Reforma vai reduzir o ’Clube do Milhão’ dos partidos políticos

Por Simone Iglesias e Mario Sergio Lima.

Uma forma garantida de ganhar um milhão de reais por ano no Brasil é criar um partido político e receber um naco do dinheiro de um fundo público. Mas essa benesse agora está sob ameaça com a aprovação pela Câmara de uma barreira que dificultará acesso a esse cofre.

A cláusula de desempenho aprovada esta semana pelos deputados tem entre suas funções conter a proliferação de novos partidos políticos. Tramitam na Justiça Eleitoral 68 pedidos de criação de novas agremiações, que poderiam se somar aos atuais 35 partidos, sendo 25 deles com representação no Congresso.

Pela nova regra, que ainda deve ser aprovada pelos senadores, as legendas precisam de um desempenho mínimo nas urnas para terem direito a recursos do fundo partidário. Anualmente, são reservados R$ 819 milhões do orçamento da União para financiamento dos partidos, sendo 5% deste valor distribuído em partes iguais, independentemente do tamanho, atuação e número de filiados.

“O lance não é ideologia, mas dinheiro,” diz o analista político André Pereira César, sócio da Hold Consultoria. “Quando se monta um partido, primeiro se ganha dinheiro e depois se discute o que realmente fazer”.

A legislação criou uma grande oportunidade de negócio para alguns grupos políticos, abrindo espaço para abusos como o caso do PROS, um partido com apenas seis deputados que está sendo investigado pelo Ministério Público Eleitoral. Em operação desde 2013, a legenda enfrenta ação no TSE por uso irregular do fundo partidário. O PROS comprou um helicóptero, um avião, duas casas e patrocinou viagens ao exterior sem motivação política comprovada. A Justiça Eleitoral quebrou o sigilo das contas do partido. Procurado, o partido não fez comentários.

Pelas regras atuais, mesmo os partidos sem representação parlamentar recebem R$ 1,17 milhão ao ano, ou quase 100 mil ao mês para se manterem. Estes recursos incentivam a criação de novos partidos e desestimulam a extinção de legendas, o que levou a uma fragmentação partidária sem precedentes no país.

Com a cláusula de desempenho aprovada pela Câmara, a partir de janeiro de 2019 só terão direito aos recursos públicos os partidos que elegerem número mínimo de 9 deputados federais ou então obtiverem 1,5% dos votos em 9 dos 27 estados brasileiros. Esta regra vai se tornando mais rígida nas três eleições seguintes, 2022, 2026 e 2030, com um aumento gradual no número de deputados e de votos.

“A mudança na lei de fato não restringe a criação de partidos, mas dificulta consideravelmente o acesso ao fundo partidário,” disse o especialista em direito eleitoral e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Henrique Neves. “Acho que esta regra desestimula aqueles que querem criar partidos para receber recursos e mantém o estímulo aos que são ideológicos e não se preocupam com fonte de financiamento”.

Na fila para serem criados, há partidos para as mais variadas orientações políticas, religiosas e até mesmo futebolísticas, como o Partido do Corinthians. Apesar de a Constituição proibir que agremiações adotem uniformes ou deem instruções militares, está em estágio avançado de formação o Partido Militar do Brasil. Para uma legenda ser criada, é preciso coletar assinaturas de 446 mil eleitores de um total de 144 milhões em todo o país. Feito isso, espera-se homologação da Justiça Eleitoral.

“A fragmentação partidária do Congresso demanda muito esforço de articulação política do governo e muitas vezes leva a práticas fisiológicas, de contemplar interesses em troca de apoio”, avalia o advogado e cientista político Marcelo Issa, fundador da ONG Transparência Partidária.

Além dos partidos em formação, alguns já existentes estão mudando de nome, numa tentativa de se reinventar em meio à onda de corrupção no país. O PMDB voltará a se chamar MDB, nome original do partido do presidente Michel Temer. O DEM, que nasceu da Arena e se transformou em PFL na década de 1980, agora avalia nova nomenclatura. Essa onda está causando polêmica no país.

Em seu twitter, o ex-presidente Lula criticou essa movimentação. “As pessoas estão inventando nomes. Nós nascemos PT e não temos vergonha de dizer que nós somos do Partido dos Trabalhadores”, escreveu.

“É uma mudança cosmética, só de nome, nem mesmo tocam nos estatutos dos partidos,” diz Issa.

Com dezenas de legendas para administrar na Câmara, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), é um defensor da cláusula de desempenho e do fim das coligações nas eleições proporcionais. Segundo ele, as duas medidas tornarão mais racional o funcionamento do Legislativo.

“A cláusula de desempenho reduz o número de partidos no Parlamento. Em vez de 25, vão ter 15, 16. O fim das coligações para 2020 e para 2022 levará a cair ainda mais, para sete ou oito partidos”, disse à Bloomberg.

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