultados finais de votações. É quase que obrigatório prestar atenção em suas estimativas, quando declara se há ou não chance de um projeto ser derrotado ou aprovado. Caso de agora, em que os deputados terão que decidir se o presidente Michel Temer terá que enfrentar um julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Pelas contas de Padilha, a autorização que precisa ser dada pela Câmara para que os ministros do STF possam avaliar as denúncias não terá um terço dos 342 votos necessários para permitir que o caso do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, avance.
É claro que este mapeamento ganha ainda mais força quando se pode influenciar na contagem. Nas duas décadas em que vem atuando ao lado de Temer, Padilha empregou uma mistura de persuasão e cobrança para obter votos para o presidente e para o PMDB.
A maior vitória? Sem dúvida, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em agosto do ano passado, que impulsionou Temer à presidência do maior país da América Latina. O maior desafio? Garantir que Temer não seja o segundo presidente a ter de deixar o cargo no curto espaço de um ano. Os adversários de Padilha admitem que ele é tão competente no controle de votos que o julgamento de Temer será barrado na Câmara, mesmo que o governo esteja fragilizado e tenha uma aprovação de apenas 7%.
“Seria mais fácil fazer oposição a Temer se Padilha não estivesse no governo”, diz o deputado Miro Teixeira, da Rede.
Contador e advogado, Padilha é famoso em Brasília por manter uma arquivo de planilhas de votações e posições de partidos e de deputados. As pastas formam um banco de dados construído em 20 anos de acompanhamento parlamentar. Nas anotações, há inclusive dados sobre religião, família, postagens nas redes sociais e, principalmente, cargos concedidos aos políticos e dirigentes partidários. Os fãs do peemedebista o aclamam como um gênio. Os críticos dizem que sua tarefa presta-se ao fisiologismo.
Afeições, ameaças
Temer vê seu chefe da Casa Civil como tão essencial para manter a engrenagem do governo funcionando que dificilmente ambos viajam para fora do Brasil ao mesmo tempo. “Padilha é um grande operador político”, afirma Benito Gama, líder do PTB na Câmara dos Deputados. Eles são amigos do tempo em que Padilha começou a ganhar a fama de craque em mapeamento de votações, na década de 1990, quando ajudou o PSDB a aprovar a emenda da reeleição, o que permitiu um segundo mandato ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Há adversários políticos que respeitam esta forma de atuação: “Padilha usa mais carinho do que ameaças. Ele tem grande poder de persuasão”, diz Miro Teixeira.
Aos 71 anos, Padilha é sucinto sobre suas habilidades: “O que faço é política. Mapear votos é muito importante para saber se o governo vai voar com uma rota estabelecida ou se fará um voo cego”.
Obviamente que, junto ao mapeamento dos votos, está a negociação por eles. No começo deste ano, em uma palestra a gestores da Caixa Econômica Federal, Padilha contou de maneira clara e sem cerimônia como fechou com o PP o apoio ao impeachment de Dilma. Lembrou que o partido queria comandar o Ministério da Saúde. Ao levar o pleito a Temer, ambos concordaram que cederiam, mas desde que os progressistas colocassem no cargo um especialista na área. Os dirigentes do partido não aceitaram a proposta e exigiram no ministério o deputado Ricardo Barros. Padilha perguntou se isso garantiria os cerca de 40 votos do PP a favor da saída de Dilma. Com a resposta positiva, o cargo foi entregue ao parlamentar. Dilma sofreu impeachment e o partido ainda ficou com o comando da Caixa Econômica Federal.
Mesmo que a prática seja rotineira no Congresso, não quer dizer que seja aplaudida por senadores e deputados. “Esta política que se estabeleceu é o que existe de pior”, diz o senador Ronaldo Caiado, do DEM, partido aliado a Temer. Para Caiado, a proliferação de legendas e o inchaço da máquina pública são os grandes responsáveis pelo sistema de negociação de votos.
“Isso não estava combinado”
Há derrotas, claro. Notadamente na semana passada, quando a Comissão de Assuntos Sociais do Senado rejeitou a reforma trabalhista enviada ao Congresso pelo governo Temer, por apenas dois votos. Um dos senadores que havia garantido que votaria a favor se ausentou da sessão. O outro, filiado ao PMDB, não seguiu a orientação do Palácio do Planalto. Tão logo o resultado foi proclamado, Padilha reagiu de forma séria, mas sem demonstrar irritação: “Isso não estava combinado. Isso não vai ficar assim”. No dia seguinte, apadrinhados políticos do senador considerado traidor foram demitidos de cargos no governo.
Na última segunda-feira, Temer ficou ainda mais desgastado com o pedido do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, para que seja investigado pelo STF por corrupção passiva. O presidente nega as acusações e acusa Janot de ser antiético. Nesta sexta-feira, Temer começou a se dedicar à defesa que encaminhará à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ideia é apresentá-la antes do prazo regimental de dez sessões. Como hoje não houve quórum em plenário, o prazo começará a correr na semana que vem.
Padilha também é citado na Operação Lava-Jato. Ele é um dos mais altos funcionários do governo sob investigação por supostamente ter negociado com a Odebrecht repasse de recursos de caixa 2 para campanhas do PMDB. O ministro nega as acusações e diz, por meio de nota, que “confia nas instituições brasileiras e exercerá na plenitude seu direito de defesa onde buscará comprovar a improcedência das acusações”.
Nascido e criado no Rio Grande do Sul, Padilha, cuja idade dos seis filhos, com três esposas, variam entre 3 e 49 anos, mantém um escritório de advocacia em Porto Alegre comandando pela atual mulher. Ele se aproximou de Temer, na época líder do PMDB na Câmara, em 1995, recém-eleito para o primeiro mandato de deputado federal. Temer perguntou a Padilha o que ele sabia fazer bem. O deputado novato respondeu que era metódico e organizado. Foi então que recebeu a tarefa de atender aos deputados do partido e ouvir seus pedidos. Desenvolveu sua primeira planilha, combinando a demanda do parlamentar com a orientação de voto de Temer, como líder do partido. Mostrou a Temer, estatisticamente, que os mais leais deveriam ser melhor atendidos.
Como parte de sua vida, as planilhas tomam novamente uma das mesas de seu gabinete. Agora, tratam das votações das reformas e do pedido de autorização para que o STF investigue Temer. Padilha já projeta o resultado, numa disputa em que vê de um lado o Executivo e, de outro, Rodrigo Janot. “Ele não terá mais do que 210 votos”, sentencia.
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