Construindo a tesouraria corporativa de 2021

Os tesoureiros enfrentaram um 2020 desafiador. Equipes trabalhando remotamente, altos riscos de contraparte e mercados extremamente voláteis levaram seus departamentos ao limite, mas tesoureiros exemplares fizeram desta adversidade uma vantagem.

Tim Husnik, diretor de tesouraria de gestão de risco cambial da Medtronic, e John Crain, vice-presidente de tesouraria da Diversified Gas & Oil, falaram em um recente webinar sobre como sobreviveram ao ano e se preparam para o futuro. Alison Fletcher, especialista em fluxo de trabalho de tesouraria corporativa da Bloomberg L.P., moderou a discussão sobre qualificação da equipe de tesouraria, questões gerais de crédito e como lidar com mercados turbulentos e sem liquidez.

Quais são os 5 principais desafios do tesoureiro corporativo?
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Q

Bloomberg: Como você têm gerenciado sua equipe desde março?

A

Tim Husnik, Medtronic: De março para cá, nossa empresa fez um ótimo trabalho ao transferir todos os recursos relativos à COVID-19 para um hub de recursos interno, que serviu como um centro de informações sobre novas políticas corporativas, diretrizes para reuniões e viagens, e status de retorno ao escritório. Este centro de recursos também serviu como um repositório para atualizações de última hora sobre novas políticas, como a política de afastamento/licença emergencial e a de horário de trabalho flexível. Eu diria que a política de horário de trabalho flexível foi uma das melhores práticas que nossa empresa implementou. Esta abordagem permitiu que gestores determinassem as necessidades de cada membro da equipe e colocassem em prática regras alternativas, como horas flexíveis ou redução da semana de trabalho.

O horário flexível de trabalho funciona bem, pois aquele funcionário que entra mais cedo, sai mais cedo, e as pessoas que trabalham mais tarde, adaptam seu horário para o restante da semana. E descobrimos que é bastante fácil se adaptar a estas condições. Em março e abril, os mercados de câmbio foram absurdos em termos de volatilidade, com spreads de 400% a 800% em relação ao normal. E tivemos que nos adaptar rapidamente a este mercado. Não podíamos fazer precificações de transferência eletrônica de risco. A amplitude de preços era simplesmente ampla demais. Então, começamos explorar outras possibilidades, como trading nos picos de crossover e a negociação algorítmica, mesmo em um ambiente volátil. Portanto, eu diria que estas foram algumas das adaptações que fizemos para todos estes diferentes fusos horários onde agora negociamos.

Q

Quais preocupações relativas a crédito surgiram durante 2020, tanto para vocês quanto para suas contrapartes de crédito?

A

John Crain: Geralmente, quando os preços do petróleo e do gás se desvalorizam, é mais uma preocupação de crédito para a empresa produtora, pois nossos clientes se beneficiam, obviamente, dos preços mais baixos. Este foi, certamente, o caso em março e abril, com o início da crise – um período de extrema dificuldade para os mercados de petróleo e gás. Agora parece uma memória distante, mas logo antes do grave início da pandemia, houve uma espécie de disputa entre a OPEC e a Rússia sobre se haveria ou não cortes na produção. No final, não houve consenso, o que levou os mercados de petróleo e gás, ou mais especificamente o de petróleo, a operar em condições consideravalmente adversas. Em seguida, tivemos a COVID que, além de tudo, afetou severamente a demanda. Foi uma circustância desafiadora.

Felizmente, o gás natural não foi tão afetado. Obviamente, houve uma queda na demanda – que sofreu um efeito cascata, mas também houve benefícios decorrentes da situação, que ajudaram o gás. Mas, pasme – quando estas coisas acontecem no setor de petróleo e gás, os fornecedores não se preocupam muito, pois estão acostumados à natureza cíclica do setor, o que seu impacto não é tão significativo. O que acontece também para os clientes. No nosso caso, lidamos com concessionárias de serviços públicos ou empresas de marketing conceituadas que não estão muito preocupadas, do nosso ponto de vista. No entanto, entre os produtores, existe um outro lado. Muitos produtores assumirão contratos de transporte de longo prazo – contratos de 10, 15 ou 20 anos, os quais têm gatilhos de seguros de crédito específicos, que podem desencadear uma grande obrigação de carta de crédito ou de garantia pela controladora.

Do ponto de vista de um departamento de tesouraria, é preciso estar ciente de todos estes contratos, pois, quando um ambiente se transforma desta forma, é tarde demais. Muitos problemas ocorrerão se você não estiver a par e não conhecer tais gatilhos. Isto é muito importante. Entretanto, quando falamos sobre quem é afetado em nosso mundo e com quem estamos mais preocupados, as contrapartes financeiras são realmente o ponto principal.

Tim Husnik: Na Medtronic, temos um perfil de crédito realmente forte e um fluxo de caixa livre bastante saudável, e isto, geralmente, supera muitas das contrapartes com as quais estamos negociando. Eu diria que cerca de 5% das empresas têm contratos de garantia em vigor com suas contrapartes, limitando ou minimizando os riscos que temos uns com os outros. É assim que abordamos este problema na Medtronic.

Q

Que recomendação vocês dariam para quem busca desenvolver um programa de hedge mais flexível em 2021?

A

Tim Husnik: Eu diria que a maioria das empresas tem algum tipo de estratégia de delegação de autoridade, ou seja, a diretoria transfere tal autoridade para uma pessoa que a transfere à equipe de FX. É importante que a delegação de negociações seja flexível. É sempre possível criar diretrizes e políticas que sejam direcionadas mais internamente ao departamento de tesouraria, caso seja necessário um pouco mais de estrutura e modelagem. Eu diria que esta delegação de autoridade por parte da diretoria é muito importante para negociar no mercado de câmbio, o que provavelmente se aplica a todos os mercados, como commodities e taxas de juros. É fundamental que nossa equipe de negociação ou nossa equipe responsável por gerenciar tal risco tenha bastante flexibilidade, pois precisamos nos adaptar a condições em transformação.

E eu sei que muitas empresas têm políticas em vigor que afirmam que todas as negociações de câmbio precisam ser realizadas em algum tipo de plataforma de negociação. Bem, esta pode ser a pior solução em alguns cenários. Tivemos que fazer uma grande negociação de ienes e tínhamos um dia para executar alguns bilhões de dólares de volume. No dia anterior, no horário comercial dos Estados Unidos, houve um grande movimento de cinco dígitos. Exploramos a negociação algorítmica durante à noite e concluímos uma pequena parte da negociação, porém quando chegamos ao crossover Londres-EUA, fez mais sentido cessar a negociação algorítmica e passar para métodos mais manuais. Simplesmente não havia volume suficiente no mercado. A boa notícia era: havia baixa volatilidade, mas também um volume bem baixo. Foi aí que tivemos que retornar à antiga forma manual de negociar com um único banco. Tínhamos um spread pré-negociado naquele volume e tivemos que executar daquela forma. Se quiséssemos completar esta negociação por meio de uma plataforma, o spread teria que ser maior do que aquele que pré-negociamos no modelo de negociação com um único banco. É extremamente importante ter a capacidade de negociar de várias formas diferentes.

Mesmo os métodos mais antigos, como negociação por telefone ou por e-mail, ou negociação por chat da Bloomberg, às vezes são os melhores métodos. Uma vez ou outra, o método de negociação menos sofisticado é o melhor. Atualmente, ter flexibilidade é fundamental para todos os mercados, caso ocorra algum outro evento.

Q

Como vocês veem o financiamento em 2021 e o que provavelmente mudará no futuro?

A

John Crain: Ocorreram muitas mudanças no segmento de energia. A realidade é que os bancos perderam bastante nos últimos anos. E, normalmente, a forma como estas linhas de crédito rotativo são estruturadas é a mesma em qualquer setor baseado em ativos. Sua taxa de financiamento é de 200 a 400 pontos-base sobre a LIBOR, portanto, não é um spread e uma fonte de receita significativos para os bancos. Mas, podem minimizar o risco por se tratar de uma posição de primeiro ônus, independentemente do nível de prioridade na estrutura de capital. Os bancos já haviam sofrido perdas bastante significativas em algumas das situações de crise do setor de petróleo e gás que tiveram início muito antes da pandemia COVID-19, e apenas exacerbou a gravidade da situação.

Portanto, seja em razão de garantias fracas, da COVID ou de fatores ESG, que por si só são um componente do recuo dos bancos, em especial os estrangeiros, as empresas do nosso setor não poderão mais contar com isto [as linhas de crédito rotativo] como uma fonte segura de financiamento, pelo menos não nos níveis robustos vistos nos últimos cinco anos. Desta forma, temos sido proativos, eu diria até progressivos, ao abordar diferentes fontes. E, felizmente, nosso perfil de negócios é de risco muito baixo.
De modo geral, os mercados acreditam que os bancos irão recuar. Parte do dinheiro mais institucional, o dinheiro de hedge fund, provavelmente apoiará o financiamento de alto rendimento, mas recuará no geral. No futuro, precisaremos de mais estruturas de securitização e amortização lastreadas em ativos. Assim, estamos nas linhas de frente, e procuraremos simplesmente continuar a evoluir.

Q

Suas estratégias de negociação de câmbio mudam para mercados desenvolvidos e em desenvolvimento?

A

Tim Husnik: É aí que nossa delegação de autoridade é um pouco específica. Para nosso programa de hedge de fluxo de caixa, este é o plano com o qual normalmente podemos contar para até os próximos três anos. Enquanto que, para nosso programa de balanço patrimonial, nossa tendência é manter estas negociações muito mais curtas, na faixa de três a seis meses, onde tendemos a operar. Este é o primeiro critério na tomada de decisão.

A segunda decisão é: entre as moedas para as quais fazemos hedge, há diferenças de prazo? Por exemplo, ao fazer o hedge de fluxo de caixa de uma moeda, como a lira turca, que tem um alto custo de hedge, estes são programas mais breves, geralmente na faixa de 6 a 12 meses. Para as moedas, nas quais ganhamos forward point carry – euro, iene ou libra esterlina – estendemos um pouco mais o prazo.

No programa de balanço patrimonial, com hedge para 30 moedas, temos uma estrutura com base no valor em risco, que nos ajuda a decidir, de acordo com nossas métricas internas, sobre o custo de hedge em relação à redução do valor em risco. No entanto, um dos nossos principais pontos de tomada de decisão é: mesmo que o custo do hedge seja alto, está exposição é maior em comparação com as outras? E é aí que as exposições de moedas como o peso argentino, o real do Brasil e a lira turca se destacam, pois operamos nestes países e temos um negócio relativamente grande nestes três mercados que acabei de mencionar.

No entanto, em termos de nossa empresa, decidimos operar nestes mercados e também decidimos que queremos gerenciar o risco. Então, não há reamente uma decisão a se tomar. Decidimos fazer o hedge de algumas moedas de alto custo, e mantemos o prazo um pouco mais curto, é claro. Nós nos adaptamos, utilizando critérios de risco específicos da Medtronic, nossos prazos do programa para o nosso perfil de risco, mas também nosso desejo de garantir que, no programa de balanço patrimonial, tenhamos o mínimo possível de re-cálculo líquido. Isto resulta na necessidade de se gastar um pouco mais em forward points do que talvez outras empresas – mas temos o benefício de aumentar a previsibilidade de nossos ganhos.

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