Perspectivas de peers sobre risco de tesouraria: controles, tolerâncias e gestão de expectativas

Alexandra Lewis, tesoureira da National Grid, foi entrevistada por David Wiggins, da Bloomberg LP, para discutir sua abordagem à gestão de risco – da identificação do apetite ao risco de seus investidores à automatização de estruturas e processos de controle e seus sistemas de tesouraria. Também foi abordada a criação de uma estrutura que capacite os profissionais de tesouraria para se concentrarem em agregar valor a partir de ambientes de trabalho remotos.

Q

Qual é a abordagem da sua equipe de tesouraria ao gerenciar o risco financeiro?

A

“Risco” não é uma palavra ruim e, certamente, não da forma como o abordamos. O que tentamos fazer é analisar os riscos e perguntar: quais são os riscos que posso gerenciar e ter certeza que consigo gerar retorno? Esses são os riscos que devemos assumir. Por outro lado, há outros riscos que não deveriam nem fazer parte do nosso manual.

Também os abordamos a partir da seguinte perspectiva: “o que nossos investidores pensam quando investem na National Grid? ” Por exemplo, se nossos investidores planejam investir em libras esterlinas e dólares americanos (50/50), não queremos cobrir toda a nossa exposição ao dólar com base em nossos próprios lucros. Se fizéssemos isso, não estaríamos lhes proporcionando a exposição que estão buscando. Em outras palavras, risco é algo que os investidores querem correr para obter algum retorno. E, idealmente, obterão um retorno compatível com o risco assumido.

Q

Quem são os stakeholders envolvidos na definição de sua tolerância ao risco e que tipos de risco estão levando em consideração?

A

Vamos focar nos riscos financeiros por um momento. O conselho da National Grid conta com um comitê financeiro que se concentra exclusivamente no risco financeiro, em grande parte porque temos um livro contábil de dívidas significativo, que nos permite criar valor para clientes e investidores – mas há um maior risco financeiro inerente.

Começamos por refletir sobre nosso apetite ao risco em todas as áreas de risco financeiro às quais estamos expostos. Em seguida, consideramos cada parte componente isoladamente: risco de taxa de juros, risco cambial, risco de refinanciamento, risco de contraparte, risco de liquidez, e assim por diante. Então, usando nossas estruturas estabelecidas para gestão de risco, buscamos categorizar o que parece ser avesso ao risco, neutro ao risco ou tolerante ao risco para cada uma delas.

Instintivamente, pode-se pensar que estaríamos mais propensos a assumir mais riscos em uma área ou menos em outra – porém, na verdade, trata-se de entender os contextos de mais ou menos risco e como isso pode se desenvolver. Analisamos como isso nos impactaria – de uma perspectiva de reputação e financeira – se o resultado do risco é positivo ou negativo.

Q

Você falou um pouco sobre o quão importante é a expectativa do investidor. Como você determina qual é o apetite ao risco de seus investidores?

A

Nossa equipe de Relações com Investidores desempenha um papel fundamental nesse ponto, por isso trabalhamos em conjunto. Recebemos feedback de investidores de ações e dívidas por meio de nossas reuniões regulares de roadshow com investidores, pesquisas anuais com investidores e Dias de Mercado de Capitais para entender melhor suas expectativas. Claro, podemos monitorar os mercados, por exemplo, para analisar as alterações do dólar e suas correlações com o preço das ações.

Mas, no geral, é uma combinação contínua de feedback anedótico e qualitativo, monitoramento constante de dados e interação próxima com brokers e bancos, o que nos permite entender quais os objetivos de investimento de nossos investidores.

Q

A estrutura e os sistemas de tesouraria da National Grid evoluíram ao longo do tempo para ajudar a gerenciar o apetite ao risco definido?

A

Sempre fomos uma tesouraria bem controlada, mas viemos de uma conjuntura na qual muito do trabalho era manual e, portanto, mais demorado. Nos últimos anos, aproveitamos oportunidades para automatizar processos com inteligência artificial ou habilitar o processamento direto, o que reduziu o tempo que a equipe leva para realizar as tarefas.

Acabamos de passar por um processo de dois anos para substituir nosso sistema de gestão de tesouraria. O objetivo foi adicionar o máximo de automação possível para simplificar para nossas equipes operar de acordo com a política e todos os controles. Quando possível, também buscamos não fazer o novo sistema sob medida, mas sim adaptar nossas políticas a ele – para simplificar upgrades em lançamentos futuros de novos módulos. O objetivo foi tornar mais fácil para a equipe trabalhar dentro da estrutura de controle que operamos – liberando tempo para atividades de maior valor agregado. No final das contas, estes são funcionários altamente qualificados que empregamos e, com a automação, possibilitamos que agreguem mais valor.

“Estes são funcionários altamente qualificados que empregamos e, com a automação, possibilitamos que agreguem mais valor”.

Q

Ouvimos tesoureiros corporativos falando muito sobre automação, mas alguns demoraram a adotá-la, ou não o fizeram, pois só de pensar no trabalho que será necessário gera muita dor de cabeça para muitas organizações. O que motivou você e outros stakeholders a iniciar o processo?

A

Tem a ver com minha própria paixão e as razões pelas quais amo meu trabalho. E amo meu trabalho porque resolvo problemas financeiros complexos. Não me entusiasmo com projetos de atualização de sistemas por si só – o que me motiva é a visão do que seremos capazes de fazer e criar, e o valor que podemos agregar ao negócio, aos clientes, aos acionistas e a todos os stakeholders. Ser capaz de dizer quanto valor adicionamos com nossas mudanças pautadas em julgamento aplicado e pensamento estratégico é algo muito importante para nós como tesouraria.

Intervenção manual e controle manual consomem tempo. E este é um tempo que pode ser utilizado para agregar valor à National Grid: seja realizando mais transações de valor agregado ou possibilitando um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal a nossos colaboradores. Nossa equipe é um ativo indispensável. Se você perder boas pessoas, não importa quão bom seja seu sistema, você não será capaz de entregar o valor que deseja.

Se perder boas pessoas, não importa quão bom seja seu sistema, você não será capaz de entregar o valor que deseja”.

Q

Você tem uma abordagem muito mais ativa para a gestão de risco de taxa de juros do que departamentos de tesouraria corporativos normalmente têm. Por que?

A

Acho que isto se deve ao fato de termos um grande portfólio de dívidas, onde pequenas margens sobre grandes quantidades de principal podem ter um impacto bastante significativo nos resultados financeiros. E acho que sempre tivemos um modo de pensar baseado no risco.

Não somos um centro de lucro. Não especulamos — mas estamos felizes em correr mais riscos e temos um histórico que mostra que isso é algo positivo.

Q

O clima financeiro está mudando. Transicionar de uma taxa de juros fixa para uma flutuante em um período em que as taxas mantiveram-se baixas por tanto tempo era uma escolha fácil. Mas com os níveis de inflação subindo, as pessoas agora precisam se perguntar: pagar uma taxa fixa é favorável se o comportamento previsto das taxas de juros for ascendente? Como você lida com questões semelhantes?

A

Em nosso modelo de negócios, sempre estamos expostos às taxas de juros, e essa exposição ao risco de taxa de juros provavelmente aumentará ao longo do tempo, conforme cresce nossa base de ativos. Financiamos mais de 70 centavos para cada £1 de despesas de capital com dívida, portanto, as crescentes despesas de capital que esperamos, juntamente com o refinanciamento de dívidas vencidas, apontam que, provavelmente, emitiremos mais de 4 bilhões de libras em novas dívidas todos os anos. Então faz parte do modelo de negócios. Nossas estruturas regulatórias nos permitem recuperar custos de juros incorridos com eficiência dentro de nossas empresas operacionais regulamentadas, por isso precisamos ter certeza de que somos eficientes na forma como emitimos dívida para obter as melhores taxas possíveis.

Q

Se quiser mudar a abordagem de gestão de riscos financeiros, como você obtém a adesão da diretoria?

A

Abordo isso como um business case, como você faria com qualquer investimento. Qual é a proposta? Quais são as opções? Qual é o valor de cada uma destas opções? Qual é o risco de cada uma destas opções? E com base em tudo isso, esta é a opção que recomendamos. É diferente de um investimento em ativos que você concretiza, mas, de certa forma, ainda é um investimento em ativos; pessoas e sistemas são o que nos possibilita entregar o valor. Em nossa equipe, gerenciamos esses riscos há muito tempo e, portanto, há um histórico do valor que podemos agregar ao fazer isto.

Q

Como você avalia seu processo de gestão de risco?

A

Uma vez que estamos alinhados sobre o apetite ao risco do comitê financeiro, estabelecemos uma revisão anual. A forma como fazemos isso é dizendo: “Ok, vamos analisar o ano passado. Estamos operando dentro do apetite ao risco que o comitê financeiro estabeleceu? Temos assumido mais ou menos riscos do que deveríamos? Em geral, as pessoas veem o risco como um limite superior (teto) e se certificam de não correr muito risco, mas não se concentram tanto no limite inferior (piso) e se perguntam se não estão correndo muito pouco risco. É muito fácil pensar que o risco é algo que precisa ser eliminado. Porém, às vezes, se você assume um risco bem calculado, está fazendo a coisa certa.

É muito fácil pensar que o risco é algo que precisa ser eliminado. Porém, às vezes, se você assume um risco bem calculado, está fazendo a coisa certa”.

Então, analisamos sob as duas perspectivas. Acredito ser um bom hábito parar e analisar, uma vez por ano, e perguntar: este nível de risco ainda é razoável dado o ambiente em que estamos?

Q

Consultores falam sobre automação envolvendo APIs e robôs há anos, mas apenas agora começamos a ver estas mudanças ocorrendo em projetos de tesouraria. Como você prevê a evolução da gestão de risco financeiro nos próximos 5 a 10 anos?

A

Com um impulso para capacitar nossa equipe, como fazemos na National Grid. Até que ponto capacito as equipes para que se empenhem e façam seu trabalho? Espero que parte do resultado desta atualização de sistemas tenha o número correto de controles, mas que não sejam muitos. Tenho que me certificar de que minha equipe não sinta que está constantemente sendo observada e fiscalizada.

Quando olhamos para grandes somas fluindo em nossos livros, tanto o livro de derivativos quanto o livro de dívidas, e as contas bancárias diariamente, há uma tendência de se pensar de repente “estes números são grandes, e preciso mantê-los sob controle”.  Não estou dizendo que isso é errado, mas é um equilíbrio. E para esclarecer, quando se trata de risco operacional, somos definitivamente avessos ao risco: não há pisos para esse!

Q

Reduzir o risco operacional parece ter sua importância no mundo pós-COVID. Você acha que isto levará a uma aceleração na adoção da automação?

A

Certamente, como setor, a Tesouraria provou que pode gerenciar riscos operacionais trabalhando remotamente. Quando penso em todos os riscos que gerenciamos e nos bilhões de libras em commercial paper que emitimos, assim como dívidas de longo prazo, derivativos e todo o dinheiro que passou por nossas contas bancárias desde o surgimento da Covid-19, sem mencionar os riscos de commodities que gerenciamos nos EUA; e tudo de nossas cozinhas, mesas de jantar, quartos de hóspedes, é bem impressionante.

“Quando penso em todos os riscos que gerenciamos […] tudo de nossas cozinhas, mesas de jantar, quartos de hóspedes―é bem impressionante”.

Ao analisarmos o que pode ser o novo normal, vejo um ambiente de trabalho flexível no qual funcionários de escritório podem trabalhar de suas residências. Agora que retornamos ao escritório, já posso ver os benefícios de estar frente a frente com as pessoas, de lidar com as coisas muito mais rapidamente. As pessoas certas estão recebendo as informações certas nos momentos certos e podem compartilhar suas opiniões imediatamente. É claro que, com uma parte da equipe em Londres e outra em Nova York e Massachusetts, já interagíamos virtualmente antes da COVID e, só para esclarecer, nem tudo precisa ser pessoalmente – mas há momentos em que é mais eficiente e direto estar em um só lugar.

Acredito que o mais difícil é trazer novas pessoas para a equipe. Quando as equipes estão estáveis, trabalhar remotamente é muito mais fácil. Mas quando penso nas pessoas que estão na universidade ou na escola, que irão trabalhar em tesourarias daqui a dez anos e precisarão ser integradas rapidamente, acho improvável um ambiente de trabalho de cinco dias por semana em casa. Precisamos de um hub onde as pessoas possam se encontrar, compartilhar ideias e aprender. Então, idealmente, teríamos uma solução híbrida, e nossos processos e sistemas precisam suportar isso.

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