QuickTake: Qual é o futuro da incorporadora chinesa Evergrande, atualmente afundada em dívidas

Por David Scanlan, Cathy Chan e Alice Huang. Originalmente publicado no Terminal Bloomberg.

Uma das maiores reestruturações de dívida da China está para acontecer em 2022, com o Partido Comunista assumindo o curso, após a China Evergrande Group, a incorporadora imobiliária mais endividada do mundo, ter sido formalmente declarada inadimplente. Embora a intervenção estatal tenha reprimido os temores de um colapso desordenado que sacudiria a economia mundial, investidores que detêm títulos da Evergrande se perguntam quanto de seu dinheiro verão quando a poeira baixar. Enquanto isso, a Evergrande está sob pressão para entregar milhares de projetos habitacionais já vendidos – e pagar seus trabalhadores – para evitar o incitamento de conflitos sociais.

Como chegamos a este ponto?

A Evergrande, fundada em 1996, cresceu por meio de empréstimos enormes. Em 2010, vendeu o maior título em dólar até então entre incorporadoras chinesas, com oferta de US$ 750 milhões. Desde então, a empresa acumulou uma série de dívidas para impulsionar o crescimento, tornando-se a maior tomadora de dívida em dólares entre seus pares e a quinta maior incorporadora da China por vendas contratadas. A Evergrande conta com mais de 1.300 projetos em 280 cidades, segundo o site da empresa. Após um susto de liquidez em 2020, a empresa traçou um plano no início de 2021 para cortar sua dívida de US$ 100 bilhões pela metade até meados de 2023. Enquanto isso, o mercado imobiliário chinês desacelerava em meio a restrições regulatórias. Outro susto de liquidez fez com que ações e títulos da Evergrande despencassem e, no início de dezembro, após vários atrasos em pagamentos, a empresa perdeu o prazo para pagar dois cupons de títulos em dólar dentro de um período de carência. Em 6 de dezembro, o conselho da Evergrande anunciou a criação de um “comitê de gestão de risco” dominado por funcionários provinciais.

O governo ainda pode resgatar a Evergrande?

Esta perspectiva já foi muito vista como improvável e ficou ainda mais distante em 9 de dezembro, quando Yi Gang, governador do Banco Popular da China, afirmou que a empresa será tratada de forma orientada ao mercado. Um resgate financeiro total seria tacitamente conivente com o tipo de empréstimo imprudente que também afetou empresas em ascensão como Anbang Group Holdings Co. e HNA Group Co. Acabar com o risco moral – a  tolerância para apostas em negócios arriscados sob a crença de que o Estado sempre o resgatará – também tornaria o sistema financeiro mais resiliente no longo prazo. Por outro lado, permitir o colapso de uma grande empresa interconectada como a Evergrande repercutiria em todo o sistema financeiro e também atingiria milhões de proprietários de imóveis chineses. A empresa está se apressando para entregar milhares de projetos habitacionais e foi orientada por reguladores chineses a priorizar pagamentos a fornecedores e trabalhadores migrantes. Detentores de títulos da Evergrande agora enfrentam cortes e uma reestruturação que pode se estender por anos.

Quem são estes detentores de títulos?

Algumas das maiores empresas de investimento do mundo. Ashmore Group, BlackRock Inc., FIL Ltd., UBS Group AG e Allianz SE relataram deter dívidas da Evergrande nos últimos meses, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Quanta influência os detentores de títulos possuem?

Não muita. A Evergrande declarou no final de dezembro que o comitê de gestão de risco liderado pelo governo lidará ativamente com os credores da empresa. Alguns detentores de notas offshore veem pouca utilidade em litigar seus casos em tribunais chineses, dado o forte envolvimento do governo na revisão. Por se tratar de uma reestruturação transfronteiriça, com unidades emissoras de dívida listadas em diversas jurisdições, cria-se um novo desafio para detentores de títulos que buscam se organizar e mostrar uma frente unida. Ainda assim, alguns credores offshore já contam com consultores financeiros e jurídicos.

Quão ruins estão as finanças de Evergrande?

As vendas de imóveis da Evergrande despencaram em 2021 pela primeira vez em ao menos uma década, uma queda de 39% em relação ao ano anterior, com vendas praticamente congeladas desde outubro. Enquanto isso, a empresa contava com cerca de 1,97 trilhão de yuans (US$ 309 bi) em passivos em 30 de junho, o maior número entre seus pares na China. Quase metade deste valor são contas a fornecedores e outras contas a pagar, enquanto a dívida com juros totalizou 572 bilhões de yuans, queda de 20% em relação ao final de 2020. A empresa reduziu sua relação de dívida líquida sobre patrimônio líquido para menos de 100%, atendendo a uma das “três linhas vermelhas” do governo chinês — métricas impostas para limitar empréstimos por empresas imobiliárias. A Evergrande detém US$ 19,2 bilhões em títulos em dólar offshore em aberto, o maior número entre desenvolvedores chineses. Outro risco são as garantias da empresa sobre dívidas de partes relacionadas, incluindo títulos de colocação privada com divulgação limitada.

Outras incorporadoras estão em apuros?

Sim. O valor das casas novas vendidas pelas cem maiores empresas imobiliárias da China caiu anualmente pela primeira vez desde pelo menos 2016, com ainda mais perdas em dezembro. Rendimentos de títulos de alto risco chineses tiveram alta recorde de cerca de 25% em novembro, após várias incorporadoras entrarem em inadimplência ou sinalizarem problemas.

  • Kaisa Group Holdings Ltd., a terceira maior emissora de notas de dólar entre incorporadoras chinesas, possui US$ 11,6 bilhões em circulação, incluindo um título de US$ 400 milhões que deixou de pagar em dezembro.
  • No começo de outubro, a Fantasia Holdings Group Co. deixou de pagar um título de US$ 205.7 milhões e
  • Alguns dias depois, a Sinic Holdings Group Co. afirmou que não pagaria uma nota de US$ 250 milhões.
  • A Modern Land (China) Co. deixou de pagar um título verde de US$ 250 milhões  em outubro e então recebeu exigências de credores por pagamentos antecipados de dívidas sobre suas outras obrigações
  • Shimao Group Holdings, uma vez considerada uma empresa segura, perdeu todas as classificações de grau de investimento em dezembro e deixou de pagar parcelas de empréstimos onshore.

As inadimplências deste ano em títulos offshore de mutuários chineses bateram um recorde, com o setor imobiliário representando cerca de um terço dos pagamentos em aberto, segundo dados compilados pela Bloomberg. Incorporadoras do setor privado da China estão vendendo o menor número de títulos domésticos em quase cinco anos, aumentando o risco de inadimplência. A emissão privada de títulos em yuan caiu para 7,72 bilhões de yuans combinados em outubro e novembro, o menor total de dois meses desde janeiro de 2017. Pelo menos quatro desenvolvedores estão buscando permissão de investidores para atrasar o pagamento, enquanto outros vendem ativos a preços mais baixos para arrecadar fundos.

A Evergrande é bem relacionada?

Quando o presidente Xi Jinping marcou o centenário da fundação do Partido Comunista com um discurso proclamando a enorme ascensão de sua nação, naquele lugar, com vista para as festividades na Praça da Paz Celestial, estava Hui Ka Yan, fundador da Evergrande. Nascido em uma família pobre, filho de um lenhador, Hui é filiado ao partido há 35 anos e investiu em áreas endossadas pela alta liderança, como veículos elétricos e medicina tradicional chinesa. Ele é um filantropo reconhecido, embora seu patrimônio líquido tenha sofrido um baque, e a compra do time de futebol local Guangzhou F.C. indica que ele compartilha a paixão de Xi pelo esporte. No final das contas,  relações políticas não foram suficientes para evitar inadimplência.

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