Por que a UE quer cobrar US$ 14 bi em impostos da Apple

Por Gaspard Sebag, Dara Doyle e Alex Webb.

A “Maxforce” é a equipe da União Europeia que mandou que a Irlanda cobrasse bilhões de euros em impostos atrasados da Apple, abalou o governo irlandês e gerou mudanças na legislação tributária internacional. Você poderia pensar que a equipe ganhou esse nome porque aplica a máxima força para investigar supostas trapaças financeiras. Mas não foi por isso. Foi só porque o diretor se chama Max.

Um membro da Comissão Europeia deu esse apelido para a Força-Tarefa sobre Práticas de Planejamento Tributário em homenagem ao chefe do grupo, Max Lienemeyer, um advogado alemão magro e descontraído que ganhou destaque com os planos para reforçar bancos em problemas durante a crise da dívida na Europa. Desde seu lançamento em 2013, a Maxforce analisou o status fiscal de centenas de empresas em toda a Europa, incluindo um acordo da Starbucks na Holanda, o acordo entre a Fiat Chrysler Automobiles e Luxemburgo e – o maior caso – a Apple na Irlanda.

A equipe de 15 funcionários internacionais de Lienemeyer realizou uma investigação de três anos que foi dos corredores da Comissão Europeia, o braço executivo da UE, até o Ministério das Finanças da Irlanda e a sede da Apple em Cupertino, Califórnia. Esta matéria, que esboça pela primeira vez grande parte dessa história, narra um crescente conflito entre a Europa e os EUA e uma mudança na abordagem da UE sobre os assuntos fiscais das multinacionais.

A Maxforce concluiu que a Irlanda autorizou a Apple a criar entidades apátridas que, na prática, a deixavam decidir quantos – ou quão poucos – impostos pagar. Os investigadores dizem que a empresa canalizava lucros de dezenas de países através de duas unidades com sede na Irlanda. Em um sistema apoiado, pelo menos tacitamente, pelas autoridades irlandesas, os ganhos eram divididos. A maioria era atribuída a uma “sede” sem funcionários nem base local específica – e, portanto, isenta de impostos sobre os lucros provenientes de vendas fora da Irlanda. Por sua vez, os EUA não cobravam impostos das unidades porque elas tinham domicílio fiscal na Irlanda.

Decisão

Em agosto, a UE disse que a Irlanda tinha infringido a lei europeia ao dar à Apple um acordo preferencial. A UE ordenou que o país cobrasse do fabricante do iPhone um recorde de 13 bilhões de euros (US$ 13,9 bilhões) em impostos atrasados, mais juros, de 2003 a 2014. Um exemplo mencionado pela Comissão: em 2011, uma unidade chamada Apple Sales International registrou cerca de 16 bilhões de euros em lucros com vendas fora dos EUA. Mas apenas 50 milhões de euros foram considerados tributáveis na Irlanda, deixando 15,95 bilhões de euros em lucros sem pagar impostos, diz a Comissão.

Embora a UE diga que seu objetivo é “garantir a igualdade de tratamento das empresas” em toda a Europa, a Apple afirma que a Comissão visou a empresa seletivamente. Com a decisão, a UE está “alterando retroativamente as regras e optando por ignorar décadas do direito irlandês” e seus investigadores não entendem as diferenças entre os sistemas fiscais europeu e americano, declarou a Apple em um comunicado em 8 de dezembro.

Em 9 de novembro, a Irlanda recorreu da decisão da Comissão no Tribunal Geral da UE em Luxemburgo, dizendo que não deu tratamento especial à Apple. O ministro das Finanças da Irlanda, Michael Noonan, disse que “discorda profundamente” da decisão e que a Irlanda adere estritamente às normas fiscais. O governo diz que a Irlanda não tem o direito de cobrar impostos de empresas não-residentes por lucros provenientes de atividades fora do país.

Mudanças

A Irlanda e a Apple começaram a fazer mudanças poucos meses depois que a Maxforce começou a investigar a relação fiscal entre elas. Em outubro de 2013, o ministro das Finanças Noonan anunciou que iria fechar a brecha legal que permitia que holdings apátridas operassem na Irlanda. A UE afirma que a Apple mudou a estrutura de suas unidades irlandesas em 2015.

À medida que a equipe de Lienemeyer se aprofundava no caso, a Apple ficava mais preocupada. Em janeiro de 2006, seu CEO, Tim Cook, se reuniu com Margrethe Vestager, diretora de concorrência da UE – e chefe de Lienemeyer – no décimo andar do Edifício Berlaymont, a sede institucional da Comissão Europeia, em Bruxelas.

Em uma reunião com Cook, ela o interrogou sobre os impostos que a Apple pagou em várias jurisdições no mundo inteiro. Ela disse aos executivos da Apple que “alguém tem que cobrar impostos de vocês”, segundo uma pessoa presente na reunião. Em uma carta de resposta enviada em 25 de janeiro e obtida pela Bloomberg, Cook agradeceu a Vestager por uma “troca de opiniões sincera e construtiva” e reafirmou que os ganhos da Apple estavam “sujeitos a tributação diferida nos EUA até a repatriação dos lucros”.

A correspondência posterior foi mais acalorada. Em 14 de março, Cook escreveu a Vestager que ele estava “preocupado com a imparcialidade desses procedimentos”. A Comissão não tinha explicado completamente a base sobre a qual a Apple estava sendo investigada e a abordagem do órgão se caracterizava por “inconsistência e ambiguidade”, disse Cook.

“Nós nos concentramos em casos incomuns em que se analisa algo que está fora do radar”, disse o chefe de Lienemeyer, o holandês Gert-Jan Koopman, 50, responsável pela aplicação da ajuda estatal da UE, em uma conferência em Bruxelas em novembro. “Se você pagar uma quantidade justa de impostos, então não há absolutamente nada para se preocupar.”

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