Artigo escrito por Jack Sidders. Exibido antes no Terminal Bloomberg.
Dos EUA à Europa e Hong Kong, os imóveis comerciais se tornaram o foco dos investidores que tentam prever a próxima crise, após uma década de empréstimos baratos terminar abruptamente. Diversos desafios surgiram para a maior classe de ativos do mundo. Os problemas variam de região para região e envolvem edifícios de escritórios e shoppings. O risco é que esses problemas simultâneos podem levar a uma crise maior que abale os credores do setor e deixe os centros das cidades cheios de prédios vazios.
1. Quais são os sinais de problemas?
As fortes quedas nos preço das ações de empresas imobiliárias de capital aberto mostram o que pode estar reservado para o setor. A maioria dos imóveis comerciais é de propriedade privada e as avaliações podem levar meses ou até anos para responder às mudanças nas taxas de juros e na oferta e demanda. O índice MSCI World Real Estate caiu 28% desde o início de 2022.
- No Reino Unido, os valores dos ativos sofreram as quedas mais rápidas da história, com um dos índices de imóveis compilado pela MSCI caindo 16,1% até março deste ano, depois que o governo provocou uma crise no mercado de títulos e os rendimentos aumentaram.
- Os escritórios nos EUA, sofrendo com altas taxas de vacância, registraram quedas ainda mais acentuadas, levando proprietários, incluindo Brookfield Corp. e Pimco, a entregar a seus credores algumas propriedades que agora valem menos do que a dívida garantida por elas.
- Em toda a Europa continental, os títulos lastreados em imóveis estavam depreciados em junho, em meio ao temor de que os proprietários não consigam receber o suficiente das vendas dos ativos para cobrir os US$ 165 bilhões devidos em toda a região até o final de 2026. Na Suécia, que está na linha de frente da crise devido à sua dependência da dívida de menor prazo, a empresa SBB foi rebaixada para junk, demitiu seu CEO e colocada à venda.
- Em Hong Kong, um valor recorde de 1,2 milhões de metros quadrados de escritórios ficaram vazios em junho e 15% da área mais valiosa estava vaga. Os bancos ocidentais têm diminuído sua presença e as empresas chinesas não têm conseguido preencher esse espaço, já que sua própria economia está desgastada, colocando mais pressão sobre os aluguéis e os preços.
2. O que está impulsionando tudo isso?
O principal culpado é o custo do crédito. Os rápidos aumentos das taxas de juros dos bancos centrais aumentaram os retornos dos títulos sem risco do governo. Sendo assim, os investidores de imóveis comerciais exigem um maior rendimento para justificar o investimento em um ativo com tão pouca liquidez. O aumento dos aluguéis pode compensar parte do impacto no valuation. Porém, a subida dos rendimentos desencadeada pelo fim repentino das taxas de juros próximas a zero prejudicou o ganho com o aumento dos aluguéis que os proprietários poderiam alcançar. O problema é maior em países como a Alemanha, onde os rendimentos imobiliários atingiram recordes mínimos e muitos proprietários de imóveis entraram na crise com dívidas mais altas em relação aos seus pares em lugares como o Reino Unido.
3. Por que a queda do valuation é um problema?
Porque ela pode prejudicar a capacidade de uma empresa imobiliária de conseguir empréstimos. Conforme o valor dos seus ativos diminui, seu endividamento relativo (a relação dívida/valor patrimonial) aumenta. Para evitar violar os termos da sua dívida, a empresa pode precisar injetar mais capital ou pegar mais empréstimos, mas agora com taxas mais altas e apenas se houver aluguel suficiente para cobri-los. Caso contrário, a empresa pode ter que liquidar seus ativos em um mercado incerto e em queda, onde os compradores exigirão descontos consideráveis. As vendas com desconto, por sua vez, criam evidências para que os avaliadores reduzam ainda mais o valuation das empresas, criando um círculo vicioso. O valor dos ativos leva um tempo para ser corrigido, e são os proprietários de imóveis com empréstimos vencendo que sentem a pressão primeiro, à medida que os bancos reduzem a quantidade de novos financiamentos que estão dispostos a oferecer.
4. Existem soluções alternativas?
A venda de ativos com descontos significativos cria evidências transacionais que forçam os avaliadores a reduzir o valor do restante dos seus ativos. Portanto, alguns proprietários estão encontrando maneiras de estruturar as vendas para disfarçar o verdadeiro valor do desconto. Foi o que a alemã Vonovia SE fez em uma venda de 1 bilhão de euros (US$ 1,1 bilhão) em imóveis para a Apollo Global Management Inc. em maio.
5. Quais são as diferenças entre as regiões?
O impacto das taxas mais altas está sendo mais forte na Europa. Isso porque, embora o Fed tenha aumentado as taxas mais rapidamente, e para níveis mais altos, do que o Banco Central Europeu, as taxas antes da pandemia do coronavírus eram mais altas nos EUA do que no outro lado do oceano Atlântico. Por isso, os rendimentos imobiliários dos EUA, conhecidos localmente como taxas de capitalização, não eram tão baixos quanto os da Europa antes do início do ciclo de aperto monetário. Esse é um ponto relevante, já que o impacto das taxas mais altas no valuation é muito maior se o rendimento inicial for menor.
6. Por que isso?
Tudo depende do quanto os investidores estão dispostos a pagar por um ativo gerador de renda. Pegue, por exemplo, um prédio que gera US$ 10 milhões por ano em aluguel. Quando os rendimentos estão em 5%, o que significa que os compradores estão dispostos a pagar 20 vezes o aluguel anual, o prédio é avaliado em US$ 200 milhões. Se os rendimentos subirem para 5,5%, o valor cai para US$ 182 milhões. Agora pegue o mesmo prédio com US$ 10 milhões em aluguel e coloque em um mercado onde os rendimentos atingiram 2%, um múltiplo de 50 vezes o aluguel anual. Esse prédio valeria US$ 500 milhões. Quando os rendimentos passam para 2,5%, a mesma mudança de 0,5 ponto percentual, o valuation cai para US$ 400 milhões, um impacto muito maior.
7. Então a situação nos EUA é melhor do que na Europa?
Não. Na verdade, os valuations nos EUA caíram mais do que na Europa, já que os EUA tinham mais disponibilidade de edifícios novos e vazios e um número maior de americanos continua trabalhando de casa. Mais de um quinto da área dos escritórios está vazia em várias das principais cidades dos EUA, onde a expansão urbana resultou em um espaço de trabalho por habitante muito maior comparado ao outro lado do Atlântico. Na Europa, as leis de planejamento mais rígidas e um ritmo mais lento da construção desde a crise financeira de 2008 mantiveram a oferta sob controle. Isso manteve as taxas de vacância mais baixas, ajudando os aluguéis.
8. Com está a situação com shoppings e galpões?
Os shoppings estão mais protegidos pelo fato de que seus valuations já sofreram um grande impacto com o crescimento do e-commerce, então eles partiram de uma base mais baixa quando as taxas começaram a subir. Embora a pandemia tenha eliminado muitos varejistas, aqueles que sobreviveram geralmente têm melhores modelos de negócios e agora enfrentam menos competição, o que significa que os aluguéis de varejo em muitos lugares estão no seu piso. Quanto aos galpões, a demanda por espaço permanece razoavelmente forte na maioria dos lugares e supera de longe a oferta em outros. Portanto, os aluguéis estão aumentando, ajudando a compensar parcialmente o impacto dos rendimentos mais altos.
9. O que fazer com um escritório vazio?
Uma opção é convertê-lo para uso residencial, se a legislação do local permitir e os valores dos apartamentos forem altos o suficiente para justificar o custo da obra. Outra é modernizar e adaptar o prédio para refletir as práticas de trabalho mais flexíveis da atualidade, em uma tentativa de atrair inquilinos. Mas as renovações em edifícios mais antigos são caras e as melhorias na eficiência energética exigidas pelos legisladores, consumidores e corporações só aumentam o preço. Em muitos casos, o lado financeiro desses investimentos não é sustentável aos preços atuais. A alternativa é uma onda de execuções de garantia, conforme os proprietários devolvem aos seus credores os prédios em que não podem investir de forma lucrativa.
10. Qual é o impacto disso tudo no mercado?
Está dividindo o mercado de escritórios em dois, com uma divisão crescente entre os melhores e o restante. A pequena proporção de edifícios com as melhores credenciais verdes e um espaço moderno e empolgante ainda pode ditar os melhores aluguéis. Outros exigirão bilhões em gastos para adequá-los aos padrões, dinheiro que os bancos não estão dispostos a emprestar conforme o volume de empréstimos problemáticos em seu ativo cresce. Até mesmo a derrubada os edifícios está se tornando mais desafiadora, com os legisladores focando cada vez mais no carbono incorporado dos materiais com uso intensivo de energia pelos edifícios, como concreto, aço e vidro. Isso significa que em muitos lugares eles estão determinados a ver as propriedades sendo renovadas, em vez de reconstruídas.
11. Existem vencedores nessa história?
Qualquer um capaz de levantar novas captações tem uma oportunidade potencial de aproveitar a crise comprando as propriedades dos vendedores que estão com problemas, esperando que as taxas caiam e os preços subam. Alguns investidores estão se voltando para a dívida imobiliária, aproveitando a retração dos bancos e cobrando juros altos para cobrir o espaço que abriu no financiamento. Os desenvolvedores com habilidades para transformar as propriedades “marrons” mais antigas em propriedades “verdes” também se beneficiarão da crise, desde que comecem com empréstimos baixos o suficiente para enfrentar a tempestade inicial.