Artigo escrito por William Shaw e Silla Brush. Inicialmente publicado no Terminal Bloomberg.
Declarar o fim da LIBOR é uma coisa; tornar seu fim uma realidade é outra muito diferente. Vai se aproximando cada vez mais o prazo para substituir a desacreditada taxa de oferta interbancária de Londres (LIBOR), no final de 2021, colocando o mundo financeiro “em polvorosa” para ajustar contratos que somam centenas de trilhões de dólares em produtos que variam de hipotecas e cartões de crédito a derivativos.
O risco de uma transição caótica tem sido comparado ao “bug do milênio”, um medo generalizado de que, na virada de 1999 para 2000, os computadores da época não entendessem o que estava acontecendo e causassem uma pane geral em sistemas e serviços – só que agora com um “toque a mais” representado pelos desafios da pandemia mundial. Esta preocupação, juntamente com o progresso lento de muitas empresas do setor financeiro, levou os reguladores a aliviar a pressão no mês de novembro, propondo prolongar a vida de alguns benchmarks-chave da LIBOR em dólares até meados de 2023.
1. Qual é a preocupação?
Cerca de metade dos contratos em circulação atrelados à LIBOR expiram depois de 2021. Isto significa que o tempo está se esgotando para a troca obrigatória destes contratos (conhecidos como “contratos antigos”) para taxas diferentes da LIBOR. O mercado de derivativos — o maior para a LIBOR — já resolveu boa parte do problema, mas outras áreas importantes, incluindo empréstimos e títulos, estão lutando com dificuldade para encontrar uma solução, mesmo em face da exigência das autoridades para que estejam prontas para a transição.
2. O que é a LIBOR e por que está desaparecendo?
Por cerca de 50 anos, a LIBOR ajudou a determinar o custo do crédito em todo o mundo. É uma média diária do que os bancos dizem que precisariam pagar para emprestar capital uns dos outros, e constitui a base para empréstimos e títulos de taxa variável ou flutuante, bem como para os derivativos. A British Bankers’ Association, com sede em Londres, formalizou o padrão em 1986, quando precisava de uma maneira de estabelecer preços de swaps de taxa de juros e empréstimos sindicalizados. Mas, à medida que os mercados evoluíram, as negociações que ajudavam a alimentar as estimativas dos bancos foram desaparecendo. E desde que surgiram evidências em 2008 de que os credores europeus e dos EUA haviam manipulado a taxa para beneficiar seus próprios portfólios, o benchmark perdeu credibilidade. No final de 2016, diversos bancos pagaram multas em torno de 10 bilhões de dólares.
3. Quem se importa?
Muita gente – incluindo gestoras de pensões e de fundos, companhias de seguros, credores de grande e pequeno porte e bancos de Wall Street que negociam títulos atrelados a empréstimos. Aluguel de equipamentos, papéis comerciais, títulos soberanos, empréstimos estudantis e de automóveis, depósitos bancários e hipotecas estão entre os US$ 370 trilhões de produtos financeiros que a International Swaps e Derivatives Association diz estarem atrelados à LIBOR e a taxas interbancárias relacionadas. Empresas, bancos e investidores usam derivativos, tais como swaps de taxa de juro, para se proteger contra riscos ou especular.
4. O que está substituindo a LIBOR?
Os bancos centrais têm trabalhado para desenvolver benchmarks que sejam um reflexo mais verdadeiro do custo de capital e, ao contrário da “moderna” LIBOR, tenham como base transações reais. O resultado é uma variedade de acrônimos com diferentes graus de “charme”, incluindo SOFR (taxa de financiamento overnight garantida), SONIA (taxa média interbancária overnight da libra esterlina) e ESTR (taxa de curto prazo do euro). Mas, todas deixam a desejar em um aspecto importante.
5. Quais as diferenças?
A LIBOR oferece taxas prospectivas que incorporam as expectativas do mercado para o custo de empréstimo em uma determinada escala de tempo, desde overnight, até um ano. Os novos benchmarks refletem principalmente as taxas de empréstimo overnight. (A SOFR tem como base o mercado de recompra dos EUA, no qual o dinheiro é temporariamente trocado por títulos, tais como os do tesouro americano.) Reescrever os contratos antigos para que levem em conta um benchmark overnight em vez de, por exemplo, uma taxa de três meses, pode acabar em ações judiciais, pois chegar a um acordo unânime sobre uma taxa de substituição, ou claúsula de “fallback”, seria difícil. Os esforços para fazer com que os legisladores apoiem uma legislação que imponha fallbacks ou benchmarks a produtos financeiros que não possuem uma taxa de substituição viável têm caído por terra, em parte porque estes mesmos legisladores estão preocupados com a COVID-19.
6. Por que a extensão do prazo poderia ajudar?
Porque os benchmarks que podem conseguir um alívio — incluindo as taxas LIBOR em dólares com prazos de 3, 6 e 12 meses — são os mais comumente utilizados. Aguardar até junho de 2023 para extingui-los deve permitir que a maioria dos contratos atrelados à LIBOR em dólares expire naturalmente sem a necessidade de migrar para um novo benchmark, de acordo com um oficial sênior do Federal Reserve. Como originalmente planejado, o administrador da LIBOR deixará de publicar as taxas para os outros benchmarks atrelados à LIBOR em dólares, bem como para libra, euro, iene e franco suíço, em 2022. As empresas financeiras têm sido desencorajadas de emitir novos contratos atrelados à LIBOR para depois de 2021.
7. De que outra forma a COVID-19 mudou o panorama?
A pandemia obstruiu a transição ao interromper a campanha para abandonar a LIBOR, e até intensificou o uso do benchmark. Ambos os governos dos EUA e do Reino Unido permitiram que a LIBOR fosse utilizada como referência para programas de empréstimos emergenciais para ajudar a manter as empresas em funcionamento. O Bank of England atrasou os planos para incentivar os bancos a abandonar a taxa, e o Reino Unido adiou o prazo para que os credores deixassem de emitir contratos vinculados à LIBOR.
8. O que aconteceu com os derivativos?
Um protocolo que entrará em vigor no final de janeiro permitirá que as empresas incorporem as cláusulas de fallback aos contratos de derivativos, para que possam fazer uma transição sem sobressaltos para benchmarks de substituição. Isto ajudará as empresas a evitar renegociações e um cenário em que a LIBOR deixe o mercado à beira de um precipício. Estima-se que 200 trilhões de dólares em contratos financeiros estejam atrelados à LIBOR, com 95% desta exposição em derivativos, de acordo com o Federal Reserve Bank of New York. A adoção generalizada do protocolo é necessária para mitigar riscos mais amplos, de acordo com o Financial Stability Board, um órgão internacional que monitora o sistema financeiro global. Uma etapa crucial foi alcançada em outubro, quando os swaps de taxas de juros de mais de 80 trilhões de dólares em dívidas nocionais migraram para a SOFR, o novo benchmark americano, como taxa de desconto.
9. Como isto afetará os consumidores comuns?
Haverá uma análise minuciosa para saber se serão obrigados a pagar taxas de juros mais altas. Bancos e gestoras de ativos enfrentam um risco muito maior de multas, ações judiciais e danos à reputação se fizerem uma gestão inadequada da transição de contratos e produtos existentes, pois os reguladores provavelmente estarão observando de perto se os clientes estão sendo tratados de forma justa. Enquanto isto, o Moody’s Investors Service alertou para um aumento dos riscos de crédito devido ao lento progresso na transição da LIBOR.