Por Satyajit Das.
Apesar de tanta tensão sobre quando e como o Federal Reserve começaria a reduzir seu gigantesco programa de compra de títulos, os países emergentes parecem relativamente bem preparados para o aumento dos juros nos EUA. Comparando com o período anterior à crise financeira de 1997, muitas nações conseguiram fortalecer suas defesas — liberando as taxas de câmbio, acumulando reservas internacionais e reduzindo as dívidas denominadas em dólares.
Essas reformas estruturais eram extremamente necessárias. E devem impedir uma crise imediata, especialmente porque o banco central americano está elevando os juros de forma deliberada. Mas nenhum desses países pode se dar ao luxo da complacência: uma confluência de fatores aparentemente aumenta, em vez de diminuir, os riscos para os mercados emergentes.
Começando pelas dívidas. Muitas companhias se empenharam em pagar as dívidas em dólar, mas o nível de endividamento em moeda estrangeira nos mercados emergentes – sem cobertura por receitas em moeda estrangeira ou instrumentos de hedge – continua preocupante. O crédito em dólares a tomadores estrangeiros de empréstimos (excluindo bancos) subiu mais de 50 por cento desde 2009 para aproximadamente US$10 trilhões. Até três quartos dessas dívidas são denominados em dólares e os países em desenvolvimento são responsáveis por boa parte. Somente as empresas chinesas devem mais de US$ 1,1 trilhão a credores no exterior. No Brasil e no México, esse número é próximo de US$ 400 bilhões. No caso da Rússia, chega a US$ 700 bilhões.
A alta de juros dificulta o pagamento dessas dívidas, principalmente para quem já está penando para honrar seus compromissos.
A retirada do suporte de liquidez pelo Fed torna mais escassos e caros os dólares necessários para pagar essas dívidas. Embora o Banco Central Europeu, o Banco do Japão e o Banco Popular da China ainda estejam proporcionando liquidez, nenhum deles pode fornecer dólares.
Para piorar, a recuperação dos preços das commodities — que sustentava os ânimos no final do ano passado — parece ter ficado para trás. Trata-se de um perigo duplo. Exportadores de matérias-primas, como Indonésia e Brasil, vão gerar menos receitas em dólares para pagar dívidas. A entrada menor com a venda de commodities também reduz a liquidez ao diminuir os fluxos de capital pelo mundo – mais notavelmente na forma de reciclagem de petrodólares – e isso tem efeitos adversos sobre financiamentos, preços dos ativos e juros.
Medidas positivas, como captações em moeda local, podem criar outros problemas. Mesmo em países onde a maior parte das dívidas é denominada em moeda local – como Malásia, México, Polônia, Turquia e África do Sul –, os investidores são frequentemente os estrangeiros. O dólar forte e a deterioração das condições de crédito podem provocar a saída dos investidores estrangeiros. Neste contexto, a venda de instrumentos cria uma espiral prejudicial que impacta as moedas e também os títulos de mercados emergentes.
Por fim, todos esses países vão sofrer se a economia dos EUA derrapar por causa da normalização da política monetária pelo Fed. Apesar do otimismo nos mercados, essa possibilidade não é desprezível.
O risco financeiro também continua elevado. As corporações dos EUA aumentaram suas dívidas em US$ 7,8 trilhões desde 2010. O endividamento mediano entre as componentes do S&P 500 está perto de um recorde, acima de 1,5 vez o lucro.
Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional, empresas responsáveis por 10 por cento dos ativos corporativos dos EUA atualmente não conseguem pagar as despesas com juros usando seus lucros. Se os juros subirem, essa parcela vai mais que dobrar.
O dólar forte também pode reduzir a competitividade das exportações e ameaçar ainda mais a atividade econômica. E considerando que juros maiores elevam o custo de captação pelo governo, o presidente Donald Trump terá menos margem de manobra – por exemplo, para impulsionar a economia via bilhões de dólares em gastos em infraestrutura.
É por isso que as defesas financeiras nos mercados emergentes podem se mostrar inadequadas. Muitas dessas economias continuam dependentes de commodities ou poucos itens de exportação.
A corrupção continua disseminada e a governança segue fraca. Os riscos políticos – desde a Turquia e a África do Sul ao Leste Europeu e a América Latina – estão aumentando. A oposição crescente ao comércio internacional e à globalização limitam as opções dos governos.
Investidores e autoridades parecem estar ignorando esses riscos. A falta de memória é tradição mundial.
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